TEIXEIRA, Anísio. Governo não hostiliza escola particular; ajuda-a com verbas sempres maiores. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 22 abr. 1958.

Declara o Sr. Anísio Teixeira:

GOVÊRNO NÃO HOSTILIZA

ESCOLA PARTICULAR; AJUDA-A

COM VERBAS SEMPRE MAIORES

Acusado pelos bispos gaúchos, em memorial bastante divulgado, de favorecer à escola oficial e de hostilizar a escola particular, o Sr. Anísio Teixeira, diretor do INEP, analisa aquêle documento no trabalho que publicamos abaixo, por êle mesmo enviado ao JORNAL DO BRASIL:

Depois de haver sido eu horando - que outra coisa poderá ser? - com acusações proferidas no altar, pelo Sr. Arcebispo Metropolitano da província de Pôrto Alegre, contra a minha defesa da escola pública, sou agora novamente distinguido com um memorial de todos - devem ser todos - os Bispos da "província" do Sul, já agora dirigido ao Presidente da República.

Que diz êsse memorial? Vem representar ao Presidente da República "acêrca das gravíssimas consequências que, com repercussão sôbre tôda a vida nacional, advirão da insistência com que órgãos do Govêrno Federal propugnam a implantação exclusiva de sistemas de ensino oficiais em todo o País, do mesmo passo que "hostilizam, e sem tréguas, a iniciativa particular nesse mesmo campo de atividade".

Duas afirmações estão aí contidas: 1) órgãos do Govêrno "propugnam a implantação exclusiva de sistemas de ensino oficial em todo o País" e 2) órgãos do Govêrno "hostilizam, sem tréguas, a iniciativa particular nesse mesmo campo de atividade".

PROVAS?

Que provas oferecem os Senhores Bispos dessas duas afirmações? No parágrafo primeiro do memorial encontramos trechos da Constituição em que a mesma fixa a "educação como direito de todos", isto é, estabelece o princípio da "igualdade de oportunidades", declara ser "livre o ensino à atividade particular", determina a obrigação das emprêsas privadas de manter ensino primário gratuito e a ministrar em cooperação aprendizagem profissional, na forma da lei e, no ensino superior livre, determina a vitaliciedade do professor por concurso, na forma da lei, concluindo-se daí, segundo o memorial, que a Constituição reconhece a insuficiência do ensino oficial, proclama a liberação de ensino em todos os ramos, sendo, portanto, discrepante da Constituição "a atitude daqueles órgãos governamentais que se orientam contra êsses princípios, ao rumo de crescente limitação coerciva do ensino privado, guerreando-o, a êste, como adverso aos interêsses nacionais".

O parágrafo repete, pois, simplesmente a acusação e dá-lhe os fundamentos constitucionais em que se apóia o memorial. A notar, há, apenas, o esquecimento de citar êsses dois princípios da Constituição:

1) "o ensino primário é obrigatório" (art. 168);

2) "o ensino primário oficial é gratuito para todos" (art. 168).

Essas duas citações anulariam tôda a fundamentação da acusação, mas, vamos ver se há provas de que os fatos da acusação são verdadeiros, antes de saber se a acusação é justa, isto é, se é acusação.

CITAÇÕES ERRADAS

O parágrafo II do memorial refere-se à idéia de que todo o ensino deve emanar do Estado, cita uma frase de Pontes de Miranda sôbre a escola única e a posição dos "extremistas" e dos "socialistas" a respeito - para depois dizer que isto é "o que prega abertamente o professor Anísio Teixeira" e para prová-lo começa por reconhecer que não advogo "o monopólio de educação pelo Estado". É verdade que não repete minha frase textual que é esta que aí está, mas, declara que embora inculque não advogar o "monopólio da educação pelo Estado", espero da escola pública ou comum "os mesmos resultados pré-revolucionários, previstos com ansiosa expectativa, pela doutrina socialista". E para provar essa minha "esperança" cita frase em que me refiro à obrigação da escola pública de não fazer discriminação por "classe" dentro da escola (obrigação constitucional) e procuro mostrar as vantagens dêsse princípio de igualdade social é para provar que defendo a escola única cita frase minha de outro trabalho em que, referindo-me às três ordens do Govêrno - Federal, Estadual e Municipal - digo que "a escola primária seria "uma só", administrada pelo município e organizada pelo Estado, dentro das bases e diretrizes federais e que as escolas médias e superiores seriam instituições autônomas, à maneira de autarquias, organizadas pelo Estado e sujeitas aos princípios da lei federal.

Convém dar na íntegra as frases citadas, para melhor inteligência do leitor:

"Exatamente - escreve o Professor Anísio Teixeira - porque a sociedade é de classe é que se faz ainda mais necessário que as mesmas se encontrem em algum lugar comum, onde os preconceitos e as diferenças não sejam levadas em conta e se crie a camaradagem e até a amizade entre os elementos de uma ou de outra" (Educação não é privilégio, cit., págs. 114 e 115).

