O ESTADO DE SÃO PAULO. Professores iniciam um grande debate sobre os problemas atuais da educação no Brasil. O Estado de São Paulo. São Paulo, 2 set. 1959.

Professores Iniciam um Grande Debate Sobre os Problemas Atuais da Educação no Brasil

A assimilação escolar dos grupos migratórios de nível diferente e o desenvolvimento heterogeneo que o País atravessa foram apontados, em linhas gerais, como os dois grandes problemas atuais da educação no Brasil, pelo prof. Anísio Teixeira, no simpósio sobre problemas educacionais brasileiros, ontem iniciado no Centro Regional de Pesquisas Educacionais, na Cidade Universitária. A exposição do diretor do INEP, marcada inicialmente para a manhã de hoje, foi antecipada para a tarde de ontem, em virtude de compromissos que ele havia assumido no Rio de Janeiro.

"DESENTENDIMENTO ENTRE OS BONS"

Em sua exposição, o prof. Anísio Teixeira afirmou inicialmente estar profundamente impressionado com o ritmo e com a seriedade dos trabalhos do simposio e com a "humildade cientifica" de seus participantes. Disse em seguida que um dos maiores problemas da humanidade é o desentendimento que se verifica entre pessoas imbuidas da mesma boa vontade para a resolução das questões. Esse desentendimento é causado, a seu ver, pela própria formação mental do homem, a qual o impede de pensar com independência e aplicar o raciocínio cientifico a problemas de ordem social, política e moral, da mesma maneira que o faz com relação a questões puramente cientificas. Restringindo-se ao campo especifico da educação e, em particular, à educação no Brasil, a função precipua dos centros regionais de pesquisa consiste justamente na aplicação do espírito cientifico aos problemas educacionais e que levasse os educadores à ação pratica, feita atualmente pela via politica e não através da ciencia.

URSS E USA

O grande paradoxo que se verifica – prosseguiu – consiste no fato de que a União Soviética, cuja doutrina se baseia na ação compulsoria e nas resoluções drasticas, acredita no valor da educação, ao passo que os ocidentais e particularmente o Brasil, onde se acredita nas soluções liberais e na persuasão coletiva, não dá ao ensino o lugar que ele, naturalmente merece. Enquanto nos Estados Unidos, cinco por cento da renda nacional são destinados à educação, na União Soviética quinze por cento são destinados para o mesmo fim.

EDUCAÇÃO ARISTOCRATICA

Após fazer varias comparações entre os sistemas educacionais da Europa e dos Estados Unidos, afirmou que a situação de atraso no qual o Brasil se encontra nesse campo – apenas cinco por cento dos jovens em idade escolar em todo o País cursam escolas secundárias – é causada pela concepção de exito pessoal semelhante á dos Estados Unidos, onde o triunfo pessoal, independentemente do grau de escolarização dá o valor de cada um perante a sociedade. A escola no Brasil é ainda aristocratica pois tem como objetivo preparar uma elite que possa usufruir os benefícios da civilização moderna e não para que possa contribuir a essa civilização. No setor de medicina – exemplificou – que é o campo mais bem desenvolvido no sistema educacional brasileiro – não se registra uma expansão de faculdades, pois, atualmente, os institutos de medicina não ministram educação do tipo aristocrático.

O PAPEL DA ESCOLA PUBLICA

Após afirmar que a criação de universidades por ordens religiosas que sequer possuem condições materiais para a instalação de cursos de nível secundário deve ser tratado como "um caso de polícia", continuou dizendo que somente a escola publica poderá resolver os dois grandes problemas da educação no Brasil, provocados pelo desenvolvimento desnivelado do País e pelas migrações humanas com niveis diferentes. Essas migrações somente podem ser assimiladas pela escola oficial que serve a interesses nacionais, maiores, portanto, a aqueles da escolas particulares.

Após a exposição foram abertos os debates, tendo falado o prof. Mario Casassanta, o qual defendeu a preservação das escolas publicas, ameaçada, a seu ver, pela "politicagem" dos governantes brasileiros.

ABERTURA

Os trabalhos do simpósio foram abertos na manhã de ontem, com a exposição do prof. Florestan Fernandes. Antes, o prof. Fernando de Azevedo explicou aos presentes que o simpósio deveria ter sido feito no Rio de Janeiro há dois anos atrás. Entretanto, o Conselho de Administração do CRPE decidira efetuá-lo este ano em São Paulo.

