BARRETO, Plinio. Da educação. O Estado de São Paulo. São Paulo, 30 jun. 1957.

Bilhetes avulsos

DA EDUCAÇÃO

PLÍNIO BARRETO

ÃO há problema mais sério para uma democracia que o da educação. Democracia sem educação é uma calamidade. Mas como deve ser feita a educação - em sentido geral ou em sentido particular? Deve ser reduzida a uma classe ou deve ser estendida a todo o povo? Se a democracia é o governo do povo pelo povo e para o povo claro está que a educação deve ser generalizada.

O sr. Anísio Teixeira, uma das maiores autoridades no assunto, sustenta que a "educação não é privilégio" (Liv. José Olympio Ed.) desta ou daquela classe. O sistema escolar brasileiro deverá ser contínuo e público com uma escola primária de seis anos, uma escola média de sete ou cinco, conforme incorporasse, ou não, os dois anos complementares da escola primária de seis, o colégio universitário e o ensino superior. Dever-se-ia cuidar também de evitar que continuassem estanques ou sem oportunidades de equivalência e transferências as escolas de grau médio com caráter especializado profissional, qualquer que fôsse. É categórica a condenação que faz dos cursos de alfabetização e dos períodos curtos de ensino nas escolas primárias.

Parece que a razão está com ele. Mas os partidários da alfabetização e dos cursos breves têm por si as dificuldades financeiras. Sem dinheiro não há como fazer escolas e pagar o professorado. Ora, menos nocivo será para a coletividade que, em condições tais, se estabeleçam cursos de alfabetização de grande número de crianças do que a sua exclusão irremediável dos centros de ensino. Os alfabetizados, por sumária que seja a sua instrução, serão sempre mais interessantes para a coletividade que os analfabetos integrais.

As democracias sendo, como são, regimes de igualdade social e povos unificados, isto é, com igualdades de direitos individuais e sistema de governo de sufrágio universal, observa o ilustre professor, não podem prescindir de uma sólida educação comum a ser dada na escola primária, de currículo completo e dia letivo integral, destinada a preparar o cidadão nacional e o trabalhador ainda não qualificado e além disso estabelecer a base igualitária, de oportunidades de onde irão partir todos, sem limitações hereditárias ou quaisquer outras, para os múltiplos e diversos tipos de educação semi-especializada e especializada ulteriores á educação primária. Em alguns países até a educação média, imediatamente posterior á primária, já se está tornando também comum e básica. Um dia havemos de chegar até lá. Mas enquanto não chegamos pensemos na educação primária como obrigatória e gratuita. Essa educação já não pode ficar circunscrita á alfabetização ou á transmissão mecânica das três técnicas básicas da vida civilizada - ler, escrever e contar. A escola primária tem que ser a escola por excelência formadora. Sobretudo porque não estamos em condições de oferecer a toda a população mais do que ela. Não pode ser por isso uma escola de tempo parcial. A escola primária, visando acima de tudo a formação de hábitos de trabalho de convivência social, de reflexão intelectual, de gosto e de consciência, não pode limitar as suas atividades a menos que o dia completo. Devem e precisam ser de tempo integral para os alunos e servidas por professores também de tempo integral.

Tudo isso está certo. Mas é preciso evitar, com a obsessão da escola comum, que o ensino das elites venha a ser sacrificado. Se em uma democracia o ensino primário deve ser comum, completo e gratuito, não deve ser esquecida, também, a cultura superior. Tanto as massas reclamam instrução como direção. Ora, a direção deve caber sempre ás classes que apuraram a sua cultura. Não pode ser confiada apenas ás massas mais ou menos instruídas.

Este ponto não me pareceu bem assinalado nas conferências do prof. Anísio Teixeira. Tive, por vezes, a impressão, lendo-lhe os trabalhos sobre o assunto, que ele não dá ao preparo das elites a importância que dá ao primário. Ora, a mim me parece que o analfabetismo das massas, no Brasil, tem sido menos pernicioso para a coletividade que a falta de preparo das massas superiores. O sufrágio universal, por exemplo, tem provocado tantas decepções devido á ignorância do eleitorado. Os eleitos raramente representam as elites intelectuais e raramente se mostram preparados para a tarefa de conduzir as massas. Daí o domínio freqüente das formas demagógicas e o retrocesso contínuo das nossas atividades políticas e administrativas. Caminhemos para a difusão do ensino primário com tempo integral e pelo período de seis anos, como quer o sr. Anísio Teixeira, mas não nos esqueçamos de facilitar as culturas das classes dirigentes. Preparemos as nossas elites para a missão que lhes cabe se não quisermos ver retardada a marcha da nossa democracia muito embora maior difusão consigamos dar ao ensino primário. Tão errados andam, a meu ver, os que só cuidam das elites como os que só se preocupam com as massas.

O sr. Anísio Teixeira trata do assunto com larga experiência e com indiscutível bom-senso. As suas idéias não podem ser desprezadas pelo legislador, quando tiver de traçar as diretrizes da educação nacional em desempenho da tarefa que a Constituição lhe cometeu. Reputo por esse motivo de grande utilidade a publicação das conferências a que deu o título - "Educação não é privilégio". Não é realmente, nem pode ser. Mas continuará privilégio se não combatermos com eficiência a enorme multidão de analfabetos que nos envergonha e se não dermos ás elites a cultura indispensável para que sejam, realmente, as orientadoras das massas. A verdade é, repetimos, que nem temos o ensino primário como precisamos tê-lo nem oferecemos ás nossa elites as possibilidades de cultura que lhes devem ser franqueadas. Em matéria de ensino é muito mais o que temos que fazer do que aquilo que já fizemos.

| Articles from newspapers and magazines | Interviews |