GOUVEIA NETO, Hermano. Crise da educação - somos todos culpados. A Tarde. Salvador, 1 dez. 1990.

Crise da educação - somos todos culpados

Hermano Gouveia Neto

Tinha razão o meu saudoso amigo Prof. Hermes Lima, quando em 1960 afirmou: "Pode-se dizer que Anísio acredita no homem, nas suas possibilidades de mudar, de reconstruir, de refazer e de pensar".

Refletindo as suas palavras, neste ano de 1990, parece chegarmos à conclusão de que ninguém acredita mais na educação, pois nem nos homens ninguém está acreditando mais, principalmente aqueles que se propõem a nos governar, canditatando-se aos cargos do Executivo e aos mandatos populares. Nas últimas eleições, os votos nulos, os votos em branco e as abstenções ainda não foram devidamente explicados pelos nossos sociólogos e politicólogos!

Ninguém pense que a grave crise educacional que estamos atravessando é um problema dos nossos dias. Ela é conseqüência de muitos erros que estão sendo cometidos e repetidos, já há alguns anos. Daí a nossa tese: o que acontece hoje em educação foi causado ontem. Os erros que estivermos cometendo hoje, somente amanhã saberemos das suas conseqüências.

Anísio Teixeira, o filósofo da educação brasileira, jamais nos fez tanta falta como agora. Ele sempre nos alertou sobre o futuro da nossa educação. Numa das cartas que me escreveu, Anísio Teixeira dizia: "Fui um inconformado com a lentidão nacional em se aperceber de que a educação não pode mais ser bem de poucos, nem apenas de muitos, mas de cada um. E sua reação, à teimosia de minha voz, dá-me o conforto de sentir que as idéias a que procurei servir continuarão a ser servidas... e talvez, afinal, definitivamente implantadas, como raízes, para o muito que se tem ainda de pensar e descobrir...".

Diante da crise que estamos enfrentando, outro caminho não há a seguir. Precisamos analisar as advertências que nos fizeram os grandes educadores brasileiros. Não só Anísio Teixeira como tantos outros grandes educadores souberam analisar e propor novos rumos para a educação, transformando a chamada Escola Antiga na chamada Educação Nova. Acontece que a escola nova terminou ficando velha, esperando que os mais novos criassem a Escola Novíssima. Do que precisamos, agora, é criar a Escola Atual, plenamente identificada com o seu tempo e com o seu meio, de uma escola que não seja legalmente padronizada, copiada, sem levar em consideração as diversidades regionais, deste "conturbado, mas, apesar de tudo, esperançoso Brasil".

Para aprovação no Congresso Nacional se encontra o novo projeto atualizando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Pouco se conhece a respeito da sua redação, do memo modo como não foi amplamente debatido entre os técnicos e estudiosos da educação. Até que ponto a nova Lei de Diretrizes e Bases estará identificada com a nossa realidade educacional de hoje? Haverá vontade política dos governos para pôr em prática os dispositivos legais? A lei por

si só não basta, pois, se não posta em prática, alguns anos depois já não atende às necessidades reais nem às mudanças exigidas pela realidade social.

Voltando às palavras de Hermes Lima sobre Anísio Teixeira, precisamos mais do que nunca voltar a acreditar nos homens. Não se podendo acreditar em todos, podemos estar ao lado daqueles que merecem a nossa confiança, os que acreditam no Brasil de amanhã e contribuem para diminuir o pessimismo de muitos, os que ainda não perderam o ideal, os que trilham o caminho da honradez e da lealdade.

Reconstruir a nossa educação não é mais um tema para discussão, por ser uma realidade por todos reconhecida e proclamada. A obra de reconstrução será uma obra de engenharia pedagógica, a começar pelos alicerces, pois ao que tudo indica, brevemente teremos a implosão do sistema que está aí. Precisamos refazer quase tudo, começando por cada sala de aula, com novos métodos e novas técnicas de ensino, onde os professores voltem a ensinar e os alunos voltem a aprender o efetivamente necessário e indispensável.

Precisamos pensar a nossa nova educação, nós os educadores, professores e técnicos, nós as comunidades a que as novas escolas devam servir, nós os governos, os maiores responsáveis pelo destino da educação, em todas as escolas, em todos os graus e formas de ensino. Pensar com seriedade, sem visar outros interesses e tendo como preocupação o futuro das nossas crianças, que representam o Brasil de amanhã.

Precisamos pensar, sim. Todos juntos, admitindo que somos todos culpados pela situação a que chegamos.

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Hermano Gouveia Neto é professor e membro da Academia Bahiana de Educação

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