MARINHO, Josaphat. A casa do Educador. A Tarde. Salvador. 15 fev. 1998.

A casa do educador


Ao ser noticiada a necessidade de restauração da casa do nascimento de Anísio Teixeira, em Caetité, salientamos nesta coluna a imprescindibilidade da obra. E assinalamos que, de certo, dela cuidaria o governo baiano. Assim o fez, com justiça e clarividência, o governador Paulo Souto, que acaba de restituir o velho casarão à cidade, devidamente restaurado. Segundo revelação de Babi Teixeira (Ana Cristina), filha do grande educador, o prédio recomposto será um centro de cultura. Além de recolher objetos que lhe pertenceram, nele será situado o acervo concernente a sua atividade intelectual e de militante da educação. Não será uma exposição comum, mas um documentário excepcional do maior educador brasileiro.
Quem o conheceu há de lembrar da desproporção entre sua estatura física e o vulto espiritual. Parecia ainda que a simplicidade mais lhe reduzia a altura. A proximidade, porém, refletia, sem ameaça, a extraordinária dimensão do pensamento. O brilho das idéias encantava o interlocutor, não o constrangia. O fulgor da inteligência era revestido de tanta humildade que nutria o diálogo, ao invés de criar distância e cerimônia. Provocava a conversação e a alimentava, em busca do esclarecimento e da verdade. Tinha uma qualidade singular: discutia espontaneamente suas próprias idéias. Querendo acertar, contradizia seus juízos, para que terceiros ficassem à vontade na discordância.
Sem arrogância e com firmeza, no entanto, sustentava as opiniões já assentadas, a fim de as transformar em ações conseqüentes. O homem de pensamento era, por igual, o executor seguro de diretrizes estabelecidas. Se não as tornava imutáveis, com energia as desdobrava na prática que constrói. Tem esse sentido de clareza e decisão a forma com que defendeu e executou, como secretário de estado, as idéias inovadoras elaboradas para o capítulo da educação da Constituição estadual de 1947. Era o estadista a serviço de um programa lucidamente preparado. Cedia no pormenor e lutava pela essência do plano tecido. Por isso mesmo convencia. A autenticidade do pensamento democrático superava preconceitos e resistências.
Na Assembléia Constituinte baiana, em que foi expor as linhas básicas desse programa, realçou que "a democracia é o regime da mais difícil das educações, a educação pela qual o homem, todos os homens e todas as mulheres, aprendem a ser livres, bons e capazes". Não era, pois apenas o educador, como um técnico. Era um filósofo da educação, que a situava e a entendia no domínio político, como meio de expansão e aperfeiçoamento da personalidade humana, o que só se obtém no regime democrático. Não admitia que a escola fosse geradora de fraqueza, mas de afirmação da individualidade. Essa fidelidade ao pensamento livre e generoso lhe valeu, ao longo do tempo, perseguição na ditadura Vargas e repulsa à sua colaboração noutros momentos. Enquanto isso, a Unesco o convocou, em 1946, para seu conselheiro em educação, e em 1947 o governador Octávio Mangabeira o fez secretário de estado, cargo em que renovou o êxito do inspetor-geral do ensino na administração Góes Calmon.
Baseado no ideário de que "educação não é privilégio", defendeu a escola pública, erguida a centro de formação de pessoas iguais e livres. Imprimindo sentido de realidade a esse ensinamento, construiu escola modelo no bairro proletário da Liberdade, em Salvador, dando ao filho do operário oportunidade de educar-se sem fome. Reduzia as desigualdades para ampliar os direitos de todos. Assim lutava para preparar crianças que pudessem melhor e mais facilmente alcançar a universidade. E esforçou-se por ver esta elevada, realmente, a sede da cultura, "a reunião dos que sabem com os que desejam aprender". Nesse propósito, sugeria a renovação dos currículos, a adoção de disciplinas "principais e complementares", como processo de facilitar a especialização. Ao mesmo tempo, propunha a existência de "níveis diferentes no ensino superior". Tentava sempre inovar, mediante o diálogo sem preconceitos.
Com o mesmo espírito criador dirigiu órgãos como o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos - INEP, ou a Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior - Capes, e nunca ocupou o cargo que lhe cabia: o de ministro da Educação. Não obstante isso, o nome de Anísio Teixeira sobrevive, pelo que pensou e realizou. Reconstruída, agora, a casa em que nasceu, nela funcionará um "Centro de Memória", com atividades culturais diversas, conforme comunica a filha dedicada. Há de confiar-se em que esse Centro de Memória seja exemplo da fecunda escola pública, com que sempre sonhou o notável educador.

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