TEIXEIRA, Anísio. Inquérito sobre Diretrizes e Bases: educadores falam sobre a nova lei. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 13 maio 1962.

Inquérito Sôbre Diretrizes e Bases:

Educadores Falam Sôbre a Nova Lei

ROSSEGUINDO na série de inquéritos sôbre temas nacionais, <<Comentário>> apresentou cinco depoimentos a respeito da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional recentemente sancionada. Os quesitos do inquérito foram os seguintes:

1. Até que ponto a Lei de Diretrizes e Bases poderá contribuir para a eliminação do subdesenvolvimento brasileiro?

2. Esta lei levará o Brasil a atingir a chamada meta da educação?

3. Afirmará ela o papel da educação como instrumento para o fortalecimento da democracia?

RESPOSTA DO PROFESSOR ANÍSIO TEIXEIRA

Anísio Teixeira, uma das maiores autoridades brasileiras em educação, é diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos e secretário-geral da Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Foi secretário da Educação e Cultura, do govêrno da Bahia, reitor da antiga Universidade do Distrito Federal e conselheiro do Departamento de Educação da UNESCO. Possui várias obras publicadas sôbre Educação. Colaborou no primeiro número de <<Comentário>>, (Jan. 1960).

É ponto pacífico, em nosso tempo, admitir-se que o desenvolvimento de uma nação pode ser promovido e até planejado. E começa sèriamente a ser admitido que a educação é um fator primordial para êsse desenvolvimento.

Até antes da segunda guerra mundial, considerava-se que o desenvolvimento era um acidente histórico e a educação uma conseqüência da riqueza. Embora nenhuma nação rica deixasse de possuir sistema mais ou menos adequado à sua riqueza, admitia-se tal situação como subproduto mais ou menos automático da própria riqueza.

Foi necessária a destruição pela guerra da riqueza de algumas nações da Europa, e do Japão, e a rápida recuperação econômica após a guerra destas mesmas nações, para revelar que a educação podia constituir-se fator essencial - e não apenas conseqüência - do desenvolvimento.

No mundo chamado livre - ou seja, no compulsòriamente planejado - a demonstração ocorreu com países já educados e devastados pela guerra. O desafio às nações pobres é o de saber se elas podem organizar a educação antes de ser ricas, ou, pelo menos, simultâneamente com o processo de enriquecimento.

Para responder a êste desafio, há duas dificuldades. Primeiro, a das prioridades no uso dos recursos escassos das nações pobres. Conseguirão elas o consenso de suas populações ou, melhor, de suas elites, para dar à educação prioridade no uso daqueles recursos, pelo menos igual à que se dá à industrialização? Até agora, salvo o caso especialíssimo e único de Israel, não me parece que o tenham conseguido no volume e na proporção adequada. Há, contudo, esforços em marcha e o trabalho de persuasão para isto começa a ser apreciável.

A segunda dificuldade é igualmente grande e, de certo modo, explica as resistências para que a primeira seja removida. No processo de desenvolvimento acidental das nações, a educação, como processo conseqüente, é dominantemente uma educação para o consumo da riqueza adquirida, ou em vias de aquisição. Educam-se os indivíduos para participar da riqueza em expansão e, secundàriamente, para ajudar e consolidar a expansão. A escola passa a desenvolver-se, às vêzes com aceleração considerável, para atender às pressões de mudança de status social, que a riqueza provoca e causa, a fim de que maior número de pessoas fique em condições de consumi-la. Êste tipo de educação, que o desenvolvimento acidental promove embora não seja primàriamente destinado a preparar o produtor, concorre indiretamente para facilitar o preparo do produtor, quando ministrada com eficiência.

Ora, sucede, nas nações pobres, que mesmo êsse tipo de educação para o consumo, ordinàriamente mais econômico do que o processo de educação para produção, não chega a poder ser dado com eficiência e, dêste modo, nem secundàriamente ajuda o aumento de produtividade.

Tal fato, embora raramente formulado, está na base de tôda a descrença generalizada de economistas e homens práticos na eficácia da escola para o processo de desenvolvimento. E daí, a resistência à distribuição dos recursos necessários para a aceleração do processo educativo.