A’ hora em que se iniciaram os trabalhos encontrava-se presente grande numero de professores e alunos da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo bem como tecnicos educacionais especialmente convidados.

A MESA

Os debates foram presididos pelo prof. Anísio Teixeira, diretor do INEP e do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais; a mesa era composta pelos professores Fernando de Azevedo, diretor do CRPE, Milton da Silva Rodrigues, catedrático de Estatística da Faculdade de Filosofia e coordenador do simpósio, Moreira de Sousa, representante do prof. Gilberto Freire e do Centro Regional de Pernambuco, Jayme de Abreu, coordenador do CBPE, e Mario Casassanta, representante do Centro Regional de Minas Gerais.

ORGANIZAÇÃO

Os debates que se prolongaram até à tarde foram organizados da seguinte maneira: exposição do relator, durante vinte minutos; intervenção de 10 minutos pelo debatedor sobre os pontos mais importantes do tema; discussão do assunto pelos presente por 30 minutos, com cinco minutos para cada orador, e resposta do relator aos quesitos levantados, no prazo de dez minutos.

EXIGENCIAS EDUCACIONAIS

O primeiro tema "Ciência aplicada e a educação como fatores de mudança cultural provocada" foi exposto pelo prof. Florestan Fernandes nos seguintes termos:

O problema central da minha comunicação é o da filosofia do trabalho que deve orientar a cooperação entre educadores e cientistas sociais em uma instituição como o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais. Em um país econômico, social e culturalmente subdesenvolvido, a educação preenche funções sociais construtivas e é do interesse da coletividade que essas funções sejam exploradas na medida do possível, de modo coordenado e inteligente.

Tal problema conduz a temas diferentes, tratados no texto com a extensão possível. Em primeiro lugar, estão certas noções básicas – como a da ciência aplicada, a de educação concebida como fator social e a de mudança provocada. Em segundo lugar, estão as questões relacionadas com a maneira pela qual elementos racionais e irracionais podem ser manipulados deliberadamente pelo homem, em escala social. Em terceiro lugar, por fim, coloca-se o tema mais complexo e delicado: o das exigências educacionais da sociedade brasileira do presente, tendo em vista suas características, o que elas representam nas situações historico-sociais em que se manifestam e as possibilidades de enfrentá-las através da intervenção racional.

O eixo do debate concentra-se, pois, na qualidade da contribuição que o cientista social deve oferecer ao educador nas condições peculiares do meio social brasileiro. É preciso evitar duas coisas igualmente perigosas. Primeiro, a consolidação das expectativas correntes de que o cientista social possui as soluções prontas para os problemas educacionais brasileiros. Segundo, a tendência a valorizar tipos de pesquisa divorciados de intuitos pragmáticos definidos, com alvos estritamente academicos, de conhecimento empírico ou de explicação teórica da realidade.

Além disso, é preciso acentuar uma linha de desenvolvimento que incentive a colaboração do cientista social com o educador. Para isso, seria conveniente criar certo entendimento comum, no plano do reconhecimento dos problemas educacionais brasileiros, do modo de estudá-los e da via mais adequada á busca de solução para eles. A formação tradicional dos educadores e dos cientistas sociais não favorece semelhante entrosamento. Por isso, impõe-se pensar em trabalhos comuns, que associem os esforços intelectuais de ambos a partir do estudo e tratamento dos problemas que se evidenciam no funcionamento das escolas. os alvos mais amplos poderão ser atingidos progressivamente, através de uma compreensão mutua mais madura e produtiva dos papéis intelectuais que cabem aos educadores e aos cientistas sociais em projetos de intervenção racional no controle de problemas educacionais.

Em suma, a comunicação constitui uma tentativa de definição de certas diretrizes, que devem animar os ajustamentos dos cientistas sociais e favorecer a compreensão, por parte deles, dos papéis e da responsabilidade com que devem arcar. No momento, reflexões dessa ordem se impõem como urgentes e necessarias. O cientista social é chamado para prestar uma contribuição que escapa ás limitações da "carreira academica" e que apresenta diversos dilemas. Daí a necessidade urgente de esclarecer-se, de modo cabal, o que lhe compete fazer e o que se poderá esperar de sua contribuição. Para o cientista social, tais definições também são importantes, como fonte de esclarecimento intelectual e como estímulo para a realização das tarefas que, até há pouco tempo, foram indevidamente subestimadas no âmbito do pensamento científico.

