SCHERER, Dom Vicente. Grupo Poderoso, no Ministério da Educação, está promovendo o laicismo do ensino e materialismo da vida. Veemente denúncia de Dom Vicente Scherer, Arcebispo de Porto Alegre. O Diário. Rio de Janeiro, 1 mar. 1958.

Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATj61

<<GRUPO PODEROSO, NO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, ESTÁ PROMOVENDO O LAICISMO DO ENSINO E MATERIALISMO DA VIDA>>

Veemente denúncia de Dom Vicente Scherer,

Arcebispo de Porto Alegre.

Discursando durante a solenidade comemorativa do aniversario de sua sagração, o apostólico prelado ressaltou o atentado à consciência católica que se quer perpetrar pela aplicação de um plano de orientação ateista - princípios cristãos exigem que a escola seja prolongamento do lar - convocada a catolicidade de todo o Brasil para impedir a ação nefasta dos comunistas.

Domingo último, data de seu 11o aniversário de Consagração, o Arcebispo Metropolitano de Pôrto Alegre, Dom Vicente Scherer, promunciou incisiva oração, em que abordou a tentativa que se está movendo contra o ensino particular em nosso país. É o seguinte o texto do discurso do Arcebispo, feito por ocasião da missa solene, oficiada em honra do aniversário de sua sagração episcopal, publicado pelo "Jornal do Dia", de Porto Alegre, de onde, data venia, transcrevemos:

"Atribuo a esta solenidade, com palavras empregadas, em recente documento, por Pio XII, a significação de um "testemunho de unidade e caridade" . Testemunho de unidade das fôrças, das iniciativas, das vontades e dos corações em tôrno da pessoa do Bispo, como penhor de ortodoxia na doutrina e de fecundidade na ação; testemunho de caridade, compreensão, amor fraterno que necessàriamente, na família diocesana cristã, manifestam e caracterizam a presença e o espírito de Deus. Não é como "príncipe da Igreja" que apraz ao Bispo ser definido e tratado, mas como Pastor e Pai, que não conhece preocupações e alegrias outras que o bem espiritual e material das ovelhas de Cristo confiadas à sua solicitude, à sua vigilância e ao seu govêrno. Aos presentes, pois, e a todos que bondosamente se associaram a este expressivo testemunho, principalmente ao generoso intérprete dos sentimentos da coletividade católica, a segurança do nosso sincero reconhecimento.

Acrescentou o Santo Padre às palavras citadas que para o Bispo, responsável pelo apostolado em sua diocese e pela doutrina que nela se ensina, todos os esforços devem convergir. Faltando esta inserção profunda nos empreendimentos comuns da Igreja em tal região, em tal meio, o ministério particular arrisca-se bem depressa a perder sua fecundidade sobrenatural, como um rio desligado de sua nascente não tarda em secar" (Carta ao C. Feltin. 25-3-1957).

TRIGO E JOIO

Consola-nos sobremodo o exuberante florescimento das obras de religião, de apostolado, de assistência e caridade que o zêlo e a generosidade do clero e de leigos operosos por tôda parte promovem e aperfeiçoam, dominandos pelo amor do Cristo, obedientes aos apelos da Igreja, angustiados pela miséria moral e espiritual dos esquecidos de Deus e pela penúria econômica dos abandonados pela justiça social dos homens.

Mas, observamos igualmente a ação destruidora das forças da negação e do mal. O ateismo também entre nós conta com apóstolos e evangelistas que desdobram atividade tenaz e articulada que, sob êsse aspecto, a muitos de nós, apáticos e comodistas, poderia servir de exemplo e incitamento.

Na sementeira do trigo da verdade e da virtude, segundo a parábola do Senhor (Mt. 13), surpreendemos o adversário, o "inimicus homo", que, na calada da noite ou até sem disfarces, à plena luz do dia vai passando e espalhando o joio e a cizânia da falsa doutrina.

ORIENTAÇÃO MATERIALISTA DE ORIENTADORES DE ENSINO

Queremos hoje referir-nos a um grupo podereso que, - impõe-se-nos a renovada denúncia à consciência católica e cristã do País -, instalado no Ministério da Educação e Cultura do Rio de Janeiro, está promovendo não só o laicismo do ensino mas também a laicisação e o materialismo da vida. Sistemàticamente procura-se realizar um plano de orientação materialista e ateísta do ensino nacional e se move uma campanha ardilosa contra as escolas particulares, em favor do monopólio estatal do ensino. Os patrocinadores dêsse programa de ação apresentam e defendem uma doutrina de desenvolvimento nacional inspirada e baseada na mesma filosofia em que se abeberou Carlos Marx para elaborar as teses fundamentais da sua interpretação materialista da história e a sua teoria econômica, viga-mestra do comunismo.