A segunda dificuldade, que, resolvida, removeria essa resistência, é pois a da modificação estrutural do processo educativo, para criar-se uma escola capaz de introduzir as novas técnicas de produção requeridas pelo desenvolvimento em ser e não, apenas, habilitar o indivíduo a delas aproveitar-se para fruição e gôzo mais ou menos inteligente. Tal modificação de estrutura educacional não é fácil, importando em escolas muito mais caras em instalações, equipamento e tempo letivo e, sobretudo, servidas por um nôvo professor, cujo preparo, para se fazer aceleradamente, exigiria esforços de todo em todo equivalentes ao do preparo dos quadros de um exército moderno, ante uma guerra em curso.

A segunda dificuldade é, assim, talvez, maior que a primeira. Decorre daí estarem as nações subdesenvolvidas apenas em processo de expansão, mais ou menos desordenada, dos seus velhos sistemas educativos, ante as pressões sociais montantes e decorrentes das novas expectativas geradas pelo estado de fé generalizado na viabilidade do desenvolvimento.

Para corrigir os possíveis - e ao meu ver óbvios - perigos dessa expansão de escolas com objetivos inadequados à fase de produtividade em que temos de entrar para atender ao processo do enriquecimento, dois remédios melhor diria, duas esperanças se acalentam: o do aperfeiçoamento progressivo das escolas, para que sejam, pelo menos, boas escolas do tipo de educação para o consumo (dêste modo, podendo concorrer para o preparo de certas condições básicas da produção) e o da intensificação do preparo de certos quadros técnicos médios e superiores.

Não cabe aqui a análise dêstes dois possíveis remédios à nossa expansão tumultuária de escolas. Mas é neles que estamos, de certo modo, engajados. E é neste sentido que a nova Lei de Diretrizes e Bases poderá trazer o seu concurso. Com efeito, a descentralização, embora tímida, que estabelece a lei, poderá concorrer para o que chamaria a verdade educativa e, dêste modo, reduzir o grau de formalismo com que vínhamos facilitando a tendência à simulação da educação de tipo ilustrativo, que é, dominantemente a educação para o consumo. É devido à facilidade de simulação dêsse tipo de educação que conseguimos aceitar sem maior protesto certas modalidades de nossa expansão educacional.

Por outro lado, a variedade e flexibilidade modestamente preconizada pela lei para os currículos do ensino médio e a relativa liberdade do ensino superior poderão dar ensejo a experiências salutares no ensino médio e no superior, hoje, caracterìsticamente, chamado de terceiro nível pela UNESCO, para melhor indicar a extrema diversidade da educação que pode ministrar.

Estamos longe assim de poder dar respostas de sim e não às suas perguntas. A Lei é um passo, sem dúvida, no longo processo de persuasão coletiva em que está a nação engolfada para achar os seus caminhos, fazer as suas opções e aceitar os sacrifícios, que terá de fazer, para dirigir e coordenar, em paz o desenvolvimento econômico a que já demos início.

RESPOSTA DO PROFESSOR CLÓVIS SALGADO

Clóvis Salgado, foi vice-governador e depois governador de Minas Gerais. Nêsse período (1950-1955) criou, naquele Estado, o Departamento de Cultura, fêz elaborar o nôvo Código de Ensino Primário e organizou novos Colégios Estaduais e Cursos de 2º Ciclo nas Escolas Normais Oficiais. É autor de vários trabalhos sôbre medicina. Foi fundador e presidente da Cultura Artística de Minas Gerais e ainda fundador da Universidade Mineira de Arte. No Govêrno do sr. Juscelino Kubitschek, foi ministro da Educação e Cultura.

1. Educação adequada, em quantidade e qualidade, representa um dos fatôres essenciais à promoção de uma economia sólida e próspera.

