SCHERER, Dom Vicente. Contra a exclusividade do ensino oficial: Memorial dos Bispos Gaúchos ao Presidente. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 11 abr. 1958.

Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATj61

    1. S. do Sul

CONTRA A EXCLUSIVIDADE DO ENSINO OFICIAL: MEMORIAL DOS BISPOS GAÚCHOS AO PRESIDENTE

Pôrto Alegre, 10 (JB) - Dizendo que as autoridades federais pretendem fazer "a revolução social através das escolas", Dom Vicente Scherer, Arcebispo desta Capital e todos os Bispos gaúchos enviram ao Presidente da República memorial em que expõem o ponto de vista da Igreja sôbre "a instalação exclusiva do ensino oficial no País".

É o seguinte o memorial:

"O Arcebispo Metropolitamo e os Bispos da Província Eclesiástica de Pôrto Alegre pedem vênia a Vossa Excelência para representar acêrca das gravíssimas conseqüências que, com repercussão sôbre tôda a vida nacional, advirão da insistência com que orgãos do Govêrno Federal propugnam a implantação exclusiva de sistemas de ensino oficiais em todo o País, do mesmo passo que hostilizavam, e sem tréguas, a iniciativa particular nesse mesmo campo de atividade.

I

Essa atitude de orgãos do Govêrno Federal discrepa nitidamente dos princípios adotados a respeito pela Constituição Federal.

A Constituição, se declara que "a educação é direito de todos" (art. 166), declara também que "será dado no lar e na escola" (art.166) e, por igual sublinha que "o ensino dos diferentes ramos é livre à iniciativa particular, respeitada as leis que o regule (art.157)".

A mesma Constituição reconhece a insuficiência dos sistemas oficiais de ensino, dispondo sejam "as emprêsas industriais e comerciais, em que trabalhem mais de cem pessoas… obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos dêstes (art. 168, III). Tendo em atenção a mesma insuficiência do ensino oficial, já agora no plano do ensino técnico-profissional, a Constituição, ainda, prescreve que "as emprêsas industriais e comerciais são obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabahadores menores, pela forma que a lei estabelecer" (art. 168, IV). A mesma insuficiência, enfim, do ensino oficial é causa de que, no texto constitucional, se estenda a garantia de vitaliciedade aos professôres do ensino superior livre (art. 168, VI). Essa garantia, peculiar ao cargo público e, dirigida contra possíveis atos do arbítrio do Poder Legislativo e do Poder Executivo, só se compreende seja estendida aos estabelecimentos particulares, tendo-se em consideração a manifesta e tradicional predominância dêstes últimos na organização permanente do nosso ensino superior.

E, se assim é, se a mesma Constituição da República não só proclama a liberdade de ensino em todos os ramos (art. 166 e 167), como reconhece a insuficiêcia da iniciativa oficial para assegurar a todos, de modo efetivo, o direito à educação ( art. 166) - por discrepante da Constituição se há de ter a atitude daqueles orgãos governamentais que se orientam contra êsses princípios, ao rumo de crescente limitação coercitiva do ensino privado, guerreando-o, e êste, como adverso aos interêsses nacionais.

II

A idéia de que todo o ensino deve emanar do Estado não é nova, mas é certamente alheia à tradição brasileira e à mesma Constituição do País.

Na "República" de Platão, na "Civitas Solis" de Campanela, na "Nova Atlantis" de Bacon, não é difícil descobrirem-se antecedentes, mais ou menos definidos, ainda que nascidos de divagações de fantasia, para o princípio que se pretende impor ao nosso País. Trágico, porém, é que, fora das concepções utópicas dos filósofos, a idéia, cuja realização se persegue, entre nós, com tal pertinácia, é, já hoje, um dos postulados do socialismo militante e, em têrmos de execução, preparação necessária à gradativa implantação dêste. Escreveu, a propósito, um destacado escritor nacional: "Os extremistas pretendem que só pela desaparição dos elementos constitutivos das classes se poderá realizar a unidade dos tipos de escolas. A escola única só se faria como conseqüência. Seria improfícuo tentar-se a acessibilidade da escola por tôda a população, e a unidade de escola, antes de se nivelarem, violentamente, todos. A revolução, causa; a escola, efeito. Fora daí, tudo seria ilusório. Não é isso que pensam os socialistas. Querem a escola única como preparatóira e executora da Revolução social". (Pontes de Miranda, Direito à Educação, Rio de Janeiro, 1933, pág. 84).

Tal é o que prega abertamente entre nós, o Professor Anísio Teixeira, com a qualidade e responsabilidade de Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) e de Secretário Geral da Campanha Nacional de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Ainda que inculque não advogar "o monopólio da educação pelo Estado (Educação não é privilégio, Rio de Janeiro, 1957, pág. 114), - o que não admira, porque o socialismo, em suas correntes predominantes não é estatista - o Professor Anísio Teixeira espera da escola pública ou comum, que tão ardentemente preconiza, os mesmos resultados pré-revolucionários, previstos com ansiosa expectativa, pela doutrina socialista.

