LIMA, Alceu Amoroso. Educação no Brasil não é boa nem democrática, diz o Sr. Amoroso Lima. O Jornal. Rio de Janeiro, 27 abr. 1958.

Educação no Brasil não é boa nem democrática, diz o Sr. Amoroso Lima

- Por que não deverá a Igreja Católica se preocupar com o problema da educação no Brasil? A Igreja tem que se preocupar. Ela é obrigada a isso pela sua própria natureza - disse-nos o Sr. Alceu Amoroso Lima, educador, crítico literário, ensaista e membro do Conselho Nacional de Educação.

Não quer o Sr. Amoroso Lima se deter na análise do caso criado pelas críticas que os bispos fizeram à orientação do Sr. Anísio Teixeira, Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos. Diz que não vê macarthysmo na questão.

- O Sr. Anísio Teixeira tem uma opinião. Os bispos têm outra. Errado seria se os bispos quisessem impedi-lo de defender as suas idéias e opiniões. Mas êles não querem isso. Também seria errado se o Sr. Anísio Teixeira ou o Ministério da Educação tentassem impedir o pronunciamento dos bispos. Mas não houve movimento algum nesse sentido. O que há é uma divergência de opiniões, sem eiva de coação. Isso é normal e legítimo no regime democrático.

PADRONIZAÇÃO E CENTRALIZAÇÃO

- A educação é, de fato, o grande problema do Brasil - prosseguiu o Sr. Amoroso Lima. - Tanto os Bispos quanto o Sr. Anísio Teixeira reconhecem isso. E não apenas êles. Qualquer cidadão brasileiro que tenha um mínimo de consciência dos problemas do seu País sabe disso.

- Não me parece que haja, no Brasil, o monopólio da educação pelo Estado. O que há é uma centralização excessiva e uma padronização exagerada. É preciso reconhecer que, na atual situação do Brasil, pouco se poderá fazer, em matéria de educação, sem a ajuda do Estado. Embora eu seja da opinião de que o Estado deve ter, apenas, uma atuação supletiva em matéria de educação, creio que, por enquanto, isso não é possível. Num país em que há falta de capitais, como o Brasil, não se pode prescindir do Estado.

EDUCAÇÃO E FAMÍLIA

- Até agora, porém, o Estado fracassou no plano educacional - afirmou o Sr. Amoroso Lima - por causa, principalmente, da centralização e padronização demasiadas. No Brasil, as coisas costumam ser feitas de cima para baixo e de fora para dentro. Em suma: ao contrário do que devia ser".

- A educação é, antes de tudo, um problema de família, uma missão da família. Em seguida, e do município, do Estado e - em último lugar - da União. Entre a família e o município há, ainda, a Igreja (seja ela qual fôr), a associação profissional e muitos grupos. O que eu pretendo demonstrar é que a educação deve ser de baixo para cima e de dentro para fora. É por isso que, quando alguém diz que a Igreja Católica não deve imiscuir na educação, está errado. A educação é preocupação da Igreja, como é de todos.

- A missão da Igreja não é técnica, militar, política, financeira ou administrativa. É religiosa e moral. Por êsse motivo, a Igreja está fundamentalmente interessada na formação moral do caráter do cidadão, que começa na família e na escola. Convém notar que, de acôrdo com a opinião católica, a missão de formar o homem é da família. A escola complementar a ação da família, desenvolve-a e dá ao aluno - ao menino, ao homem - os conhecimentos técnicos culturais, filosóficos, etc.

DEMOCRACIA E TOTALITARISMO

- De acôrdo com a concepção democrática da educação, que é a defendida pela Igreja Católica, cabe ao Estado animar, suprir, auxiliar, em matéria de educação. Cabe-lhe, também, a tarefa de fiscalizar a educação, visando o bem comum. A concepção totalitária da educação, que me parece haver sido formulada, pela primeira vez, de maneira completa, por Joseph Stalin, depois da revolução russa, é a de que cabe ao Estado o monopólio da educação. Foi Stalin quem aplicou a tese de que o Estado é o dono da educação, tese que também foi a de Hitler, na Alemanha, e de Mussolini, na Itália. É a educação para arregimentar, ministrada de cima para baixo, decidida por decreto, inimiga da autonomia universitária, da liberdade de cátedra, da iniciativa particular.

A ARISTOCRACIA DO DINHEIRO

- Hoje em dia, no Brasil, a educação não é democrática - disse o Sr. Amoroso Lima - É aristocrática e da pior das aristocracias, que é a do dinheiro. O Estado não fêz cumprir, até agora, o preceito constitucional que diz ser a educação gratuita. E, atuando de cima para baixo, preocupa-se mais com a educação de nível superior, relegando ao segundo plano a educação primária e a secundária. A existência de um alto índice de analfabetismo no Brasil é a prova de que o Estado tem falhado em matéria de educação.