Tal fator é notòriamente falho no Brasil, por dois motivos principais: deficiência de recursos e má qualidade do ensino. A ambos a nova lei procura dar remédio. Quanto a recursos, mandou consignar 12% da renda tributária da União à manutenção e desenvolvimento do ensino, ou seja, mais 2% do que preceituava a Constituição. Além disso, distribui-os em três Fundos iguais, para os três níveis de ensino, de modo a garantir-lhes desenvolvimento harmonioso. Quanto à melhoria do ensino, essa virá pelas mãos dos educadores e das Universidades, hoje senhores de uma grande parcela de iniciativa e autonomia. Os diversos cursos superiores poderão ser anualmente revistos e diversificados, bastando para isso a aprovação do Conselho Federal de Educação, órgão técnico de ação pronta. As portas estão, pois, abertas para a formação dos técnicos e cientistas há muito reclamados pela nossa vigorosa expansão industrial.

2. Para uma nação democrática como o Brasil, só pode haver uma meta educacional: é oferecer escola a todos os seus filhos, para que tenham iguais oportunidades de ascensão social. A nova lei, ampliando substancialmente os recursos destinados à rêde escolar, facilitará sua rápida expansão, de modo a preencher o grande deficit atual. Já calculei, a bico de lápis, que as novas dotações orçamentárias, consignadas no ensino primário, permitirão construir, em cinco anos, todo o espaço escolar de que precisamos para oferecer matrícula gratuita a tôdas as crianças brasileiras. Outro tanto ocorre nos domínios do ensino médio, cuja gratuidade é reclamada por um clamor cada vez maior. Escolhido um veículo mais econômico, tal como o da Campanha Nacional de Educandários Gratuitos, será possível, dentro em breve, abrir ginásios e colégios por tôda a parte.

3. Sem dúvida, a lei em aprêço afirmará o papel da educação como instrumento para fortalecimento da democracia e de várias maneiras. Primeiro, através dos princípios que expressamente declara e esposa, no seu preâmbulo, em consonância com a tradição brasileira. Segundo, através do oferecimento de iguais oportunidades de educação a todos os brasileiros. Não nos esqueçamos de que a escola é a maior instituição democrática, exatamente porque permite apagar, em pouco tempo, as diferenças oriundas do desnível econômico entre as diferentes camadas sociais. Terceiro, através do desenvolvimento econômico, que a boa educação favorecerá. Desde que possamos dar a todos os brasileiros habitantes dêste formoso país o mínimo de confôrto e segurança compatíveis com a dignidade humana, certo é que ninguém buscará soluções extremadas, com sacrifício da liberdade.

RESPOSTA DO PROFESSOR DEOLINDO COUTO

Deolindo Couto é médico neurologista e diretor do Instituto de Neurologia da Universidade do Brasil. Está ligado aos problemas da Educação sendo vice-reitor da Universidade do Brasil. Tem inúmeros trabalhos sôbre a sua especialidade. É ainda vice-presidente do Centro Cultural Brasil-Israel.

1. Não é possível estabelecer limites a um problema desta natureza. Considerando-se, entretanto, que as prerrogativas outorgadas pela nova Lei permitem que se planeje a melhor distribuição dos recursos destinados à educação em todos os seus graus, pode esperar-se, entre outras, uma conseqüência altamente salutar para o combate ao subdesenvolvimento: a de se multiplicarem as escolas técnicas e profissionais. Verificou-se por exemplo, nos últimos tempos, uma desarrazoada proliferação de escolas de ensino superior, relacionadas às profissões que eram chamadas liberais, quando se deveria atentar na desproporção, já existente, entre o número destas e o das que distribuíssem o ensino oficial de grau médio.

2. O problema não decorre apenas da execução de uma lei, mas de vários outros elementos vinculados a uma melhor compreensão por parte de todos, quanto aos fins da educação integral. Não desapareceu, não desaparecerá nunca o papel saliente dos pais dos alunos na formação dêstes. Desgraçadamente, por uma errada compreensão do problema ou por dificuldades de vida, esta contribuição - que é primordial - cada vez se torna mais tênue, agravando um estado, que todos já reconhecemos precário.

3. Sem dúvida. Uma vez que os centros educacionais sejam acessíveis a todos, compreender-se-á que até nisso está a prática da democracia. Sou pelo irrestrito auxílio aos jovens que demandem os centros de instrução. Esta liberdade não elimina, porém, a parcela que incumbe aos responsáveis pelos alunos. De fato, o que se tem verificado é que muitos daqueles procuram demitir-se do seu papel auxiliar, ou até primordial, na formação dos filhos; as conseqüências disto são as mais desastrosas, não sendo necessário, para demonstrá-lo, citar fatos, nem alinhar estatísticas. Acho que, paralelamente à concessão de tôdas as facilidades aos que se educam, caberia uma campanha de esclarecimento dos pais no sentido dêsse auxílio indispensável.

