TEIXEIRA, Anísio. A função da universidade. O Estado de Minas. Belo Horizonte, 23 jun. 1963.

REVEZAMENTO

A Função da Universidade

Anísio TEIXEIRA

COMEÇA a nossa sociedade a passar pelas mudanças já ocorridas em outros meios: emigração para as cidades, urbanização intensiva, mobilidade social, vertical e horizontal, adaptação a novas condições de trabalho, senso de fronteira, senso de oportunidade e expansão, todo um processo de liberação de fôrças e de enfraquecimento de inibições, dando como resultado a confusão e incerteza, características dos períodos de propulsão e de aventura.

Tudo isto pode produzir apenas uma nova ordem de trabalho, enérgica, mas mecânica, com perda sensível de certos valores mais delicados de ordem moral e espiritual, como poderá ir-nos levando gradualmente a nova integração em uma vida mais larga e mais geral, em que os valores de fraternidade e de cooperação sejam, dia a dia, mais eficazes e mais sentidos.

Não se pode encomendar a nova cultura de que precisamos. Ela terá que ir como resultado de uma consciência mais aguda e mais inspirada do curso, mesmo dos acontecimentos. E a universidade, especialmente, e, em rigor, tôda a educação, deverão esforçar-se por ajudar a trazer à luz o nôvo estado de espírito e a nova interpretação da vida, necessária para as novas condições, novas contingências e novos progressos.

À universidade cabe trazer a contribuição mais significativa para a elaboração dessa nova cultura. Responsável pelo saber existente e pelo seu progresso, no meio brasileiro, e refletindo todos os problemas da formação nacional, já pelo seu corpo discente, composto de candidatas a tôdas as vocações e profissões de nível superior do país, já pelos planos de estudos organizados para atender à variedade e multiplicidade, desconhecimentos indispensáveis à formação daqueles especialistas, a universidade, viva e dinâmica, pelos fins mesmo de sua missão intelectual e científica e pela projeção dêsses fins na formação dos quadros mais diversos das profissões, da ciência, se constituirá a própria consciência nacional, no que ela tem de mais agudo e mais sensível, cooperando, assim para a redireção da vida social, no sentido da formação democrática e moderna de cultura brasileira.

Até o presente momento, os êxitos no mundo material têm obscurecido os seus ainda pequenos êxitos no campo social e moral. Tudo nos leva, entretanto, a crer que o homem venha, na segunda metade, já em curso, dêste nosso século, a atingir a maturidade necessária para experimentar em sua vida social e emocional os métodos com que vem transformando a vida material, ou métodos de eficiência e alcance equivalentes. Esta será, provàvelmente, a grande tarefa universitária das próximas décadas.

Entre nós, no Brasil, contudo, muito temos ainda a fazer no campo material. As grandes e pequenas tecnologias de nossa época foram elaboradas em grande parte, para as regiões temperadas do glôbo e a civilização se vem implantando em um região tropical, para a qual faltam ainda inúmeros recursos tecnológicos. O saber no campo dêsses recursos e a sua utilização pelo homem na adaptação desta terra à vida saudável e próspera do brasileiro, abrem perspectivas enormes para a investigação e a experimentação dentro das grandes linhas, já conhecidas, do desenvolvimento científico moderno. Os períodos de expansão humana são marcados pelo desafio dos continentes vazios a ocupar e dos problemas que a vida em novas condições provoca e suscita. Temos, em nosso país, um modesto exemplo desse caso. Somos de extensão continental, com uma população ainda diminuta, que começa a despertar, concentrando-se em grandes cidades e se agitando ao longo de todo o país, à busca de novas condições de vida. São êstes os requisitos para os períodos criadores. A tarefa imediata de nossas universidades, irmãs mais jovens das grandes universidades do mundo, onde se irá processar o esperado progresso das ciências sociais e morais, é a do desenvolvimento científico e técnico, para alimentar a grande necessidade imediata de progresso material no Brasil contemporâneo.

| Artigos de Jornais ou Revistas | Entrevistas |