DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Depoimentos de educadores e funcionários solidários com o atual diretor do INEP. Movimento do meio educacional ante a notícia de sua demissão. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 17 abr. 1958.

Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATj61

Depoimentos de Educadores e Funcionários Solidários Com o Atual Diretor do INEP

Movimento no Meio Educacional Ante a Notícia de Sua Demissão

ESCLARECIMENTOS AO PÚBLICO

TRAZEMOS a público, o depoimento dos funcionários do Centro de Pesquisas Educacionais, do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, em que detalham as atitudes que vêm realizando sob a orientação do prof. Anísio Teixeira, documento êsse dirigido, pelos seus signatários, aos líderes católicos do país.

É a seguinte a íntegra do documento:

<<Aos líderes católicos do Brasil: Em face do manifesto do arcebispo de Pôrto Alegre e dos bispos gaúchos ao senhor presidente da República, sentimo-nos compelidos, como católicos, a nos dirigir às autoridades da Igreja, a fim de prestar nosso esclarecimento que visa acima de tudo a nos preservar a paz da consciência, impossível de ser mantida com atitudes comodistas e ausentes.

Move-nos a palavra de Cristo quando no Sermão da Montanha elevou, entre os valores cristãos mais altos, a Justiça.

E, sobretudo, impele-nos a dar o nosso depoimento a nítida visão de que os homens em aparente oposição desejam de fato as mesmas coisas e estariam dispostos a dar-se as mãos se melhor conhecessem o pensamento e a ação uns dos outros.

É, pois, com respeitoso desejo de impedir que a imcompreensão gere a injustiça que nos dirigimos aos católicos e aos que não o sejam, a todos os que prezem os valôres cristãos de nosso civilização, em depoimento que visa sobretudo a preservar o direito à liberdade de opinião e a impedir que aquêles que realmente desejam trabalhar pelo Brasil e pela civilização cristã sejam esmagados pelo desconhecimento da obra que estão tentando realizar.

Trabalhando dia a dia com o professor Anísio Teixeira estamos nós, signtários do presente documento, acompanhando, <<paripassu>>, a sua obra como pensador e como homem de ação.

A primeira qualidade que nêle impressiona profundamente é o espírito democrático com que dirige a instituição de que é chefe, dando aos encarregados de cada setor de atividades inteira liberdade de discutirem os problemas e tomarem decisões em absoluta igualdade. Essa atitude profundamente democrática seria impossível num pensador interessado numa obra pessoal de tipo socialista.

Se atentarmos para as pessoas escolhidas para seus auxiliares imediatos, veremos que em sua maioria são católicos. Assim, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais é dirigido por um católico - Péricles Mardureira Pinho; suas três divisões estão entregues a católicos - Aparecida Joly Gouveia, da Divisão de Pesquisas Sociais, Jaime Abreu, da Seção de Pesquisas Educacionais e Lúcia Marques Pinheiro, da Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério. Nas demais chefias - Seção de Documentação, Biblioteca e Seção de Audio-Visuais se encontram catóicos - Elza Rodrigues Martins, Elza Nascimento Alves e Letícia Maria Santos de Faria.

A escola experimental do INEP no Rio é dirigida por uma católica, a professôra Diva Moreira Diniz Costa e os orientadores de ensaio, professôras Risoleta Cardoso Ferreira, Almira Brasil e Clotilde Antonieta de Melo são tôdas católicas. Na escola se faz ensino de religião, prepara-se os alunos para a Primeira Comunhão, celebra-se a Páscoa. O ensino de religião é dirigido pela professôra Aldina Areias. Professôres católicos têm estagiado na escola, inclusive freiras.

Nos centros regionais do INEP vamos encontrar, na direção, em sua maioria, católicos. Assim, na direção do Centro de Minas Gerais está o dr. Mário Casassanta; no do Rio Grande do Sul, Eloah Ribeiro Kunz. O Centro da Bahia é dirigido pelo dr. Luís Ribeiro Sena e os cursos e as escolas dêsse Centro, por Carmen Teixeira. No Centro Regional de Minas foi realizado, em 1957, um curso para religiosos orientado por professôres americanos.

Por intermédio de acôrdo com o <<Instituto of Inter American Affairs>> tem o professor Anísio Teixeira enviado, para aperfeiçoamento na América, um grande número de educadores, principalmente de Minas, selecionados pelos professôres Abgar Renault e Mário Casassanta, ambos católicos.

Instituído, em 1957, o Plano de Extensão do Ensino Primário, foi o mesmo entregue a um eminente católico, o professor Durmeval Trigueiro, que trabalha no gabinete do diretor do INEP. Também, católicos praticantes são os seus colaboradores diretos, Eni Caldeira e Joaquim Moreira de Sousa.

No que diz respeito à atuação prática, o INEP tem, no plano de construções, auxiliado significativamente o ensino particular católico. Contribuiu para a construção da Universidade Católica, para a Cruzada de São Sebastião, para a Escola Normal de Açu e para o Instituto de Formação e Cultura da Bahia.