RESPOSTA DO PROFESSOR JOSÉ BARRETO FILHO

José Barreto Filho é professor de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e professor do Instituto de Educação do Estado da Guanabara. Também foi professor da Segunda Cadeira de Filosofia da antiga Universidade do Distrito Federal. Publicou diversas obras literárias, salientando-se uma conhecida <<Introdução a Machado de Assis>>. Por muitos anos, exerceu a crítica literária do <<Diário de Notícias>>, e escreveu, na imprensa carioca, sôbre filosofia, literatura, crítica, etc. Foi membro do antigo Conselho Nacional de Educação.

1. A elevação do nível cultural e técnico dos agrupamentos humanos promove o desenvolvimento e dêle depende, desde que se compreenda por desenvolvimento o acesso a um estágio social de expansão harmoniosa das possibilidades de cada povo. Nenhuma lei, por si mesma, pode alcançar êsse resultado. É a aplicação da lei, pelo esfôrço conjugado da iniciativa particular e dos podêres públicos que virá influir na formação do povo brasileiro, estimulando o processo de desenvolvimento em que já se encontra.

2. Não sei o que seja <<a meta>> da educação. A idéia supõe um objetivo extrínseco ao incessante labor de desenvolver e manter os indivíduos num estado de elevação e eficiência dos atributos humanos. Creio que o nôvo sistema, aplicado com entusiasmo e boa fé, vai melhorar a qualidade e ampliar o alcance da educação brasileira.

3. A inspiração da lei é nitidamente democrática, decorrendo dos princípios de diferenciação, flexibilidade e liberdade de iniciativa, com o fim de criar variadas oportunidades para atender às diversas inclinações e preferências. A lei como que incita as famílias, os professôres, as escolas, os alunos, a tomarem a iniciativa e a responsabilidade da educação. É um clima democrático, portanto, em que se coloca a acentuação na vida espontânea dos indivíduos e menos na ação e nos objetivos do Estado, da classe ou do partido dominante que definem a educação totalitária.

RESPOSTA DO PROFESSOR JOSUÉ MONTELO

Josué Montelo, é atualmente diretor do Museu Histórico Nacional e pertence à Academia Brasileira de Letras. Foi inspetor Federal do Ensino Comercial, técnico de educação e diretor da Biblioteca Nacional. Exerceu funções culturais no exterior quando foi catedrático de Estudos Brasileiros na Universidade de Lima e catedrático de Literatura Brasileira na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Escreveu vários romances, ensaios, literatura infantil e obras sôbre Educação.

1. A Lei de Diretrizes e Bases, no conjunto das medidas que propugna e estabelece, constitui, em extensão e profundidade, a grande revolução moderna da educação brasileira. Seu propósito é claro: ajustar à realidade brasileira a realidade educacional. Nesse sentido, como sistema e como renovação de objetivos, irá contribuir, de modo intenso e extenso, para acelerar o desenvolvimento brasileiro.

2. Evidentemente. A chamada meta da Educação, aliás, não ficou descurada no govêrno do presidente Kubitschek. Sua excelência, em várias oportunidades, teve ocasião de resumir as providências adotadas no seu quinqüênio no sentido de reaparelhar o ensino brasileiro. Faltava naturalmente a êsse escopo do govêrno o documento legal que permitisse o processo intensivo de reforma na educação brasileira. Êsse documento é a Lei de Diretrizes e Bases.

3. A Lei de Diretrizes e Bases, ampliando, de modo extraordinário, o espírito de responsabilidade e iniciativa do sistema educacional brasileiro, é um instrumento nôvo de fortalecimento democrático. Aliás, tôda a lei foi inspirada pelo espírito democrático do País. Nada há ali que constitua um desvio dessa vocação brasileira. Pelo contrário: tudo obedece a essa vocação e visa a fortalecê-la, por uma prática efetiva.

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