COOPERAÇÃO

Após a explanação, o prof. Florestan Fernandes ressaltou ainda a necessidade de colaboração entre os cientistas sociais e os educadores. Particularmente nos centros regionais, o problema não se coloca em termos de cooperação espontânea, mas de institucionalização das atividades interligadas aos dois campos, uma vez que toda ciência aplicada implica pesquisa previa.

Por outro lado, o dilema educacional brasileiro consiste na falta de recursos humanos e financeiros necessarios para que a educação cumpra seu papel propulsor das transformações sociais. Criam-se estabelecimentos de ensino superior que se vão desenvolvendo paulatinamente, mas quando precisam de maior soma de recursos não os encontram e regridem forçosamente.

DEBATES

Antes do inicio dos debates falou o prof. José Mario Pires Azanha que perguntou ao orador qual o conceito que este fazia de ciência aplicada e como isso estava expresso no contexto. Em resposta, o relator referiu-se ao papel meramente científico do cientista social e esclareceu a questão levantada.

O aproveitamento dos resultados positivos da descoberta cientifica foi discutido, a seguir, pelo prof. José Querino Ribeiro, o qual afirmou que os cientistas sociais são culpados porque não insistem nesse aproveitamento.

Por sua vez, o prof. Jorge Nagle perguntou se o uso do conceito de ciencia aplicada se relaciona com o produto dos conhecimentos científicos ou é uma mera difusão das características basicas da ciencia. Intervieram ainda no debate os profs. Dante Moreira Leite, Raja Nassa e Fernando Henrique Cardoso. Este ultimo afirmou que, em linhas gerais, o trabalho do prof. Fernandes resume-se na apreciação da intervenção racional na realidade.

INVESTIGAÇÃO PSICOLOGICA

Transcrevemos, a seguir, a exposição do prof. Dante Moreira Leite sobre o tema "A investigação psicológica em face dos problemas educacionais brasileiros", debatido ontem pela manhã no simpósio do CRPE:

"Procuramos indicar, nesta comunicação, que os resultados e os processos da investigação psicologica contemporânea não podem ser aplicados ou transpostos diretamente para as condições da escola brasileira. Muitas aplicações de conhecimento psicologicos supõem a solução de alguns problemas preliminares que, entre nós, mal começam agora a ser discutidos. De outro lado, procuramos indicar que essa observação, longe de invalidar ou contra-indicar o emprego de conhecimentos psicologicos, permite compreendê-lo numa outra perspectiva: os conhecimentos da ciencia contemporanea podem e devem ser empregados para corrigir ou orientar a solução de alguns problemas de nossa educação. Procuramos indicar, também, que muitas tentativas de intervenção cientifica obtiveram pequeno exito porque não levaram em conta nossas condições peculiares, ou não conseguiram utilizar, efetivamente, os conhecimentos científicos. Para procurar sugerir as principais aplicações do conhecimento cientifico, procuramos lembrar quais os pontos críticos de nossa situação educacional, nos diferentes níveis de ensino.

No caso do ensino primário, a sugestão apresentada indica a possibilidade de, através da utilização de alguns conhecimentos científicos basicos, conseguir uma consideravel economia de pessoal e instalações, de tal forma que, com recursos identicos, seja possível atender uma parcela maior da população.

Quanto ao ensino de nível medio, sugeriu-se que poderiamos tentar realizar trabalhos experimentais, a fim de conhecer qual o currículo mais adequado; além disso, sugeriu-se a necessidade de estimular a utilização da orientação educacional que se torna, atualmente, indispensavel.

Para o ensino normal, deu-se enfase á necessidade de encontrar meios que tornem mais "pratico" o ensino, procurando-se indicar que a "vitoria teorica" dos novos princípios educacionais tem sido ilusoria, na medida em que não corresponde a uma transformação no ensino.

