DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Lei de Diretrizes reclamada por estudantes e educadores. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 26 abr. 1959.

Lei de Diretrizes Reclamada Por Estudantes e Educadores

Chegaram ao auge as comemorações do XX aniversário da Faculdade Nacional de Filosofia, com a mesa-redonda realizada quinta-feira última, sôbre o projeto de lei de Diretrizes e Bases, com a presença de renomados educadores, autoridades e uma assistência que lotou inteiramente as dependências do salão nobre daquela escola. Na ocasião ficou patente o desejo geral de que o Congresso, ainda êste ano, dê ao país um plano nacional de educação, o que há cento e trinta anos é esperado, conforme as palavras do prof. Raul Bittencourt, participante da reunião na qualidade de relator.

HISTÓRICO

Em seu histórico, o prof. Raul Bittencourt abordou o problema educacional brasileiro com um retrospecto a partir da época colonial, até o momento atual, em que mais do que nunca se faz necessária uma lei de diretrizes e bases, que deve ser compreendida como plano nacional de educação e que deverá dar um caráter de unidade ao ensino sem prejuízo para a sua autonomia, garantindo-o livre de preconceitos, concepções dogmáticas e interêsses particulares.

Ainda no tempo do império foram inconseqüentes as tentativas de dar ao país uma lei geral de educação. Depois de tecer considerações sôbre o Plano Nacional de Educação de 1937, referiu-se o prof. Raul Bittencourt ao projeto de lei de Diretrizes e Bases elaborado em 1948, em atendimento à Constituição de 1946, de cuja atualização agora se trata, uma vez que, nesse sentido, vários projetos transitam na Câmara dos Deputados.

Apesar da pressão atualmente exercida pela opinião pública, favorável a aprovação de uma lei de Diretrizes e Bases, serão grandes os obstáculos oferecidos ao andamento daquele projeto, por estarmos em vésperas de eleições presidenciais, as quais absorvem tôdas as atenções. Entretanto, há que vencer tais dificuldades ou esperar ainda não se sabe quanto tempo pela lei de Diretrizes e Bases. A propósito, o relator encaminhou à Câmara um apêlo, através do deputado Rui Ramos, presente aos debates.

A OPINIÃO DE ANÍSIO TEIXEIRA

Iniciando a discussão, usou da palavra o educador Anísio Teixeira, que ressaltou o fato de vigorar no Brasil uma constituição não escrita, sendo que, a escrita não é obedecida, como no caso da lei de Diretrizes e Bases, que até hoje não foi votada, apesar de ser exigência constitucional.

Passando a analisar os princípios que definem uma lei de Diretrizes e Bases, disse que esta não visa pròpriamente solucionar de uma vez por tôdas o problema educacional brasileiro, mas abrir caminho para que seja encontrada, na medida do possível, essa solução, libertando o sistema educacional brasileiro de sua artificialidade e da "camisa de fôrça" que impede seu desenvolvimento, de acôrdo com as novas exigências sociais e as da pedagogia moderna.

Deteve-se o prof. Anísio Teixeira na análise do regime democrático, em que o Estado, sendo representante do povo, em que os governos, exercendo suas funções por concessão do povo, jamais poderá ser encarado como inimigo dêsse povo, salvo por pessoas empenhadas em estabelecer a confusão em defesa de interêsses individuais, ou prêsas a anacronismos, como a tese de que a escola é um prosseguimento da família, e a da liberdade do ensino identificada com a defesa das escolas particulares de ensino confissional. Num regime democrático, por definição a escola pública e a escola livre por excelência. No Brasil, sobremodo, a escola primária tem sido um grande centro, senão o maior, onde se preserva a liberdade e a mais total ausência de preconceitos raciais, religiosos ou políticos.

Defendeu ainda, êsse educador, o projeto de lei de Diretrizes e Bases, pela oportunidade que trará de vermos o fim de uma situação educacional existente desde o tempo do Brasil colonial, a qual classificou de "ficção", causada pela dissociação entre legislação e realidade.

OPOSIÇÃO AO SUBSTITUTIVO LACERDA

De um modo geral, os debatedores, e o próprio relator, manifestaram seu apoio ao substitutivo da Comissão de Educação da Câmara, de atualização do projeto de Diretrizes e Bases de 1948, condenando o projeto de mesma finalidade apresentado pelo deputado Carlos Lacerda.

O prof. Jaime Abreu analisando particularmente diversos artigos do projeto Lacerda, considerou uma investida do privatismo nacional que se opõe ao Estado na medida em que êste não lhe defende os privilégios de classe. Acentuou, como absurdo, o financiamento das escolas particulares pelo govêrno, defendido nesse substitutivo, bem como o seu artigo 10, que diz: "Compete ao Estado fundar e manter, em caráter supletivo, escolas oficiais quando e onde o ensino particular não puder atender, plenamente a população escolar."

A seguir, o prof. Darcy Ribeiro, corroborando a opinião de seus pares, procedeu, com veemência, a condenação do projeto do deputado Carlos Lacerda, taxando-o de agressão injustificada à escola pública, retrógrado e por isso mesmo que seria uma calamidade sua aprovação pelo Legislativo. Por trás da defesa dos direitos da família em material educacional e da oposição ao ensino público, a verdadeira disputa se dá em tôrno das dotações orçamentárias. Por tudo isso conclamou estudantes, educadores e políticos, à realização de um movimento no sentido do esclarecimento da consciência nacional sôbre a encruzilhada em que nos encontramos. Devemos escolher qual a escola mais capaz de atender à nação brasileira: se a pública, verdadeiramente livre e sem preconceitos, ou se a particular confissional.

ENCERRAMENTO DA SESSÃO

Antes do encerramento da sessão, o ministro da Educação abriu ao público a participação no debate, tendo sido endereçadas à mesa algumas questões e pedidos de esclarecimentos.

Manifestando seu acôrdo com várias teses ali defendidas, especialmente no que diz respeito a urgente aprovação de uma lei de Diretrizes e Bases, o ministro da Educação terminou dando explicações sôbre as várias dificuldades que encontra no exercício de suas funções por motivo da precariedade da atual legislação de ensino.

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