FREYRE, Gilberto. Anísio Teixeira: sua idéia de universidade. Diário de Pernambuco. Recife, 18 dez. 1958.

ANÍSIO TEIXEIRA: SUA IDÉIA DE UNIVERSIDADE

Gilberto FREYRE

Anísio Teixeira entrou em 1930 numa fase nova de vida brasileira sem compromissos de ordem partidária ou sequer de carater político com o regime destruido em outubro daquele ano. Mas distante, por outro lado, dos novos lideres. Sem cortejá-los. A proporção, entretanto, que foram se definindo em alguns dos triunfadores responsaveis pelo novo regime de idéias de reforma nacional através de novas técnicas de ensino, foi se esclarecendo, entre êles, a necessidade de solicitarem de apolíticos notaveis pela competencia e pelo espírito público a orientação, para aquela reforma, que não lhes podia vir de simples mas ingênuos idealistas, ligados à vitoria de 30.

Compreende-se assim que poucos anos depois de 30, Anísio Teixeira tenha surgido diante do <<novo Brasil>>, investido de uma responsabilidade - na verdade, de uma missão - que exigia o máximo do seu espírito público exigindo também o máximo do seu saber já magnificamente especializado em assuntos de educação: a responsabilidade de diretor geral do ensino no Distrito Federal, com o poder de dar tôda uma organização nova ao sistema de educação da capital da Republica. Uma organização nova que devia oferecer exemplos de reforma pedagógica e de renovação de administração escolar ao país inteiro.

Foi quando se empenhou na criação de uma universidade, arrojadamente experimental, embora não lhe faltasse recorte classico; e que permanece, ao meu ver, o exemplo mais alto e mais puro de organização universitária que já se realizou em nosso país. A mais compreensiva, honesta e plenamente universitária. A que procurou conciliar mais inteligentemente os valores classicos, essenciais a uma universidade, com os flexivelmente modernos e os audaciosamente experimentais que a adaptassem à situação brasileira, preparando-a para uma ampla renovação social.

Fui dos brasileiros apolíticos procurados por Anísio até nas províncias para colaborarem nesse empreendimento dificil e complexo, tão acusado, anos depois, de ter sido puro pretexto a propaganda de carater sectariamente ideológico entre a gente moça e desprevenida da capital brasileira, na qual estaria empenhado o próprio Anísio Teixeira. Meu depoimento só pode ser em sentido contrário. Foi-me confiada a chefia de todo um importante departamento da Faculdade chamada de Economia e Direito - o de Antropologia, Sociologia e Psicologia Social - sem que nunca me tivesse sido feita a mais remota sugestão no sentido de ser dado aos programas dessas catedras outro colorido que não fosse o humanistico, o cientifico, o universitário.

Foi de minha iniciativa a ligação das idéias gerais desses programas a situações concretamente brasileiras. Mas com o objetivo - que de início comuniquei a Anísio Teixeira que seria o meu principal objetivo como orientador daquelas três cátedras, encontrando nele plena simpatia com êsse meu propósito - de procurarmos, os pesquisadores e estudantes, no Brasil, de assuntos antropológicos, sociológicos e psico-sociais, nos inteirar, através do estudo quanto possível objetivo e da pesquisa quanto possivel de campo, de peculiaridades brasileiras de formação social e de situação psico-social, antes de nos precipitarmos na aplicação, a tais situações, de soluções aparentemente messiânicas importadas do estrangeiro.

Versou êsse tema minha conferencia inicial, sôbre Antropologia, na nova Universidade: e precisamente nessa época, convidado pelos estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo a proferir, no seu tradicional Onze de Agosto, uma conferencia, o assunto que escolhi para tal preleção foi <<Menos doutrina e mais análise>>. Contra o que eu principalmente procurava advertir os estudantes de São Paulo, tanto quanto os do Rio, era contra os <<ismos>> importados do estrangeiro por uns tantos ideólogos - alguns eloquentes - que, sem estudos nem ecológicos nem históricos da situação brasileira, pretendiam orientar a mocidade brasileira de então no sentido de soluções por eles apresentadas como definitivas e <<científicas>>.

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