DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Diretrizes e bases: projeto não define a função precípua da escola pública. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 23 abr. 1960.

DIRETRIZES E BASES:

PROJETO NÃO DEFINE A FUNÇÃO PRECÍPUA DA

ESCOLA PÚBLICA

A entrevista que o professor Anísio Teixeira concedeu ao <<Diário de Notícias>>, o educador apontou mais uma falha no projeto de lei de Diretrizes e Bases: não define o legislador a função precípua da escola pública, ao mesmo tempo em que faz ênfase à escola privada e à educação pela família. E aduziu que, em sociedade democrática, não é possível a subordinação hierárquica. Deve haver a igualdade e a livre informação.

<<Ora, não é de esperar que os legisladores julguem possível essa restauração, prosseguiu. Mas se fôsse possível, que representaria ela? Êsse domínio das famílias sempre se fêz mediante uma hierarquia de famílias>>.

PRECONCEITO SOCIAL

Continuou o professor, Anísio Teixeira:

- <<Na sua pureza, o regime importa sempre numa família real, nos casos extremos divina, que corporifica a abstração família. Abaixo da família real, vêm as famílias nobres, depois burguesas e, por último, a plebe. Com a República, essa hierarquia das famílias brasileiras se estabeleceu entre <<nossas boas famílias>> e as outras. Com a restauração do regime, iríamos assegurar educação dentro dessa ordem hierárquica. Primeiro, a educação das nossas boas famílias, depois a das demais. Como os recursos são poucos, teríamos de ficar no primeiro grupo.

TRADIÇÃO

<<E outra coisa não irá acontecer no Brasil, disse, desde que essa velha doutrina volte a ter os loros até de pensamento avançado. Não é avançado coisa nenhuma. É velhíssima. Mas isto não impede de vingar na América do Sul. Tudo leva a crer que êste Continente está fadado a vir a encarnar o mundo antigo e, em face dos saltos para o futuro de quase todo o planeta, efetuar esta parte da terra certos recuos providenciais para, ajudado pelas nossas santas tradições, ainda poder manter as doçuras e espiritualidade dos bons velhos tempos da injustiça e da desigualdade humanas.

RESTAURAÇÃO DE PRIVILÉGIOS

<<Não deixa de ser melancólico assistir ao anacronismo, a que não falta sua ponta de insolência, do Brasil de hoje, que minha geração ainda julgava novo e que a geração seguinte, essa que hoje debate e vota as nossa leis, aposta em mostrar que não é nenhum país jovem, mas antiga e sábia nação, liberta de ilusões, disposta a restaurar o privilégio e a desigualdade como formas realistas e superiores de organização social. Embora essa orientação seja aparentemente a dominante no Legislativo Federal, conforta-nos a segurança de que tais resistências à mudança acabem por aguçar a consciência social, preparando-nos, assim, para mudanças possìvelmente mais radicais para o futuro.

ESCOLA PÚBLICA E ESCOLA PRIVADA

Examinou, em seguida, como encara o legislador os dois tipos de escola: <<Vá alguém tentar fazer uma lei de educação no Brasil e as exclamações enfáticas de solidariedade, fraternidade, pessoa humana, dignidade, liberdades fundamentais, democracia etc., encachoeiram como se constituíssem os próprios fundamentos mananciais da alma brasileira.

Depois, entretanto, de tão altas e grandes expressões verbais relativas aos princípios, às veleidades, às aspirações, começam a aparecer os propósitos reais, as vontades efetivas e, então, não é necessária nenhuma sutileza para se perceber que a sociedade brasileira deseja conservar, defender e cultivar tôdas as divisões, tôdas as discriminações, senão, abismos, de desigualdade e distância social.

No projeto de lei de Diretrizes e Bases, tudo isto é confirmado. Primeiro, a lei insiste em pôr no mesmo pé de igualdade a educação privada e a educação pública. Ora, que sentido tem isto? A escola pública não é uma extensão da escola privada, mas algo de novo, algo de diferente, algo, de certo modo, de oposto à escola privada. Quando Horace Mann, no século XIX, chamava a escola pública de <<a maior invenção humana>>, não estava a referir-se a uma suplementação da escola privada, mas à descoberta de instituição nova, que, ignorando distinções sociais e religiosas, abria para a sociedade a possibilidade de uma nova estrutura social, em que pobres e ricos, crentes e descrentes, pessoa de uma e outra raça, todos se pudessem educar e, por essa <<escada educacional>>, subir a escala social em comum emulação e comum convivência. Era a escola que preparava o homem para o exercício das <<crenças comuns>>, em que se apoiava a sociedade civil e leiga, independente das <<crenças privadas>> dos cidadãos. Tais crenças comuns compreendiam, como princípios supremos, a tolerância com respeito às crenças privadas e o fundamento secular ou leigo da moral humana>>.

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