MONOPÓLIO ESCOLAR

O Prof. Anísio Teixeira, a figura mais destacada do referido grupo, apresenta a escola pública universal e gratuita do Estado como remédio para os males da educação no Brasil (Educação não é privilégio, 1957). Em artigo publicado em CAPES, boletim informativo da Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, afirma: "Obrigatória, gratuita e universal, a educação só poderia ser ministrada pelo Estado. Impossível deixá-la confiada a particulares, pois, êstes sòmente podiam oferecê-la aos que tivessem posses (ou a "protegidos") e daí operar antes para perpetuar as desigualdades sociais que para promovê-las" (n. 48, 1956, pag. 3).

A mentalidade hostil ao ensino particular, dominante em certas esferas oficiais, ficou evidenciada igualmente no recente congelamento, pela COFAP, das anuidades escolares.

EDUCAR, DIREITO DA FAMÍLIA

Mas, a voz da natureza e da razão, o consenso unânime dos povos, as leis positivas de todos os Estados civis democráticos, o ensino da Igreja, proclamam concordemente que a educação dos filhos é um dever natural de quem lhes deu a vida. O direito de educar decorre da própria geração dos filhos. Depois que estes atingiram seis ou sete anos, a família necessita de uma escola para dar-lhes forma - pois, considerada um prolongamento e um aperfeiçoamento da família. E os pais, confiando os filhos à escola, não podem renunciar ao seu direito inalienável de educar mas sòmente o delegam, na medida reclamada pelo bem dos filhos e da coletividade.

OS MESTRES, MANDATÁRIOS DOS PAIS

Se a educação dos filhos é um direito natural e intangível da família, as pessoas associadas a esta obra educativa, mestres e dirigentes dos institutos escolares, são mandatários e representantes dos pais. E como a escola tem essencialmente uma função educativa, escolher uma determinada escola significa preferir uma certa forma de educação escolar, informada de especiais princípios pedagógicos, morais e religiosos. Decorre daí um primeiro e fundamental aspecto da liberdade escolar: a livre escolha da escola por parte dos pais. Os direitos da família são anteriores e superiores aos do Estado e da comunidade política que se constitue pela união de famílias existentes antes dêle.

Não reivindicamos o direito de educar sòmente para os pais católicos; aos adeptos de qualquer crença e mesmo às famílias pagãs assiste êle igualmente com fundamento nas razões apontadas. O monopólio estatal do ensino é um violento atentado a prerrogaticas insuprimíveis da família.

A PALAVRA DOS PAIS

Multiplicaram os Sumos Pontífices nos últimos setenta anos as manifestações do seu magistério sôbre êste ponto. Ainda há poucos meses, em novembro do ano findo, Pio XII, falando ao 1 Congresso Internacional das Escolas Particulares da Europa, insistiu: "Um Estado que atribui a si exclusivamente a tarefa da educação e proibe aos particulares ou aos grupos independentes de assumir neste setor responsabilidade própria, manifesta uma pretensão incompatível com as exigências fundamentais da pessoa humana. Assim a idéia da liberdade escolar é admitida por todos os regimes políticos que reconhecem os direitos do indivíduo e da família" (Oss. Rom. 13-11-1957).

O MONOPÓLIO E OS REGIMES TOTALITÁRIOS

O monopólio estatal do ensino é tese essencialmente totalitária e antidemocrática. Nos países satélites da Rússia, os dirigentes soviéticos iniciaram, em todos êles a supressão dos direitos políticos e a perseguição religiosa com fechamento das escolas da Igreja. Hitler, desde 1935, movimentou a tremenda máquina publicitária do nazismo contra as escolas confessionais, até sua total extinção. Mussolini, em 1929, preparou o golpe destruidor do ensino particular na Itália e foi esta a ocasião que motivou a publicação da monumental encíclica de Pio XI (Divini Illius Magistri", verdadeira Carta Magna da educação cristã da juventude.

A socialização dos meios de produção, postulado básico do comunismo, estabelece e firma a tirania econômica do Estado sôbre os cidadãos e trabalhadores; espoliação pior, em certo sentido, vem a ser a socialização ou monopólio do ensino, porque escraviza as inteligências ao Estado que pretende impor aos súditos a opinião de alguns poderosos no momento sôbre o sentido e a orientação da vida.

TENDÊNCIA GENERALIZADA

Observamos que em tôda parte, não só nos países totalitários, os povos como os indivíduos acham-se em nossos dias constantemente ameaçados pelas tendências crescentes do Estado moderno de impôr a sua dominação absoluta em quaisquer setores da vida e das atividades humanas. O perigo de tornarem-se totalitários constitui tentação permanente dos govêrnos em nossos tempos. Esse totalitarismo está dentro da lógica do materialismo e da negação da vida espiritual. É um método muito cômodo para o govêrno. Mas, não corresponde à justa concepção do homem e menos ainda ao conceito cristão do Estado.

Se, pois, negamos ao Estado o direito ao monopólio escolar, que erradamente êle se reivindica, temos a certeza de dar uma contribuição preciosa e talvez decisiva à vida cultural do nosso povo, ao seu livre desenvolvimento democrático no sentido mais verdadeiro da palavra. Na defesa da liberdade escolar a luta dos católicos deverá ser decidida e sem treguas. O sr. Anísio Teixeira e seus colaboradores pretendem possuir um sistema ou método educativo próprio, que não é seguramente o que preconiza e aplica a Igreja.

