DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Desvio de recursos para a escola particular vem retardar democratização. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 30 abr. 1960.

DESVIO DE RECURSOS PARA A ESCOLA PARTICULAR VEM RETARDAR DEMOCRATIZAÇÃO

CLASSE média brasileira, salvo diminuta parte que ainda conserva o caráter agressivo de quem acaba de a ela chegar, não tem disposição para a competição, preferindo um sistema de escolas privadas, que facilite ou mesmo prefira a matrícula de seus filhos às de outros de mais baixa extração>> - declara o prof. Anísio Teixeira, cujo pensamento em tôrno do projeto de Diretrizes e Bases estamos publicando parceladamente.

Acrescenta o diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos que, como a expansão da escola pública secundária jamais se poderia fazer para todos, pois os recursos não chegariam para tanto, a escola pública teria de ser seletiva, mas de seleção fundada na livre competição. Sòmente os mais inteligentes ou os mais preparados obteriam matrícula, como já se observa nos colégios públicos oficiais e nas escolas públicas superiores oficiais.

DISCRIMINAÇÃO SOCIAL

<<Sendo a sociedade brasileira ainda uma sociedade de vivos contrastes de estrutura social - prossegue - as camadas mais altas sentem-se sempre, mesmo aquelas que apenas estão chegando às suas novas alturas, tomadas de desgosto pela <<mistura social>> que prevalece nas escolas públicas. O característico das sociedades marcadas por grandes desigualdades sociais é o mêdo senão a hostilidade às camadas populares>>.

Ressalta em seguida:

- A escola pública é sempre do povo, ou seja, <<misturada>>, em contraste com a particular. Esta facilita, ajuda e mesmo promove uma cômoda discriminação social, desejada por gregos e troianos, isto é, ricos e novos ricos, antigos e novos membros da classe média em expansão. Pôde, por isso mesmo, chegar a parecer popular a defesa da escola particular. E nisto é que se apóiam as fôrças reacionárias e as fôrças clericais católicas, para se insinuarem até como fôrças democráticas em busca de recursos públicos para a obra de reação ou de proselitismo religiosos, que esperam levar a cabo nestas terras outrora novas da América do Sul e hoje refúgio último do anacrônico e do obsoleto.

POVO E ELITE

<<Está claro - adianta - que tudo isto sòmente pode acontecer no Brasil, em virtude do dualismo fundamental de povo e elite. Acha-se a elite, hoje, disfarçada nessa classe média expandida, que, por certo mimetismo, repete modos de ser da classe aristocrática quase extinta. O povo, que ainda se encontra pela metade em plena ignorância, jamais o consentiria, se já estivesse em estado de consciência. Mas o povo continua o grande mudo e o grande esmagado. E em tais circunstâncias, os que gritam, mesmo quando do povo, são os espertos, os que desejam antes o bem para si que para a sua classe. Dêste modo, acabam por dar à causa dos privilegiados aquêle salvador apoio marginal, com que as medidas reacionárias se vestem de roupagens populares. Em resumo, o sistema de ensino particular, que veio a ser criado para atender às ambições da classe média brasileira e dar-lhe os privilégios de uma <<educação melhor que a do povo, entrou em crise por inflação de preços, reivindicações salariais e incapacidade de sua clientela de pagar-lhe o novo custo>>.

RETARDA DEMOCRATIZAÇÃO

Continua o prof. Anísio Teixeira:

- Em nosso tipo de sociedade competitiva, a conseqüência natural dessa conjuntura seria a retração dêsse ensino privado aos que realmente pudessem pagar e a expansão do ensino público para atender a todos êsse novos brasileiros, que já não seriam tão privilegiados para pagar em escolas exclusivistas a educação dos seus filhos, e ingressavam afinal no grande aprisco comum da escola do povo brasileiro, a escola pública, mantida com recursos públicos. A manobra social de conservar suas escolas privadas, com a ajuda do Estado, sob a forma de subvenção, suplementação de salários, bôlsas de estudos, financiamento público e até custeio integral pelos cofres públicos, pode ser ensaiada, mas deve ser denunciada, pois importa em retardar o processo de democratização da sociedade brasileira e da integração da classe média no seio do povo brasileiro, todo êle um só povo. Devemos defender a famosa <<escada educacional>>, isto é, um sistema educacional contínuo da escola primária à Universidade e a todos aberto, ou seja público. É êste a todos, e êste público, que a campanha do desvio de recursos públicos para a escola particular quer impedir, usando para isto, até os argumentos da religião. Tenho pois razão em apontar e condenar a engenhosa solércia com que nossa sociedade se defende contra as conseqüências dos próprios princípios, que tanto engrossa a voz em proclamar.

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