FOLHA DA MANHÃ. Ensino e magistério. Imperialismo e nacionalismo: os temas predominantes do conclave universitário. Folha da Manhã. São Paulo, 3 maio 1958.

Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas - Arquivo Anísio Teixeira -ATj61

ENSINO E MAGISTÉRIO

IMPERIALISMO E NACIONALISMO: OS TEMAS PREDOMINANTES DO CONCLAVE UNIVERSITARIO

Instalado o XI Congresso Estadual dos Estudantes - Discurso do ex-embaixador Osvaldo Aranha - Os trabalhos programados para hoje

Com a presença de numerosos universitários, líderes estudantis e operários, e do chanceler Osvaldo Aranha - convidado especial dos academicos paulistas -, instalou-se quarta-feira ultima, às 22 horas, no auditório da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o XI Congresso Estadual dos Estudantes. Os oradores que se fizeram ouvir na sessão solene do conclave ressaltaram, em discurso, a necessidade de se conseguir a união dos universitários, de se realizar uma ampla campanha nacionalista. O sr. Osvaldo Aranha concitou os estudantes a lutarem em prol da criação de um espírito universitário coeso, a fim de lograrem êxito os movimentos que iniciarem.

OS TRABALHOS

Aberta a sessão pelo academico João Eduardo Correia Junior, presidente da U.E.E., que entregou a presidencia dos trabalhos ao sr. Salvador Romano Lossaco, presidente do Pacto de Unidade Intersindical, foi dada a palavra ao universitario Marco Antonio Mastrobono, presidente do Diretorio Central dos Estudantes da Universidade de São Paulo. Este afirmou que o nosso sistema de ensino carece de lei organica, a fim de que o povo possa contar com uma elite que dê direção certa e segura para o povo e para o país, e que isto só será possível com a aprovação da Lei de Bases e Diretrizes da Educação Nacional. Referiu-se ainda às falhas existentes no setor da educação, ao recente movimento grevista desencadeado no país, movimento que revelou - disse - a unidade da classe academica e a necessidade de se fazer uma revisão no campo da educação.

A seguir falaram os academicos Guilherme Osvaldo Vasconcelos, Vicente de Azevedo e Gutemberg Amazonas.

<<NACIONALISMO VERMELHO>>

O academico Idebal Piveta, vice-presidente da União Nacional dos Estudantes, falou depois, reportando-se ao flagelo das secas que atinge o Nordeste, <<onde a criança não tem o leite de que necessita, as mães pedem abrigo e os pais trabalho, inutilmente>>. Frisou que o Nordeste precisa ter uma situação melhor e que a impressão que se tem de nosso país - como dizia Lobato - é a de um imenso charco com sessenta milhões de rãs a coaxar. Defendeu, por ultimo, a necessidade de lutarem os estudantes pelo nacionalismo, <<nacionalismo de Frondizi, nacionalismo vermelho, porque vermelho é a cor do coração>>.

O estudante Mario Teixeira de Freitas Filho falou em nome das escolas livres de São Paulo. Salientou a necessidade de se conseguir a união da classe e o desarmamento de espíritos, colocando-se acima dos interesses de grupo os da classe universitaria. Falaram ainda os universitarios Felipe Pugliese, representante do Centro Acadêmico 22 de Agosto; e Antonio Biteli, em nome das escolas do interior.

A seguir, usou a palavra o academico Rafael Valentim Sobrinho, representante do III Congresso Nacional dos Estudantes, que também falou sobre nacionalismo, imperialismo, etc.

Outro orador foi o vereador Milton Marcondes, que representou a Câmara Municipal e o Sindicato dos Bancários de São Paulo, entidade que preside.