No setor de aperfeiçoamento de magistério, em que antes de sua gestão o ensino particular não fora contemplado, concedeu, só para os cursos do Rio, 50 bôlsas de estudo para professôres que não pertencem ao sistema público de ensino.

Dentro do plano de distribuição de material para enriquecimento do patrimônio de instituições culturais públicas e particulares, foram distribuidos, pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, para considerarmos só o ano de 1957, 16.139 exemplares de livros e publicações pedagógicas e de cultura geral a instituições oficiais e particulares, indistintamente, inclusive a tôdas as Escolas Normais, a todos os estabelecimentos de ensino secundário e às 53 Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, existentes no país, da quais 26 são católicas.

De 30 aparelhos de projeção cinematográficos adquiridos por aquêle órgão, para distribuição, vários se destinaram a instituições particulares, dentro das quais:

Escola Normal N. S. das Graças, Pato de Minas (Minas Gerais); Sociedade dos Amigos das Crianças, Ibicaraí, ex-Itabuna (Bahia); Associação Educacional de Cipó (Bahia); Ginásio São José - Irmãos Maristas - Mendes (Est. do Rio de Janeiro); Escola Normal Rural Morros (Maranhão), dirigida por monsenhor Carlos Bacelar.

Além disso, foram distribuidos laboratórios de química e eletricidade a várias instituições como, por exemplo, no Distrito Federal: Escola Normal Santa Dorotéia, E. N. Notre Dame de Sion, Escola NormalSacré Coeur de Marie, E. N. Santa Marcelina, Escola Normal Santa Rosa de Lima, E. N. Estela Maris, Externato S. José e Colégo Santo Antônio Maria Zacaria.

Foi assim, com surprêsa, que vimos o professor Anísio Teixeira ser considerado hostil ao ensino particular e pregando a escola única e a revolução social através da escola. Acreditamos que, não sendo suficientemente divulgados os escritos do professor Anísio Teixeira, tais confusões resultaram, apenas de informação parcial, incompleta.

O professor Anísio Teixeira propugna o ensino livre à iniciativa particular (v. <<A Educação e a Crise Brasileira>> Cia. Editora Nacional p. 50, 71). Na mesma obra se refere, em várias páginas, ao ensino privado (pág. 113) torna a fazê-lo.

Nas páginas 19 e 134 de <<A educação e a Crise Brasileira >>, defende ainda a liberdade de ensino, atribuindo à competência profissional o direito de determinar até mesmo currículos, seriação e métodos. Ao governo caberia, apenas, a verificação final dos resultados, mesmo esta entregue a órgãos profissionais, no caso do ensino superior.

Mesmo com relação ao ensino público, defende em <<Educação Não é Privilégio>> uma escola local, <<regionalmente diversificada, comum não pela uniformidade, mas pela sua equivalência cultural>> (pág. 51).

Defende não a escola única, que mostrou ter fracassado, mesmo na França, mas a <<common school>> americana.

Quanto ao ensino primário, que está afeto mais diretamente ao INEP, vem procurando favorecer o desenvolvimento das oportunidades educacionais e que elas se revistam das condições de eficiência e seriedade necessárias.

Como os senhores bispos do Rio Grande do Sul repetidamente acentuam em seu manifesto, estas oportunidades são insuficientes e deficientes.

A Constituição Brasileira, declarando o ensino primário obrigatório e gratuito e acentuando que é dever do Estado ministrá-lo, indica, sem dúvida, o caminho que está sendo por êle seguido.

Na mesma direção se orientam as conclusões do Congresso de Lima, aprovadas pelo representante de sua Santidade o Papa.

Com relação ao ensino particular, a posição do professor Anísio Teixeira é clara (v. <<A Educação e a Crise Brasileira>> pág. 72 e <<Educação Não É Privilégio>> pág. 114 e 115). Na página 125 daquela obra, chega mesmo a opinar que a escola particular tem maiores condições de eficiência do que a pública>>.

<<Administrativamente, as escolas se deverão constituir em órgãos autônomos, à maneira de fundações, sujeitas ao controle e fiscalização de órgãos centrais, também, êles governados por normas estabelecidas por conselhos técnicos. Sòmente assim poderá o Estado manter escolas com a mesma capacidade de eficiência com que mantêm as organizações privadas, isto é, em obediência à natureza da atividade educacional que resolveu êle, Estado, assumir em tudo e por tudo diferente das suas comuns atividades de fiscalização e contrôle, que são, mais especificamente, a sua função privativa>> (pág. 125 de <<A Educação e a Crise Brasileira>>).

Também, a posição do professor Anísio Teixeira aparece em seus escritos no que toca à educação e às transformações sociais.

Em <<Educação Não é Privilégio>> mostra que a educação é necessária à democracia e, conforme as circunstâncias históricas, a precederá ou a seguirá. Assim, ao proclamar-se a república brasileira, teve de vir a posteriori (pág. 98).

