JORNAL DO COMÉRCIO. Contra o privilégio. Jornal do Comércio. Recife, 22 out. 1957.

CONTRA O PRIVILÉGIO

Vejo com satisfação um jornalista da altura de Nilo Pereira voltar-se mais uma vez para problemas de ensino primário, comentando o livro de Anísio Teixeira - "Educação não é privilégio". Gostaria, aliás, que êste como - "A educação e a crise brasileira", do mesmo professor, fôssem lidos por todos que, em Pernambuco, são interessados realmente na marcha da nossa gente para níveis mais altos de cultura e de vida, pois também eu, na minha insignificância, tenho a idéia de que é à escola primária que cabe um dos papéis mais preponderantes no desenvolvimento de uma nação, de um povo.

E é dos privilégios que afetam o ensino primário, um dos mais atuantes, êsse de querer a tôda fôrça passe o aluno dois; três anos nas classes de iniciação (temos casos de cinco, numa mesma primeira série),até que domine a leitura, como se fôsse essa técnica a única a se dar à criança, na classe elementar.

Vem sendo a luta contra êsse preconceito um dos mais difíceis trabalhos da Secretaria de Educação, entre nós. Convencer o professorado de que, ao fim do ano, a todo escolar deve ser dada a oportunidade de acesso a uma outra etapa, dando-se o lugar a outro para ocupar a vaga aberta com a promoção do primeiro a outra série. Êsse simples mecanismo de ir para a frente, dando acesso a outro que espera lá fora na fila, vem sendo entravado sistemàticamente pela escola primária brasileira, quase que em tôda a parte. Argumenta-se em geral que a criança, porque não aprendeu a ler, não pode aprender nada mais, o que não é verdade. Ou se diz que ficará sempre deficitária, no seu aprendizado. E por isto se lhe permite a permanência no mesmo grau durante uma vida inteira, até que saiba ler.

Está nisto, precisamente, o privilégio, aliás negativo, de a uns se ensejar dois e mais anos de estudo, na mesma série, enquanto se nega a dois e três a entrada na escola. E privilégio quase sempre negativo, porque, ao cabo do longo período de estagnação na mesma classe, a criança perde um tempo precioso de aprendizagem em outros aspectos, podendo adquirir, além de tudo, complexos de inferioridade e outros mais prejudiciais ao seu desenvolvimento emocional, à formação de sua personalidade. E ainda é sabido que, em geral, os pais não concedem aos filhos mais de três anos de escolaridade, isto nas escolas mais necessitadas, gastando-se, assim, todo êsse tempo para quase nada, pedagògicamente... - I. de M.

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