ESPÍRITO UNIVERSITARIO

O ex-embaixador Osvaldo Aranha em sua oração, disse:

<<O vosso movimento só pode ser vitorioso se antes criardes o espírito universitário, unidade de espírito, solidariedade, certa comunidade de opinião, que o país exige da mocidade de hoje, para permitir a comunhão do pensamento e ação dos brasileiros. Essa é a maneira de o Brasil contar amanhã com o movimento verdadeiramente nacional.>> Se o espírito se criar - ainda não está criado - podeis construir os pontos de ligação necessarios para o exito dos movimentos que vierem a ser esboçados.

Reportando-se ao imperialismo tão focalizado pelos oradores que o precederam, o chanceler Osvaldo Aranha frisou que o pior imperialismo é o do próprio homem nas competições pessoais, particulares, que impedem que o Brasil e o povo tenham consciencia de sua posição.

Após se referir ao progresso do mundo atual, com conquistas em todos os setores da atividade humana, e dizer que as forças da inteligência, quando bem empregadas, valem mais que bombas atomicas, o orador frisou que devemos congregar todos os esforços e recursos a fim de educar a nossa e as novas gerações com os ditames da nova ciencia, da nova realidade, para capacitar-nos em bem dirigir para a conquista de fins humanos e brasileiros. Acentuou que isso pode ser conseguido através da educação, das escolas e universidades. Frisou que estamos em atraso em relação às novas descobertas, novas formulas e tecnicas e que isto é responsavel pelas atribuições e até conflitos que nos atingem e que impõem uma concepção nova de vida para a nossa sobrevivencia. Impõe-se o dever de educar e educar para o futuro e o papel de São Paulo é marcante, pois se fracassar, fracassará tambem o Brasil.

A seguir, o sr. Salvador Romano Lossaco encerrou os trabalhos, reafirmando o apoio dos trabalhadores à causa dos estudantes e pedindo a colaboração destes para a concentração trabalhista do dia seguinte.

OS TRABALHOS DE HOJE

Os trabalhos normais do Congresso Estadual dos Estudantes iniciaram-se praticamente anteontem às 14 horas, com a reunião das diversas comissões constituidas na sessão preparatoria. Por volta das 22 horas, iniciou a discussão e votação do Regimento Interno, prolongando-se os trabalhos até altas horas da madrugada. A discussão do projeto desse regimento, com cerca de 54 artigos que estipulam as atribuições da mesa diretora, dos congressistas, das comissões, das sessões e que regulam a discussão e a eleição da diretoria, alem de outra de carater geral, monopolizaram quasi que totalmente a atenção do plenario, chegando algumas vezes a ocasionar disputas acirradas entre as diversas bancadas, o que exigiu não raras vezes a votação nominal, para se aprovar determinado artigo ou emenda. Por essas razões, a sessão teve que ser prolongada por varias vezes, a fim de possibilitar o exame de toda materia em pauta.

Paralelamente aos trabalhos que vinham sendo desenvolvidos em plenario, boa parte dos universitarios, postados nas imediações do auditorio da Faculdade de Medicina da U.S.P., passaram a noite e toda a madrugada alheios à materia em discussão, preocupados em fazer acordos com os lideres das diversas bancadas, com vistas às eleições para a renovação da diretoria da U.E.E. A discussão e votação do regimento interno foram retardadas em parte devido a esse fato, uma vez que grande numero de universitarios entrava e saia initerruptamente do recinto da reunião, no constante movimento de sondagens, tomadas de posição e acertos para a renovação da direção da entidade <<mater>> dos universitarios paulistas.

Ontem, pela manhã, realizou-se nova reunião das comissões e à tarde discussão e votação do relatório da Comissão de Credenciais e continuação da discussão e votação do item I do temario, que compreende problemas específicos da Universidade, tais como: catedra vitalicia, autonomia universitaria, distribuição de estudantes estrangeiros e convenios, representação nos Conselhos Técnico-Administrativos e Congregações e transferencias. À hora em que encerravamos esta sessão, prosseguiam os trabalhos, que prometiam prolongar-se até altas horas.