Quanto ao ensino superior, limitamo-nos a indicar a solução mais adequada para a seleção entre os candidatos aos exames vestibulares – repetindo sugestões que têm sido feitas, por diferentes educadores, em varias oportunidades.

Como se observa dessas indicações, a contribuição da psicologia parece modesta – ainda que se imagine que analises mais minuciosas possam, efetivamente, apresentar outros aspectos significativos e talvez mais importantes. É que, efetivamente, nas ciências humanas – e sobretudo na psicologia – talvez a contribuição mais importante ainda não possa revelar-se em itens limitados ou precisamente indicados. Talvez mais importante seja uma preparação para enfrentar e compreender situações humanas. Além disso, as limitações da psicologia, no caso da educação brasileira, podem ser compreendidas se pensamos que muitos de nossos problemas educacionais não chegam ainda a ser psicológicos, e são sociais. Se é verdade que a educação tem sempre uma versão social e uma versão individual, é também verdade que ás vezes os problemas individuais de educação são os mais agudos, enquanto que, outras vezes, são mais importantes os problemas do grupo. Na vida norte-americana, por exemplo, não seria muito errado dizer que os problemas educacionais mais urgentes são os individuais (psicológicos) uma vez que a sociedade parece ter entrado em relativo equilíbrio, e as tensões mais intensas são então vividas pelo indivíduo, na sua tentativa de ajustar-se aos padrões vigentes. Se este processo é ou não sadio é problema filosofico e sociologo de grande interesse, mas não chega a tingir um nivel critico na discussão educacional. Nem por outra razão, evidentemente, a grande enfase da educação norte-americana refere-se a problemas individuais. No caso da educação brasileira, ao contrario, o ponto critico refere-se ás questões sociais. Então, a analise psicologica não perde interesse, nem se torna extemporanea, mas deve ser compreendida como auxiliar da solução social que se deve encontrar para os nossos problemas educacionais mais urgentes. A’ medida que conseguirmos mais expansão econômica e que se eleve o nivel de vida da população, veremos a necessidade de soluções caracteristicamente psicologicas. Finalmente, uma outra razão para a posição relativamente secundaria da investigação psicologica no Brasil ou de sua influencia menor na educação pode ser explicada pelo fato de que os problemas psicológicos – tais como os compreendemos na ciencia contemporanea – são, nitidamente, resultantes das condições urbanas de vida. E’ na cidade, sobretudo na grande cidade, que se propõem os problemas de conflitos interiores, provavelmente resultantes dos conflitos de padrões que o indivíduo encontra em seu ambiente. No caso do Brasil, é possível dizer que, atualmente apenas nas suas areas metropolitanas encontramos, em toda a sua intensidade, a existência de tais problemas".

ALIENAÇÃO

Disse ainda o relator que se verifica uma verdadeira alienação dos cientistas e intelectuais brasileiros, que adotam instrumentos estrangeiros e se preocupam com problemas alheios á realidade nacional.

O debatedor Raja Nassar disse, em seguida, que o trabalho apresentado não correspondeu ao tema e que, por outro lado, discorda do desenvolvimento da exposição e que os quatro problemas apontados sejam realmente os mais importantes nesses setor.

Após o debatedor falaram ainda os professores Fernando Henrique, José Querino Ribeiro e dois bolsistas latino-americanos que se encontravam presentes.

SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO

O ultimo tema debatido no período da manhã foi o exposto pelo prof. Renato Jardim Moreira sobre "A investigação sociológica em face dos problemas educacionais brasileiros". Foi o seguinte o seu trabalho:

O conhecimento existente da realidade educacional brasileira, ponto de partida para a investigação cientifica de seus problemas, é principalmente de natureza estatistica. Numa categoria á parte não menos importante, podem ser considerados os estudos de carater interpretativo dos dados coligidos e divulgados pelas agenciais estatisticas. As ciencias sociais só esporadicamente se preocuparam com a investigação de problemas educacionais – as obras existentes nesse campo são antes resultados de formulações teoricas que elaborações de investigação empirica. Só recentemente, a organização do Centro Brasileiro e dos Centros Regionais de Pesquisas Educacionais com a intenção de unir educação e ciencias sociais propôs, de um modo sistematico e até institucional, a investigação social de temas educacionais.

