TEIXEIRA, Anísio. Educação popular versus educação de elite. Diário de Notícias. Salvador, 10 out. 1958.

EDUCAÇÃO E ENSINO

– Ciência e Prática –

(Opiniões e Informações)

Educação popular versus educação de "elite"

Anísio Teixeira

Com a emancipação e a integração do povo brasileiro que, afinal, vieram a processar-se, nos últimos vinte e cinco anos, deparamo-nos com um sistema escolar de todo inadequado para lidar com o verdadeiro problema educativo do Brasil.

O nosso sistema arcaico de educação, destinado ao preparo das nossas diminutas classes de lazer e de mando, mando muito mais decorrente do "prestígio" social dessas classes do que de sua competência, e por isto mesmo, fácil de ser exercido, podia ser puramente "decorativo" e, ainda assim, atingir os seus objetivos.

Já agora, porém, não lhe basta isto. É o povo brasileiro que tem êle de educar. Êste povo não pode "viver" do "prestígio", que lhe dê haver alisado os bancos escolares, mesmo porque "prestígio" se goza "contra" alguém ou á custa de alguém e já não há êsse "alguém" contra o qual se possa exercê-lo.

O primeiro movimento do povo brasileiro está sendo o de "conquista" dessa educação decorativa, antes destinada á elite. A chamada expansão educacional brasileira nada mais é do que a generalização para todos da educação da elite. Como os todos, que a estão buscando, não podem ter padrões mais lúcidos do que os da própria elite, êles ainda a aceitam mais decorativa, mais simulada do que a própria elite.

O ensino primário nos confirma, pela sua perda crescente de prestígio social, a falta de interêsse pela educação comum e a preferência pelo ensino seletivo. Mas o ensino médio e o superior, de sua própria natureza seletivos, é que nos revelam o grau de exacerbação a que chega a nossa busca de "prestígio" e não eficiência pela educação.

A expansão dêsses dois níveis de ensino é absolutamente incoercível. Existem 2.363 escolas de nível médio, sendo que 1.887 mantêm o curso secundário, 628, o comercial, 873, o normal, 86, os cursos industriais e 17, o curso agrícola. A matrícula geral é de 780.639, sendo 579.781 no secundário, 114.000 no comercial, 67.000 no normal, 19.000 no industrial e 1.200 no agrícola. Na primeira série, encontram-se 180.000 no secundário, 24.000 no comercial, 24.000 no normal e 6.200 no industrial, ao todo 234.000, número equivalente aos dos que terminam o curso primário.

Tôdas as cifras são reveladoras da "preferência" manifesta pelo tipo de educação verbal, decorativa, destinada a permitir a vida que não seja a do comum do brasileiro e sobretudo em que não haja esfôrço manual. Os cursos industriais lá estão com menos de 3% da matrícula geral, o agrícola com 1% e o comercial com pouco mais de 3%. O que todos procuram é o curso secundário acadêmico, preparatório do ensino superior.

A energia improvisadora posta a serviço dessa expansão do ensino propedêutico ao superior pode ser verificada na constituição do seu magistério. Apenas 16% dos seus professôres são licenciados das escolas de filosofia, embora estas tenham já mais de 20 anos de existência. As demais escolas superiores forneceram 24% do corpo docente. Com diplomas de escolas médias – metade normalista – há 41% dos professôres. Os restantes 19% não têm diploma algum. O professorado do ensino médio já atinge a mais de 47.000 docentes, número superior em quase o dobro ao de qualquer outra profissão liberal tomada isoladamente.

Tal expansão – como audácia educacional – só é superada pela do ensino superior, onde estamos hoje com 73.000 alunos e 12.672 professôres, quando tínhamos em 1929 apenas 13.320 alunos e 2.116 professôres.

O sistema de ensino primário sòmente existe para abastecer os alunos êsses dois sistemas seletivos, em que estamos a formar um quadro de nível superior muito acima não de nossas necessidades mas da nossa capacidade de pagá-lo. Porque, tais quadros só se devem expandir legitimamente, quando a produtividade individual da nação chega a tal ponto, que os quadros de serviços se fazem maiores do que os da produção propriamente dita.

Na América do Norte, para um quadro de 13 milhões de operários, há quadros de serviços da ordem de 50 milhões. Mas isto, porque o operário chegou a uma produtividade que se mede pelo salário mínimo de dólar e meio por hora.

Entre nós, porém, com o operário mais ou menos bisonho, pois somente continua operário quem não consegue "educar-se". Onde iremos buscar recursos para pagar aos todos que, "educados", apenas se poderão dedicar aos "serviços" intermediários da civilização?

Se a isto acrescentarmos que a educação ministrada por essa inflação de escolas não tem qualquer grau de eficiência, veremos que associar essa educação com a educação para os "serviços" de uma civilização, é apenas força de expressão. Na realidade, a educação como se vem fazendo, entre nós, dá direitos, graças ao diploma oficial, mas não prepara nem habilita para cousa alguma. O diplomando é um candidato á pensão do Estado ou dos particulares. Alguns se farão, depois profissionais, por tirocínio e prática, não pela escola, salvo as exceções conhecidas das grandes escolas de medicina, engenharia e direito.

(Do Boletim da CAPES)

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