Hoje, à tarde, deverá realizar-se nova reunião das comissões, e, à noite, a discussão e votação do item II do temário, que compreende problemas revindicatorios dos universitarios, tais como: restaurante e policlínica estudantis, bolsas de estudos, alojamento e casa de estudante, problema do livro importado e união das entidades estudantis e a U.E.E..

(…)

Entidades de classe do magisterio apóiam o prof. Anísio Teixeira

Segundo apurou a reportagem, as entidades de classe do magisterio estão elaborando um manifesto de solidariedade ao prof. Anísio Teixeira, que será enviado àquele educador tão logo dêem resposta todas as entidades consultadas sobre a materia. Até o presente, já assinaram aquele documento o Centro do Professorado Paulista, Associação dos Professores do Ensino Secundário e Normal oficial do Estado de São Paulo, União dos Diretores do Ensino Médio Oficial, União dos Professores Primários, Associação dos Professores de Educação Física, Associação dos Técnicos de Educação e Associação dos Ex-Alunos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.

O MANIFESTO

É o seguinte o teor do manifesto a ser enviado ao diretor do INEP:

"As associações de classe do magistério paulista, considerando que está ocorrendo mal-entendido com a atuação e as idéias do prof. Anísio Teixeira, diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, oferecem sua publica solidariedade àquele renomado educador, na medida em que, defendendo a difusão e o aprimoramento da rede escolar do ensino oficial no país, se mantem fiel ao preceito constitucional e ao princípio democrático de continuar a ser o ensino entre nós livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulam."

SOLIDÁRIOS COM O DIRETOR DO INEP PROFESSORES DA ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO

Por seu turno, professores da Escola de Sociologia e Política de São Paulo acabaram de enviar ao prof. Anísio Teixeira, diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, um memorial de solidariedade e apoio a sua obra educacional, rebatendo, assim, as acusações recentemente feitas àquele educador pelos bispos do Rio Grande do Sul.

O MEMORIAL

É a seguinte a integra do memorial enviado ao prof. Anísio Teixeira:

"Os professores da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, abaixo assinados, têm a honra de juntar sua voz à dos muitos educadores, cientistas e instituições de nossa terra, que vêm de hipotecar solidariedade e apoio à magnifica obra educacional de v. exa. à frente do Instituto Nacional de Estudos Pedagogicos e da Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior.

"Como educadores, acompanhamos de perto o incansavel esforço com que v. exa., dentro de sabia e patriotica orientação, vem se dedicando à melhoria dos níveis de ensino e de pesquisa no Brasil. Com clarividencia e destemor, v. exa. tem contribuido grandemente para dar direção e sentido ao desenvolvimento de nosso sistema de ensino primario. Sem prejuizo desta formidavel tarefa, que por si só consagraria o nome de qualquer educador, v. exa. vem se dedicando, com idealismo e visão de nossas necessidades, ao aperfeiçoamento de nosso ensino superior e à formação das novas gerações de cientistas, tão necessarias ao progresso de nossa patria.

"Se, como educadores, admiramos e respeitamos a notável obra que v. exa. vem realizando, como brasileiros e patriotas sentimo-nos felizes e gratos por termos patricios da alta estirpe de v. exa. Exortamo-lo, portanto, a continuar os seus ingentes e proficuos trabalhos. Não lhe faltarão, nem agora, nem no futuro, a compreensão e a solidariedade dos cientistas, dos educadores e dos homens de boa vontade de nossa patria. - Otávio da Costa Eduardo, Cicero Cristiano de Sousa, Fernando Altenfelder da Silva, Hebert Baldus, Otavio Luís de Barros Sales, Jamil Munhoz Bailão, Candido Procopio Ferreira de Camargo, Og Francisco Leme, Odilon Nogueira de Matos, Oscar Resende de Lima, Orestes Gonçalves, Inacio Takeda, Edgar Cruz."

| Artigos de Jornais ou Revistas | Entrevistas |