Essa vinculação da pesquisa social a problemas educacionais, numa entidade cujo objetivo fundamental é realizar os estudos e pesquisas que sirvam a um programa de reconstrução educacional do País, tende a marcar de um modo decisivo as características da investigação social de problemas educacionais. Ainda é cedo para se perceber essas caracteristicas, claramente, a partir da análise dos trabalhos realizados ou em andamento nesses Centros. Por isso se analisou, inicialmente, a natureza do conhecimento existente sobre a realidade educacional, condição para o desenvolvimento de um programa de pesquisa. A partir dessa análise se propôs a forma que investigação social, se ainda não assumiu, acabará por realizar decisivamente, para atender a essa condição e os seus próprios fins.

ENSINO PRIMARIO

O debatedor, prof. Jorge Nagle, referiu-se ao papel do levantamento do ensino primário mencionado pelo relator, a atividade do CRPE e á interdependencia entre a pesquisa pedagogica e a sociologia. Já nos debates, o prof. Floresen Fernandes encareceu a necessidade da realização de um balanço dos problemas existentes no setor educacional a fim de se saber qual a sua natureza e como podem ser investigados.

A QUESTÃO DOS VALORES

Os trabalhos do simpósio foram reiniciados á tarde, por volta das 14 horas com a exposição do tema "O problema dos valores da formação e no funcionamento do sistema educacional brasileiro" – que transcrevemos a seguir: – pelo prof. João Eduardo Vilalobos. Foram estas as palavras do relator:

"Os pedagogos e filósofos da educação de todas as épocas têm tomado, em relação aos ideais pedagogicos, duas atitudes fundamentalmente opostas: de um lado colocam-se os "idealistas", que afirmam a existencia de valores absolutos que devem ser preservados e transmitidos pela escola. Esta atitude acarreta quase que inevitavelmente o divorcio entre o tipo de homem que se procura moldar e as condições objetivas do meio em que irá atuar e limita os benefícios da educação ás elites sociais. De outro lado, colocam-se os "realistas", que desejam uma escola adaptada ás condições do dever histórico e que favoreça a mudança e o progresso.

Na vanguarda da posição realista encontramos aqueles que vêem na ciencia o melhor meio de que dispomos para discernir os valores que devem servir á escola e determinar os fins da educação. Esta forma de realismo cientifico, todavia, traz serias dificuldades quando colocamos em tela o problema dos valores, pois qualquer que seja o campo da atividade humana que a ciência se disponha a dirigir, ela propria será dirigida por opções éticas fundamentais O plano ético não decorre do plano cientifico, mas impõem-se a ele, pois é a comunicação entre a dimensão científica e ética que permite á ciencia assumir uma responsabilidade social que de fato nunca teve.

Educar, para a civilização cientifica, seria, em ultima analise, procurar a harmonia entre o saber e o querer, entre os meios proporcionados pela ciencia e os fins propostos pela ética.

Os filósofos da educação têm nutrido dois ideais pedagógicos diversos: de um lado, os defensores de uma educação heterônoma, que se impõe de fora, que procura compulsoriamente formar um determinado tipo de homem. Educação própria dos países totalitários, nos quais se verifica a estabilidade das classes sociais e que contribui para a manutenção do "status quo". De outro lado, colocam-se os defensores de uma educação autonoma, que visa a realização de todas as potencialidades fisicas ou espirituais do educando. Este ideal educativo só começou a tornar-se exequivel a partir das profundas alterações sociais economicas e politicas que marcaram o advento do mundo moderno. Realizada a forma democratica de estado ou estando em vias de realizar-se, reunem-se então as condições basicas para a aplicação deste tipo de pedagogia.

Com o advento da burguesia criou-se o estado liberal que procurou o tipo de educação adequada á nova ordem social. Todavia, as doutrinas liberais e sua aplicação a todos os campos da atividade social criaram inevitáveis contradições. O liberalismo teoricamente procurava desconhecer as diferenças de classe e pregava a tolerancia religiosa, mas, na pratica, sempre repudiou as tentativas do poder publico no sentido de promover a igualdade, pois via na intervenção estatal a negação da liberdade. O liberalismo não percebeu que sem igualdade não pode haver liberdade. A despeito de todas as filosofias, a educação para liberdade era ainda pouco mais do que um sonho, pois o mundo não estava ainda preparado para a igualdade.