GLÓRIA E FALHAS DO ENSINO PARTICULAR

Não tem fundamento a campanha de descrédito que alguns funcionários do Ministério da Educação movem contra a escola livre ou particular. Haverá certamente deficiências e abusos. Mas, porventura não existem êles nos estabelecimentos oficiais? As repetidas exortações de Pio XII e inúmeros documentos episcopais demonstram vivamente quanto a Igreja se preocupa com o aperfeiçoamento do ensino católico e a atualização dos métodos didáticos.

Centenas de milhares de pais e mães, em todo território nacional, fazem pesados sacrifícios para enviar os filhos aos institutos educativos fundados e mantidos pela Igreja ou outras entidades particulares. Pensam êles sôbre o ensino livre de modo diferente do sr. Prof. Anísio Teixeira e seus companheiros. Acusam estes o ensino livre de mercantilismo e promotor ou conservador de desigualdades sociais. A generalização é inteiramente injusta. Concordamos em que aqueles que, ao abrir um estabelecimento de ensino, procuram montar um negócio rendoso, não devem obter proteção do Estado. Mas, os abusos são exceções. Quem não observa que eventuais economias ou lucros dos colégios católicos são aplicados em benefícios do próprio ensino, isto é, em prol das obras de formação dos futuros mestres, ou na ampliação dos estabelecimentos e na construção e outros novos?

ALUNOS RICOS E POBRES

Serão as escolas particulares para os ricos? Nos estabelecimentos públicos estudam pessoas abastadas da mesma forma como nos colégios particulares. O Ministério da Educação, como é indeclinável obrigação de justiça distributiva do Estado, auxilie com suas verbas as aulas particulares para que se possam manter honestamente e as taxas escolares serão diminuidas ou abolidas. Em muitas ótimas escolas do interior, os pais pagam a contribuição irrisória de vinte cruzeiros mensais ao professor primário particular que não aufere no ensino o mínimo indispensável para sua decente subsistência, muitos professôres municipais vivem nas mesmas precárias condições. É uma clamorosa injustiça que o Estado comete obrigando os pais, que desejam uma escola informada de determinados princípios educativos, a pagar duas vezes a taxa escolar, uma vez contribuindo para os impostos comuns, com que são mantidos os estabelecimentos públicos de ensino, e outra vez atendendo às justas exigências da escola particular em que os filhos estudam.

APREENSÕES E ESTRANHEZA

Os ataques velados e abertos que partem do Ministério da Educação contra o ensino livre nos suscitam graves apreensões e alertam a consciência cristã. Devemos estar a postos para a defesa de uma das prerrogativas mais caras e imprescindíveis de um povo livre. Neste ensejo, em nome da população católica do Rio Grande do Sul, interpretando sem dúvida também o pensamento dos adeptos das religiões evangélicas, com o devido respeito, manifestamos a nossa estranheza diante do fato de que o sr. Presidente da República e o sr. Ministro da Educação não tenham tomado decisivas providências para impedir o agravo que se está cometendo aos direitos da imensa maioria dos cidadãos brasileiros, que se conservam fiéis à fé tradicional e, em geral, ao direito fundamental dos pais à escola de sua preferência.

EXCELÊNCIAS DA EDUCAÇÃO CRISTÃ

A educação cristã, que a Igreja preconiza e exalta, enriquece a vida intelectual com conhecimentos técnicos e científicos, enrija o corpo pela cultura física, mas, principalmente, fortalece a vontade, forja caracteres, purifica e enobrece o coração, desenvolve e alimenta uma sadia vida de fé e de piedade. Uma escola sem ideal superior, uma pedagogia sem alma, um ensino sem preocupação educativa, seria um jardim sem sol, um lar sem fogão, uma lareira sem chama, um coração sem amor, um corpo sem alma, uma fonte sem jôrro de água cristalina, um canteiro sem flôr, uma rosa sem matiz e perfume. O efeito e o resultado, intencional ou não, se as falhas não forem sanadas em outros ambientes, seria um pernicioso atrofiamento da obra educacional, uma subnutrição afetiva, um depauperamento espiritual da criança e do jovem, o caminho para a descristianização do povo e o bolchevismo econômico e moral. Deus preserve o Brasil da perda do seu mais opulento patrimônio a alma cristã dos seus filhos.

O PÃO E A PALAVRA DE DEUS

No evangelho deste domingo, o primeiro da quaresma, escutamos as palavras com que o Salvador repeliu o tentador: "Não é só de pão que vive o homem, mas de tôda palavra que sai da bôca de Deus".

A escola dará ao educando não sòmente o pão da instrução, o aprendizado de noções e conhecimentos, a habilidade profissional; ao pão natural do enriquecimento intelectual e da preparação técnica, é preciso acrescentar o pão do espírito, a formação da vontade, para a vida da graça, segundo a palavra que sai da bôca de Deus. Para os indivíduos e os povos é êste o caminho do progresso, da justiça, da felicidade, do triunfo e da glória".

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