SILVEIRA, Joel. O crime de Anísio. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 18 abr. 1958.

Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATj61

O CRIME DE ANÍSIO

Joel Silveira

CONTAM-SE às dezenas os incompetentes que chefiam cargos públicos, alguns da maior importância. Não só incompetentes, mas, também gente de padrão intelectual o mais baixo. Para não falar na récua de sibaritas que se grudam aos gordos empregos, sem dar nada de si, e que nêles ficam a desfrutar um ramerrão improdutivo e complacente. Contra essa gente é que se deveria voltar a ofensiva daqueles que periódicamente se mostram tão ciosos da coisa pública, do seu melhor rendimento e da sua melhor pureza. Mas tal não acontece. Sibaritas, incompetentes e calhordas não são incomodados, porque, por seu lado, não incomodam ninguém. Querem apenas comer - comer calados, antecipadamente rendidos, sem <<criar caso>>, como bois na engorda.

Êsse, positivamente, não é o caso de Anísio Teixeira. Manipulando verbas que somam milhões, Anísio poderia, sem dúvida alguma, anular-se de tal maneira a ponto de garantir a perenidade do seu emprêgo. Bastaria que o pedagogo por excelência, dono de um programa e a serviço de uma política educacional, cedesse lugar ao politiqueiro sem voz nem idéia, e passasse a servir-se dos poderes e dos recursos do seu cargo para satisfazer interêsses mesquinhos, sopitar ambições no nascedouro, satisfazer a fome dos insaciáveis comedores de verbas e servir sem protesto à politicalha que lhe bate à porta. Nada disso êle faz, nunca o fêz. É, portanto, um homem condenado.

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O que vale é que, na vida de Anísio Teixeira, a luta tem sido uma constante. O soldado da Educação é <<pracinha>> experiementado em muitas trincheiras. As trincheiras têm sido várias, mas a luta é uma só: o que Anísio Teixeira vem tentando dar ao país são métodos de ensino racionais e objetivos, através dos quais a imensa maioria da infância e da juventude brasileira consiga chegar aos bancos escolares. Enquanto os esforços de certa política engajada, servida por um pouco de dinheiro particular e por gordas subvenções oficiais, concentram-se em disseminar pelo pais universidades e escolas superiores que sirvam à minoria que já aprendeu a ler, e em dar a essa minoria as características da <<elite dirigente>> de amanhã, enquanto isso Anísio Teixeira se volta para as populações marginais do país e é entre elas que vai espalhar, como quem planta a horta de amanhã, as humildes escolas do INEP.

Há quem pense que é melhor para o Brasil continuar assim como está - dócil rebanho de analfabetos, cegos e desprevinidos, levados por sapientíssimos cajados de <<kultur>> de exceção. Assim pensam os espertos e capciosos sabichões da <<elite>>, donos de um sistema de vida que êles próprios construiram para servir a êles mesmos, e cujos horizontes se apertam entre o reacionarismo mais teimoso e a hipocrisia mais untuosa.

Êste o crime de Anísio Teixeira, quer êle ensinar a ler não a centenas, mas a milhões. Crime nefando. Fogueira com êle.

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