LIMA, Hermes. Filósofo e executivo da educação. Tribuna da Bahia. Caderno 3. Salvador, 3 abr. 1971.

FILÓSOFO E EXECUTIVO DA EDUCAÇÃO

Anísio Teixeira dedicou sua vida à educação. Ele tinha 24 anos quando o Governador Goes Calmon convidou-o para dirigir a instrução pública do Estado. Era mais um ato com que o Governador renova os quadros administrativos e políticos da Bahia.
A partir daí, a não ser no período do Estado Nôvo em que se dedicou com êxito a atividades privadas, Anísio só pensou em educação, só fêz educação.
Precisamente, distingue-se Anísio no panorama educacional brasileiro porque foi um filósofo e um executivo da educação. Sabia pensar e sabia fazer.
Jayme Junqueira Ayres dizia-me, na última vez que conversamos sôbre Anísio: nêle a cabeça está ligada ao braço. Pensa para entender e fazer.
Na base da concepção educacional de Anísio estava o povo. Daí o traço significativo por excelência de sua filosofia: dimensionar a educação em experiência cultural acessível a todos, como mostrou fundando em novas bases duas Universidades, a do antigo Distrito Federal e a de Brasília.
As reformas que empreendeu na Bahia, na Guanabara, os serviços que organizou ou fundou, a CAPES, órgão destinado a aperfeiçoar o nível universitário mediante concessão de bolsas, o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, os Centros Educacionais de que a maravilhosa Escola Parque Carneiro Ribeiro, numa área de população trabalhadora da capital baiana, o Pau Miudo, foi o primeiro exemplo, em tudo transparece, encarna-se a idéia de que a educação não é privilégio.
Por que então foi Anísio tão suspeitado, tão discriminado pela pecha de esquerdista e até de comunista, êle que jamais frequentou os arraiais doutrinários e partidários do marxismo e antes bebera em Dewey e Kilpatrik os rumos essenciais, fundamentais de seu pensamento?
Inicialmente, acusaram-no de querer americanizar a educação no Brasil. Êle vira nos Estados Unidos que a grandeza de um país repousa, antes de tudo, na educação do povo.
Mas educar o povo é abrir caminhos a mudanças. Porém, em sociedade como a brasileira, discriminatória pela longa prática da escravidão, facciosa pelos antagonismos da estrutura econômica, temia-se que a mobilização educacional liderada pela mentalidade aberta de Anísio fugisse ao controle das instituições dominantes tradicionalmente comprometidas com seu imobilismo e fortemente enlaçadas aos interêsses criados.
Então lutava-se para que a educação não escapasse das mãos fieis ao caráter intelectualista exclusivo da classe dominante, "dessa pequena classe privilegiada de graduados de nível superior, conforme escreveu Anísio, em sua maior parte embebidos de hedonismo e supostamente de saber". Ora, dessa situação nasce e se cristaliza uma sociedade, que se considera eleita pelo privilégio de seus dotes e riquezas e tende a considerar-se a sí mesma como sendo o país, a nação. O povo não conta na imagem dessa sociedade. Entretanto, na filosofia educacional de Anísio era o povo que contava.
A campanha de suspeitas e pressões sofridas por Anísio não teve outra motivação fundamental.
Era o educador do povo que se combatia, do educador que não compreendia progresso efetivo na educação sem um sistema eficiente de escolas primárias, sistema que, em suas próprias palavras, partindo de "uma escola primária organizada e séria com seis anos de estudos nas áreas urbanas e quatro na zona rural, destinada à formação básica comum do povo brasileiro" se prolongasse numa "escola média continuadora, em nível mais alto, do espírito de educação da escola primária, mais preparatória para a vida do que simplesmente propedêutica aos estudos superiores - organizada em torno de um currículo mais simples e verdadeiramente brasileiro, em que a língua nacional, a civilização nacional e a ciência sejam os verdadeiros instrumentos da cultura do aluno".
Alguma coisa de precioso e pioneiro êle consegue em governos que não se deixaram intimidar - Pedro Ernesto, Octávio Mangabeira, Juscelino Kubtschek. Pagou preço alto para servir êsse pensador, êsse filósofo e executivo da educação, êsse homem em tudo superior.
Realmente, Anísio era uma festa da inteligência, da lucidês, da compreensão. Há muitos anos passados, ouví de Medeiros e Albuquerque que jamais vira máquina mental tão poderosa e em caixa tão pequena, pois Anísio era baixo de estatura e franzino. Propenso a controversia, simples e jovial, de uma seriedade natural de espírito, iliminou-o o Dom da adolescência que ajuda o mundo a nascer de nôvo tôdas as manhãs. Era puro. Êle honrou a espécie humana.

HERMES LIMA

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