"Exatamente - escreve o Professor Anísio Teixeira - porque a sociedade é de classes é que se faz ainda mais necessário que as mesmas se encontrem em algum lugar comum, onde os preconceitos e as diferenças não sejam levados em conta e se crie a camaradagem e até a amizade entre os elementos de uma ou de outra" (Educação não é privilégio, cit., pág. 114 e 115). Tal conceito foi literalmente reproduzido pelo Professor Anísio Teixeira, em entrevista publicada na imprensa do País ("Correio do Povo" e "Diário de Notícias", de Pôrto Alegre, de 28 de fevereiro de 1958), com a qual o mesmo professor entendeu de replicar a discurso, ao propósito, pronunciado pelo arcebispo metropolitano de Pôrto Alegre.

Nenhuma dúvida pode haver acêrca da orientação, nesse respeito, do Professor Anísio Teixeira. A sua escola pública ou comum é também oficial e única. "A escola primária seria uma só, administrada na ordem municipal e organizada pelo Estado, dentro das bases e diretrizes federais, e as escolas médias e superiores teriam instituições com administração autônoma, a maneira de autarquias também organizadas pelos Estados e sujeitas aos princípios da lei federal". (A Municipalização do Ensino Primário. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 27, n. 66, 1957, pág. 24). O endereço político social da escola oficial, pública ou comum é, à sua vez, segundo o Professor Anísio Teixera, o de preparar o povo para as reivindicações sociais.

Sinala êle, expressivamente, o seu pensamento ao ensêjo: "Reivindicações sociais, para que a escola iria preparar o povo, amadureceram e estão sendo quiçá atropeladamente satisfeitas, com ou sem fraude aparente, dentro da aceleração do processo histórico impedindo-nos de ver, com a necessária exatidão, quantas nos faltam ainda de reivindicações anteriores e condicionadoras, não satisfeitas no devido tempo e, por isto mesmo, mais difíceis ainda de apreciar e avaliar exatamente". (Educação não é privilégio, cit., págs. 81 e 82).

III

Não é lícito, porém, admitir-se que mercê de inexplicável complacência, órgãos governamentais preparem, entre nós, uma Revolução social, através da escola, já porque as administrações públicas não se destinam por essencia a preparar Revoluções sociais, já porque a tradição cristã do povo brasileiro frontalmente repele e repudia os mesmos fundamentos do socialismo como doutrina. "Socialismo religioso, socialismo cristão, - disse admiravelmente Pio XI, - são têrmos contraditórios: ninguém pode ser ao mesmo tempo, bom católico e verdadeiro socialista". (Quadragéssimo Anno, 48).

O povo brasileiro, na verdade, NÃO QUER que se transforme, por uma revolução social, a começar da escola, a República Brasileira em uma República Socialista. Que o queiram, e proclamem êsse desejo, sevidores elevadamente situados do Ministério da Educação e Cultura, é fato, por isso mesmo, que deverá merecer especial atenção dos Altos Poderes da República.

IV

Tomam, pois, o Arcebispo Metropolitano e os Bispos, que êste subscrevem, a liberdade de solicitar a Vossa Excelência. Excelentíssimo Senhor Presidente da República, após a exposição que ficou deduzida, as providências necessárias e inadiáveis, para a cessação desse estado de coisas, tão nefasto, a qualquer respeito, aos mais legítimos e excelsos interesses nacionais.

Não ignora a Igreja a gravidade e a extensão do problema educacional brasileiro, particularmente quanto ao ensino primário, a reclamar urgentemente solução sapaz de sobrepôr-se às alarmantes deficiências, que tanto e tão fundamente afetam a vida nacional. A solução desse problema, dedica a Igreja o melhor de seu esfôrço, não recusando, para resolvê-lo, a colaboração de todos o homens de boa vontade. Nesse tentamem não esmorecerá a Igreja, já que o feliz êxito, no realizá-lo, é, de manifesto essencial, não só ao bem das almas, como ao progresso e ao futuro da Nação.

Valem-se os signatários da oportunidade para renovarem a Vossa Excelência. Excelentíssimo Senhor Presidente da República,a expressão de seu profundo respeito e de sua perfeita estima e consideração.

Pôrto Alegre, 29 de março de 1958

W Vicente Scherer. Arcebispo Metropolitano de Pôrto Alegre.

W Antônio Reis. Bispo de Pelotas.

W Benedito Zorzi. Bispo de Caxias.

W Claúdio Colling. Bispo de Passo.

W Luís de Natal, Bispo de Uruguaiana

W Frei Cândido Maria, Bispo Auxiliar de Caxias.

W Luís Vitor Santori, Bispo Coadjutor de Santa Maria.

W Edmundo Kunz, bispo Auxiliar de Pôrto Alegre".

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