"A escola primária seria uma só, administrada na ordem municipal e organizada pelo Estado, dentro das bases e diretrizes federais, e as escolas médias e superiores seriam instituições com administração autônoma, à maneira de autarquias também organizadas pelos Estados e sujeitas aos princípios da lei federal". (A Municipalização do Ensino Primário, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 27, n. 66, 1957, pág. 24)".

A seguir a estas citações, uma referente à igualdade de todos os brasileiros dentro da escola pública e outra à organização eminentemente pluralista da escola primária (organizada por cada estado brasileiro) e da escola média (com administração autônoma cada uma delas), dá-me o memorial como defensor da escola única e do monopólio da educação pelo Estado.

ORDEM E PROGRESSO

Confessemos que é um pouco demais. Não fica nisto, porém, êsse parágrafo da representação. Cita-me ainda a seguinte frase:

"Reinvidicações sociais, para que a escola iria preparar o povo, amadureceram e estão sendo quiçá atropeladamente satisfeitos, com ou sem fraude aparente, dentro da aceleração do processo histórico, impedindo-nos de ver, com a necessária exatidão, quanto nos faltam ainda de reivindicações anteriores e condicionadoras, não satisfeitas no devido tempo e, por isto mesmo, mais difíceis ainda de apreciar e avaliar exatamente". (Educação não é privilégio, cit., pág. 81 e 82)".

Esta frase é retirada de um contexto em que procuro caracterizar o anacronismo de estarmos ainda hoje a lutar pela educação pública e gratuita de todos os brasileiros. Essa reivindicação (creio que os senhores Bispos do Rio Grande do Sul reconhecem que a escola gratuita seja uma reivindicação social) já deverá haver sido atendida e muito antes de reinvindicações sociais (as das leis trabalhistas) mais avançadas. A subversão de atender primeiro a reivindicações de justiça econômica e depois a reinvindicações educativas havia-nos levado, dizia eu, à confusão educacional do momento presente brasileiro. A frase elucida também, no que lhe está implícito, que a escola iria preparar o brasileiro para as reivindicações ulteriores, isto é, levá-lo a compreender o sentimento das mesmas e não se perturbar nem entrar em desordem com a sua conquista prematura.

A frase é tudo que há-de mais ordem e progresso que se possa imaginar. Estava a defender a idéia de preparar os homens para entenderem a revolução social, em que estamos imersos, queiramos ou não queiramos, e não a preparar a revolução social. A idéia de levar pela escola os brasileiros a se prepararem para as mudanças sociais, que estão ocorrendo e que continuarão a ocorrer, é o que há-de mais comesinho na própria doutrina social da igreja. (1)

No parágrafo III, declara o Memorial que "não é lícito ..." "órgãos governamentais preparem, entre nós, uma Revolução Social através da escola".

Veja-se bem que o memorial representava contra "a implantação exclusiva de sistemas de ensino oficiais" e contra a hostilização "sem tréguas da iniciativa particular nesse mesmo campo de atividades". Quanto ao primeiro item em vez de prova reconhece que "inculco não advogar o monopólio da educação pelo Estado". Na realidade não inculco, mas o declaro enfàticamente.

A ESCOLA PARTICULAR

Quanto à hostilidade ao ensino particular, nenhuma palavra. E agora, a idéia verdadeiramente extraordinária de que a escola pública prepara uma Revolução Social, que seria a revolução socialista. Em nenhum país capitalista do mundo a escola pública gerou o socialismo. Em nenhum país do mundo, a revolução foi feita pela escola. O que dizem todos os pensadores prudentes e sensatos é que a escola pode evitar a revolução, no sentido de preparar os homens para entender as transformações sociais em curso, a elas adaptar-se, evitando as explosões violentas e as subversões dos valores e da ordem. Ninguém mais do que a Igreja compreende e aceita êsse progresso dentro da ordem.

A campanha, se campanha se pode chamar, o modesto esfôrço do INEP pela recuperação da escola pública, hoje em grave estado de deterioração, por uma série de causas, que venho procurando analisar em meus escritos, a campanha pela escola pública, obrigatória e gratuita, não é, campanha do INEP nem de Anísio Teixeira, mas campanha do Govêrno Brasileiro, do mais elementar sentido constitucional, e objeto hoje do esfôrço não só do Brasil, mas, de todo o Continente, estimulada e apoiada por uma reunião de Ministros de Educação de tôda a América, realizada em Lima, Peru, sob os auspícios da Organização dos Estados Americanos, e da UNESCO. O projeto maior da UNESCO para o estabelecimento definitivo da escola primária gratuita e obrigatória para a América Latina recebeu a aprovação de todos os Estados membros, inclusive do delegado do Vaticano, havendo sido expressamente aprovada pela SS. o Papa.

A atitude dos senhores Bispos do Rio Grande do Sul revela-se contra a escola pública, e não em defesa da escola particular, que declaram hostilizada, mas, sôbre o que nada concretizam, pois, a realidade é que a escola particular longe de ser hostilizada pelo Poder Público é ajudada por êle e com verbas públicas cada vez mais crescentes.

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