No mesmo livro, cita vários depoimentos de educadores brasileiros republicanos e da América do Norte (Horace Mann) em apoio à idéia da necessidade de uma educação mínima de todos para a sobrevivência do regime democrático.

O trecho citado no Memorial dos bispos em causa se refere ao perigo de mergulharmos em plena fase de reivindicações sem um mínimo de educação que possibilitasse melhor a visão do bem comum.

Nesse estado de instabilidade social em que vivemos, mais e mais se faz necessária a escola primária em número e qualidade suficientes para preparar os homens para verem, ao lado das reivindicações individuais, o bem geral do país - tal como podem fazê-lo os operários alemães citados pelo cardeal Mota.

Ao lado da função renovadora da escola, o professor Anísio Teixeira defende a sua função estabilizadora.

<<As duas funções da escola, a de estabilidade e a de renovação, devem ser cumpridas mas sem se prejudicarem.

O equilíbrio entre elas é uma condição de boa <<saúde social>> (<<A Escola Brasileira e a Estabilidade Social>> - Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, vol. XXVIII, nº 67, pág. 13).

Nesse trabalho combate o professor Anísio Teixeira a atual escola promotora de ascenção social sem discriminação e que virá abalar a própria estrutura social. <<Se tôda a educação escolar visar sempre a promoção social, a escola se tornará de certo modo, repito, um instrumento de desordem social, empobrecendo, por um lado, os níveis mais modestos de vida e, por outro lado, pertubando excessivamente os níveis mais altos, levando-lhes elementos que, talvez, não estejam devidamente aptos para o novo tipo de vida que a escola acabou de lhes facilitar>>.

Assim, acreditamos serem perfeitamente harmônicos, no desejo de servir à sociedade brasileira, o pensamento dos senhores arcebispos e bispos do Rio Grande do Sul e o do professor Anísio Teixeira, ao dizerem os primeiros:

<<Não ignora a Igreja a gravidade e a extensão do problema educacional brasileiro, particularmente quanto ao ensino primário, a reclamar urgentemente solução capaz de sobrepor-se às alarmantes deficiências que tanto e tão fundamente afetam a vida nacional. À solução do problema dedica a Igreja o melhor dos seus esforços, não recusando, para resolvê-lo, a colaboração de todos os homens de boa-vontade>> e o segundo:

<<Jamais deixei de reconhecer, apesar da extrema severidade com que julgo os nossos padrões escolares, o que há de esplêndido vigor nessa nossa expansão recente e em curso. O interêsse e a comovente paixão com que Municípios, Estados e particulares estão a construir prédios, improvisar professôres e fundar escolas de todo gênero, são, sem dúvida, dignos de amparo e estímulo, a par de diligentes esforços de orientação, sem <<parti-pris>>, sem imposições, oferecida e livre, compreensivamente aceita, a bem do melhor e do mais promissor em progressividade.

Possamos nós descobrir os modos e meios de coordenar tôdas essas energias e canalizá-las para um grande e patriótico esforço nacional, autêntico, planejado e vigoroso>>. ( <<A Educação e a Crise Brasileira>>, pag. 72 e 73).

Todos desejamos uma boa escola. Deixemo-la livre e responsável e confiemos que a consciência pública dos pais e a profissional dos educadores orientem e controlem o seu desenvolvimento>> (idem. pag. 99), e ainda:

<<Não só a iniciativa particular, como a tôdas as três ordens de govêrno serão mobilizadas para o grande esfôrço comum, em um regime de livre participação e de responsabilidade, sem imposição de modêlos rígidos e uniformes, mas em sadia emulação, em que ao lado do bom se ergue o melhor e um e outro mutuamente se fertilizem, para o progresso e a vitalidade contínua do ensino>> (pag. 202 de <<A Educação e a Crise Brasileira>>).

Letícia M. S. de Faria, Lúcia Marques Pinheiro, Jaime Abreu, Elza Rodrigues Martins, Elza Nascimento Alves, Péricles Madureira de Pinho, Cândida Luísa Leme de Carvalho, Eni Caldeira, Aparecida Joli Gouveia, Maria Luísa Barbosa de Oliveira, Anita Fontenele de Araújo, Norma Nicolussi Carneiro Monteiro, Maria Elisa Leite Ludovice, Eleonora Beatriz de Azevedo Barroso, Daura Castel Drummond da Silva, Ivone Stolze Baiana, Nair de Farias Rêgo, Maria Virgínia de A. Braglia, Ivonete da Silva Braga, Lúcia Silva Araújo, Hadjine G. Lisbôa, Francisco Xavier Queirós de Jesús, Aidil Braga, Marília Abrunhosa Monteiro Correia, Válter Maia de Almeida, Henira Sampaio Brasil da Silva, Diva de Moura Diniz Costa, Clotilde Antonieta de Melo, Risoleta Ferreira Cardoso, Teresinha Lins de Albuquerque, Rute Gouveia e Maria Luisa da Silva Júnior>>.

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