NUNES, Jorge Moreira. Educação não é privilégio. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 6 out. 1957.

BIBLIOGRAFIA - Jorge Moreira Nunes Assis Brasil

EDUCAÇÃO NÃO É

PRIVILÉGIO

ANÍSIO TEIXEIRA -

Livraria José Olympio Editôra, 1957, 146 páginas.

Deve ser particularmente melancólico, para um homem inteiramente dedicado aos problemas da cultura e do ensino, que tem feito de sua vida uma incessante batalha para trazer à sua pátria os benefícios da moderna sistemática pedagógica, o fato de serem recebidas, infalìvelmente, com manifestações de incompreensão, quando não desonesta e deliberada hostilidade, suas contribuições para o aperfeiçoamento da nossa máquina de educar.

É o caso do Prof. Anísio Teixeira, um dos nossos mais eminentes técnicos em educação, que vem, há anos, lutando tenazmente contra os corifeus do ensino, batendo-se por uma reforma que integre o Brasil na realidade da época em que vivemos, pelo melhor preparo técnico-cultural da infância e da juventude.

Alinha-se o Prof. Anísio Teixeira na corrente dos educadores que seguem os ensinamentos de John Dewey, o reformador norte-americano. Dewey é um nome que provoca arrepios de furor na epiderme de alguns cavalheiros sinecuristas, instalados na comodidade de suas cátedras. Acontece que suas idéias foram adotadas em vários países, e com os melhores resultados; entre êsses países, porém, figurou a União Soviética; e isso basta para fornecer pretexto para as cerradas e absurdas críticas desencadeadas contra Dewey e seu representante intelectual no Brasil, o Prof. Anísio Teixeira.

Uma vez que a filosofia educacional de Dewey foi há tempos adotada na Rússia (raciocinam êsses argutos cavalheiros) só pode ser comunista. E seu autor, nesse caso, não passou de perigoso e sutilíssimo agitador, cujas teorias nada mais representam senão uma tentativa de solapamento dos alicerces da civilização ocidental, pela derrubada dos valores morais em que assenta essa mesma civilização. Portanto, fogo sôbre Dewey e seus seguidores. É a lógica da estupidez, que também a possui.

Isto vem a propósito de um "anexo" existente neste volume - "Educação não é privilégio" - onde o Prof. Anísio Teixeira reuniu duas conferências por êle pronunciadas em Ribeirão Preto, durante a realização do Primeiro Congresso Estadual de Educação, em setembro de 1956. Na primeira conferência, desenvolve o autor o tema contido no título do volume. Mostra como é errado o sistema de ensino nacional, todo êle baseado, ainda, no antigo e antidemocrático objetivo de educar para a formação de uma elite privilegiada, destinada a ocupar as posições de maior destaque social. Aponta a urgente necessidade de ser abolido êsse sistema, em função de outro mais democrático, mais dinâmico, mais objetivo, destinado "à formação comum do homem e à sua posterior especialização para os diferentes quadros de ocupações, em uma sociedade moderna e democrática". E prova, com números extraídos de estatísticas oficiais, a completa falência do nosso organismo educacional, que já nem mais atinge suas antigas finalidades. Na segunda conferência, estuda o A. a organização do ensino primário, mostrando a evolução do seu conceito, através dos anos, até situar-se naquilo que hoje deve ser - o instrumento do "movimento de emancipação popular pela educação" e de "formação básica do brasileiro para sua grande aventura social de construção do Brasil".

No "anexo" a que nos referimos, o Conselho Diretor da Associação Brasileira de Educação examina as críticas feitas no Congresso de Ribeirão Preto, com reprodução, mais tarde, na Câmara dos Deputados, à orientação seguida e pregada pelo Prof. Anísio Teixeira, que é membro do mesmo Conselho e diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos. Cifraram-se essas críticas lamentáveis, principalmente, à conferência sôbre a escola pública, universal e gratuita, "na qual o autor sustenta a tese que, no século passado, Horace Mann tornou vencedora nos Estados Unidos e Sarmiento na Argentina, e foi esposada por outros notáveis estadistas na América e na Europa. Para todos êles, avessos a reformas sociais por meio da violência, a escola pública, comum a todos, seria o instrumento mais adequado à promoção dessas reformas". (As citações são extraídas do "anexo".)

Contra essa tese, velha e consagrada, ergueram-se as vozes da estupidez, inclusive na Câmara dos Deputados, onde o Sr. Fonseca da Silva (certamente um renomado legislador) afirmou que "o Professor Anísio Teixeira é um autêntico intelectual marxista, visto que sua adesão à linha marxista de educação foi enunciada na famosa conferência lida no corrente ano em congresso de educação realizado em Ribeirão Preto".

Aí está. Parece que não se pode pensar, no Brasil, ter idéias, desenvolvê-las e defendê-las, com a lógica dos argumentos e a prova dos fatos, sem ser marxista. O parecer, assinado pelos quinze membros do Conselho Diretor da A. B. E., analisa e refuta essas tolas acusações, talvez mais desonestas do que tolas, assacadas contra uma linha de orientação que não é só do Prof. Anísio Teixeira, mas de todos os educadores esclarecidos que desejam integrar o Brasil na realidade do nosso tempo. Vale a pena transcrever suas conclusões, que encerram a resposta dos quinze educadores à mesquinha e ridícula exploração política feita pelos interessados na manutenção de nossa antiracional estrutura pedagógica, na fúria com que se opõem à renovação. São os seguintes:

1º - A conferência pronunciada em setembro pelo Prof. Anísio Teixeira encerra um apêlo ao magistério paulista, que precisa ser ouvido em todo o País, a fim de que o nosso ensino primário público tenha o desenvolvimento e o aperfeiçoamento de que tanto carece. Nada há nesta conferência que seja incompatível com os ideais de há muito esposados nas democracias ocidentais.

2º - Os princípios educacionais e os métodos gerais dêles decorrentes, defendidos pelo Prof. John Dewey e por seus discípulos, exerceram uma influência renovadora nos centros pedagógicos de todo o mundo civilizado. Não existe nenhuma relação de dependência lógica entre êsses princípios e métodos, de um lado, e a doutrina de determinismo econômico, de outro".

Bem, já avançamos demais, e já citamos também demais. Só nos resta, em nossa modesta função de simples comentarista, aconselhar a leitura destas conferências a todos que se interessem pelo problema do ensino em nosso País - talvez o mais importante dentre todos que nos assoberbam, pois dêle decorrem certamente todos os outros. Deviam lê-las, inclusive, os pais que se preocupam com o futuro de seus filhos, na época de transição sem orientação em que vivemos. Pois são êles, na verdade, os principais interessados na vitória da corrente dos idealistas reformadores que têm, como expoente, êsse genuíno educador democrata que é o Prof. Anísio Teixeira.

J. M. N.

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