A escola publica é a grande conquista do século XIX. E’ fruto da consciência, por parte das nações civilizadas, de que a tarefa educativa é o primeiro dever do estado democratico, e no momento em que os governos tomam a si a responsabilidade da instrução, arregimentam-se contra a intervenção igualitaria, e, em nome dos princípios liberais, todos os interessados na manutenção da ordem vigente. O movimento liberal, hoje conservador, volta-se contra a escola publica, por pressentir o papel revolucionario que ela pode desempenhar por permitir a ascensão social e politica de amplas camadas populares. A escola publica é também a escola leiga, e por isso volta-se contra ela também a Igreja Catolica.

Desde que a Companhia de Jesus deteve em suas mãos o monopólio do ensino no período colonial até sua expulsão em 1759, analisar os valores que nortearam a educação nesse período é analisar os motivos que nortearam a atividade pedagogica dos jesuitas. Consideraremos de um lado a ideologia da Companhia e de outro a realidade brasileira na qual atuou.

A Companhia de Jesus apareceu no século XVI, como um dos principais instrumentos da Contra-Reforma. A cultura iberica que os jesuitas trouxeram ao Brasil, inspirada pelos valores que a Igreja Catolica procurava conservar, opunha-se aos movimentos renovadores que empolgavam a Europa. Com essa bagagem ideologica iniciaram os jesuitas sua obra educativa no Brasil, tornando-se "autenticos agentes europeus de desintegração de valores nativos" servindo Portugal e a Igreja. Colonizavam a terra e os espíritos. Transmitindo os ideais de uma cultura fechada ás conquistas do novo pensamento europeu, marcaram a educação nacional com o gosto pelas letras classicas e pela retorica, bem como com a valorização da atividade intelectual divorciada das necessidades praticas. Sua atenção voltava-se para a educação das classes dirigentes. Servindo á sociedade latifundiaria, contribuiram os jesuitas para que se criasse o desprezo por qualquer tipo de atividade produtiva e para a formação de uma elite urbana, distante das camadas populares e de suas necessidades. Apesar da atividade jesuistica, a instrução era escassissima. Em 1759 foram expulsos os jesuitas, mas isso não alterou substancialmente a nossa tradição escolar, pois não verificou-se nenhuma alteração na realidade social e economica que justificasse modificações no sistema educacional e nos valores que o informavam. Com a chegada da família real, criaram-se escolas técnicas, mas nada foi feito em prol da educação popular, apesar de que a abertura dessas escolas representou a primeira brecha aberta na tradição humanistica e retorica do sistema escolar brasileiro.

Durante o Império a situação não foi mais alentadora. As medidas tomadas pelo governo no tocante á instrução publica não só não desenvolveram a educação popular, como algumas impediam manifestamente esse desenvolvimento, como a lei de 20/10/1823, que suprimia os privilégios do Estado no setor educacional. O Ato Adicional de 1834 incumbia ás provincias de organizar o ensino primario e secundario e reservava á União a administração do ensino superior em todo o País e a organização escolar do municipio neutro. A União abandonava pois a educação á sua própria sorte. Em 1867 apenas 10% da população escolar frequentava o ensino primário. Em 1865, para quase 5.000 alunos – de 20% frequentava estabelecimentos oficiais, o resto frequentava escolas particulares. Desta forma o acesso às escolas superiores e reservava-se quase que exclusivamente aos que dispunham de recursos para pagar a instrução.