- Não estou defendendo a tese de que se deva abandonar a educação universitária. Seria muito curioso que eu, professor universitário, dissesse tal coisa. Acho até justificável que, atualmente, diante da corrida tecnológica e do atraso brasileiro, o Estado dê preferência à educação técnica. É evidente que, hoje, precisamos formar mais engenheiros, mais físicos, mais químicos, mais matemáticos. Assim, estaremos desenvolvendo o país. Mas, como fazer isso se não há, no Brasil, uma educação primária e uma educação secundária satisfatórias? Quantas vocações de matemáticos, de geólogos, de engenheiros se perdem, por não haver escolas primárias em número suficiente?

A TÉCNICA E O HOMEM

- Por outro lado, a exigência da industrialização do país traz consigo necessidade simultâneas. Precisamos de educação técnica, mas, também, precisamos da filosófica, de escolas politécnicas e de faculdades de filosofia. É preciso que se saiba para que se desenvolve o país e qual o destino da tecnologia. Deve haver um equilíbrio. A educação técnica, especializada, deve correr a par com a educação humanística, com o estudo dos valores.

- A técnica é indiferente. Serve a todos os regimes e sistemas. Não se pode esquecer a lição dada pelos totalitários. Estamos hoje, mais do que nunca, diante do perigo de uma barbárie científica. Que não faria Hitler se tivesse bombas de hidrogênio? É por isso que o estudo dos valores é importante. No Brasil, porém, estamos atrasados em matéria de educação técnica e de educação humanística (que eu poderia classificar de educação para a técnica), atrasados em educação primária, secundária e superior - atrasados em tudo.

- Mas não faltam os decretos - continuou o Sr. Amoroso Lima - Não faltam as leis, as portarias, os ucases. A isto nos levou o excesso de padronização e de centralização. Recentemente, no Conselho Nacional de Educação, tive oportunidade de fazer o levantamento das portarias existentes sôbre a questão da aproximação das médias. Há um enxame de portarias, tôdas contraditórias. Sugeri que se deixasse essa questão a critério do professor. A regulamentação desce a detalhes e a minúcias que chegam ao ridículo. Houve tantas reformas no ensino brasileiro que ninguém encara, sem ceticismo, a idéia de uma reforma a mais. Talvez seja melhor cumprir bem uma reforma ruim do que executar mal uma reforma boa.

O PATERNALISMO E A ESCOLA

- O Estado, no Brasil, é paternalista. É assim desde a colonização do País. Intervém em tudo e tudo regulamenta. O resultado disso, na educação, é sempre em favor da centralização e da padronização, elevadas ao último grau. Tôda semana eu encontro, no Rio, vários Reitores de universidades estaduais. São obrigados a vir a tratar, no Rio, dos assuntos que dizem respeito às suas universidades. O Rio é o centro de tudo. A autonomia universitária, no Brasil, só existe em teoria. Aliás, é altamente censurável essa federalização a jacto de universidades que se processa de alguns anos para cá.

- Os programas são os mesmos para todos os pontos do País, de um País como o Brasil, que todo mundo não se cansa de chamar de subcontinente. Ninguém leva em conta sòmente as diferenças regionais como, também, a necessidade de haver variedade na educação. Não é possível que se ensine, no Amazonas exatamente a mesma coisa que se ensina no Rio Grande do Sul. Por outro lado, deve haver uma maior autonomia e liberdade no ensino. Assim, criar-se-ia a competição entre os estabelecimentos de ensino, especialmente secundários e universitários. Poderia, então, desaparecer a mania dos diplomas. Hoje, no Brasil, o que vale, ainda, é ter diploma. O que se sabe não tem muita importância. E o diploma se transforma num atestado de prioridade social".

- O sistema educacional brasileiro, construído no Estado Novo, está se desagregando aos poucos. Êsse sistema tinha muitas características toralitárias. O processo de democratização do Brasil, que é irregular, colaborou para atenuar o domínio do Estado sôbre a educação. O desenvolvimento do País também está influindo e a experiência interfere decisivamente. Já estamos conseguindo alguma coisa. De vez em quando, fazemos uma conquista, aqui ou ali.

SUGESTÕES PRÁTICAS

- No plano prático eu aconselharia maior preocupação com a educação primária e com a secundária. Cabe ao Estado, nesta fase do desenvolvimento do País, multiplicar as escolas primárias e secundárias. É preciso, também, reduzir o número de matérias do currículo secundário. O Estado pode, também, ampliar o sistema de subvenções às escolas, estimulando a iniciativa particular. A escola que funcione com eficiência e honestidade, seja ela leiga, protestante, católica, israelita ou agnóstica, deve ser auxiliada. É necessário fazer uma revisão completa da educação e do ensino no Brasil, visando à maior liberdade de cátedra, à maior autonomia universitária, à maior flexibilidade nos programas. E, finalmente, convém acelerar a educação técnica no Brasil, para que êle possa enfrentar o grande desafio tecnológico. Mas é preciso não se descuidar da preparação humanística das novas gerações para que não se percam os valores e para que se saiba o que fazer com a técnica - concluiu o Sr. Alceu Amoroso Lima.

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