As reformas liberais de Leoncio de Carvalho, considerando a situação vigente na época, constituiram um progresso. Bem como a abertura de escolas leigas, que introduziram novas materias, rompendo com a tradição clássica, que dominava nosso ensino. Outro fato importante foi o aparecimento das primeiras escolas protestantes, que se opunham em quase todos os aspectos á mentalidade catolico-conservadora e que entre outras coisas introduziram a co-educação dos sexos desde 1871. A historia da educação na republica é a história das lutas que se travaram e que se travam ainda entre o espírito novo progressista e democratico e o espírito conservador. Até a revolução de 1930 a política educacional continuava sendo dirigida pelo espírito tradicionalista. As reformas de Benjamim Constant pouca repercussão tiveram. O 1.º golpe dado no monopolio espiritual da Igreja foi dado pela constituição de 1891 que laiciza os estabelecimentos escolares publicos. Se bem que do ponto de vista pratico pouca repercussão houve. O principio federativo descentralizador não permitia alterações sensiveis no panorama educacional. A Republica velha não conheceu nenhum plano geral e organico de educação. O numero reduzido de escolas secundarias oficiais tornava o curso superior privilegio de uma elite economica e a Lei Organica de 1911 só veio favorecer a empresa particular de ensino. A mentalidade oficial brasileira não sofrera modificações muito sensiveis. O advento significativo da 1.ª fase da Republica foi a reforma do ensino primario e normal. Aos poucos, todavia, foi se modificando a realidade nacional e isto repercutiu no sistema educacional brasileiro. A reforma realizada no Distrito Federal em 1928 é uma consequencia direta da nova realidade. O Manifesto dos Pioneiros é o resultado da consciencia de educadores que viam na educação o 1.º dever do estado democrático. Um dos acontecimentos mais decisivos para a vida cultural do País foi a criação de suas primeiras universidades particularmente a de S. Paulo. Na Faculdade de Filosofia, Ciencias Letras, repousavam as esperanças na formação de uma elite culta e de um corpo de professores secundários eficientes. O poder publico sentia-se forçado a cuidar da educação e a Constituição de 1934 determinava que a união devia fixar as diretrizes e bases da educação nacional, o mesmo aparecendo na Constituição de 1946.

Apreciação geral da realidade presente: Marchamos evidentemente para um tipo de estado autenticamente democratico e isto é evidenciado pela expansão da rêde das escolas publicas. Contra essa democratização todavia arregimentavam-se as forças interessadas em conservar um triste passado: a Faculdade Católica por exemplo".

Debateram a exposição os professores Fernando Henrique Cardoso e Mario Casassanta. Abordou-se na ocasião o problema da escola como fator revolucionario ao mesmo tempo que reflete as mudanças causadas por modificações na sociedade.

PROBLEMAS ADMINISTRATIVOS

De acordo com o programa elaborado deveria falar a seguir o prof. José Querino Ribeiro.

A exposição do prof. José Querino Ribeiro sobre "O problema da administração na formação e no funcionamento do sistema educacional brasileiro" foi a seguinte:

RESUMO

"A administração é um complexo de processos que se aplicam para conduzir bem os empreendimentos sociais dependentes da divisão do trabalho.

O problema da Administração não existe a não ser em função de certa Filosofia e certa Política de Educação. Enquanto estas não forem clara e extensamente formuladas não haverá questão administrativa a propor-se.

Por outro lado, além desses elementos ideais da filosofia e da política da ação, os problemas de administração só aparecem quando o empreendedor toma consciência da necessidade de alto rendimento da empresa, em função dos riscos corridos pelo vulto dos interesses humanos, materiais e técnicos em jogo no empreendimento.

A Administração Escolar é um caso particular da Administração Geral – aquela em que o empreendimento a que se aplica se define pelos objetivos de instrução programada e sistematica.

No caso brasileiro, os problemas da Administração Escolar não podem ainda ser formulados satisfatoriamente porque:

    1. – Não temos firmadas as linhas de Filosofia e Politica de Educação em função das realidades novas que se estão precipitando, isto é, falta-nos ainda o sentido preciso do nosso sistema escolar.
    2. – Até um passado recente, a escola brasileira foi um empreendimento tão pequeno e simples que não criou a consciencia da necessidade de alto rendimento, nem tradições de preocupação com o ensino.
    3. – A escola como empreendimento nacional significativo só recentemente está sendo considerada no Brasil, como resultado do progresso geral de que a nossa escola tem sido, como em toda parte, mais consequencia do que determinante.

A perspectiva da nova sociedade brasileira faz prover a proxima necessidade de administrar grandes e pequenos empreendimentos escolares (inclusive os de iniciativa privada) de modo que atendam ás pressões de alto rendimento para a cabal democratização do ensino. Ela favorecerá a procura de administradores qualificados que, por sua vez, porão á prova a formação que tiveram e constituirão os melhores elementos para critica e reajuste dos atuais cursos para sua preparação. A função de administrador escolar irá sendo naturalmente valorizada e a abertura de "canais sociais" para os que se prepararem para ela criará em consequencia uma procura maior da profissão e um desenvolvimento cada vez melhor de seu estudo.

A escola brasileira dos próximos anos irá perdendo paulatinamente as marcas que a dominam – ornamento de elite, oportunidade de emprego eleitoral, instrumento de demagogia, próprias estas de nossas "tradições" recentes e de nossas vicissitudes atuais.

Quando uma Administração Escolar moderna fôr instrumentalizada completamente a serviço de nossos proximos lideres educacionais renovadamente esclarecidos, teremos então possibilidade de realizar uma escola democrática como a sociedade nova que vem aí e exigirá, em seu verdadeiro sentido integral – político e econômico, ou seja, a democracia social de que fala Max Adler e que Nicholas Hans esboça tão bem em estudos recentes.

No curso de nossa historia e no passado recente, a Administração Escolar só poderá contribuir para a analise do nosso sistema de escolas, em termos negativos, isto é, como indice dos erros e vicios de nossa Filosofia e Politica de Educação, na parte que cabe á escola desempenhar.

Em conclusão: a Administração Escolar como um dos modernos instrumentos de utilização para a transformação social, na parte que cabe á escola, fará no Brasil, dentro do quadro de consequencia, para ás quais nos vamos dirigindo pela via da industrialização e da urbanização uma "Nova Escola", estruturada em amplitude nacional de sistema, visando á totalidade da população e não a antiga "Escola Nova" já superada, de experiencia com pequenos grupos, visando mais as tecnicas de base do que os objetivos de um povo".

OBSCURANTISMO

O debatedor Milton da Silva Rodrigues atacou a "política obscurantista" responsável pela criação de grande numero de más escolas, sem instalações e sem o menor aparelhamento, apenas para atendimento de interesses politico-eleitorais. Defendeu, por outro lado, a participação mais intensa dos profissionais do ensino na organização e na administração das escolas. Concluindo, dirigiu três perguntas ao relator sobre a existencia ou não em outros países dos mesmos problemas e sobre a maneira pela qual foram resolvidos em outros centros.

Os demais presentes que participaram dos debates referiram-se especificamente á justeza ou não da instalação de escolas mal-aparelhadas e sobre a participação do professor e do educador na administração das casas de ensino.

HOJE E AMANHÃ

Os trabalhos, encerrados ontem por volta das 17 horas, deverão reiniciar-se ás 9 horas de hoje com a exposição do prof. Carlos Correa Mascaro sobre "O custeio da educação e a utilização de recursos para as reformas educacionais". Ainda hoje serão discutidos os seguintes temas: "Rendimento e deficiencias do ensino primario brasileiro" – relator, prof. Luiz Pereira; "Rendimento e deficiencias do ensino secundario brasileiro", relator, prof. Raja Nassar, debatedor, prof. Florestan Fernandes; "Rendimento e deficiencias do ensino tecnico-profissional brasileiro", relator, prof. Moyseés Brejon, relator, prof. Luiz Pereira; "Problemas atuais na organização do ensino universitario no Brasil", relator, prof. Milton da Silva Rodrigues, debatedor, Laerte Ramos de Carvalho; "Os problemas profissionais e humanos do professor", relator, Joel Martins.

Amanhã, dia do encerramento do simposio serão debatidos os seguintes assuntos: ás 9 horas: "Conservantismo e inovação na evolução das instituições educacionais"; relator, Fernando de Azevedo; o debatedor ainda não foi escolhido; ás 10 e 10: "Necessidades educacionais de areas em expansão democratica da sociedade brasileira"; relator, Douglas Teixeira Monteiro; debatedor, Gioconda Mussolini; ás 11 e 20: "A integração da escola em pequenas comunidades rurais do Brasil"; relator, Gioconda Mussolini; debatedor, Douglas Teixeira Monteiro; ás 14 horas: "A escola teuto-brasileira e a assimilação de imigrantes alemães e seus descendentes", relator, Egon Schaden; debatedor, Ruth Correa Leite Cardoso; ás 15 e 10: "Necessidades educacionais de areas em urbanização ou metropolitanas da sociedade brasileira", relator, José Querino Ribeiro; ás 16 e 20: "As exigencias educacionais da industrialização"; relatores, Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni; debatedor, Bertram Hutchinson.

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