BOAVENTURA, Edivaldo. Anísio Teixeira, centenário de um contemporâneo. A Tarde. Salvador, 12 jul. 2000. Caderno Opinião, p.8.

ANÍSIO TEIXEIRA, CENTENÁRIO DE UM CONTEMPORÂNEO

Edivaldo Boaventura

A contribuição da Bahia para a educação nacional tem sido das mais expressivas, em especial, para a pedagogia brasileira. Anísio Spínola Teixeira é o expoente luminar que a engrandece, elevando-a ao mais alto patamar neste século.

A entrada de Anísio na polêmica da educação operou-se pelo convite do governador Góes Calmon, que foi também professor do Ginásio da Bahia. Chamado demiúrgico que despertou, a voçação para a educação de uma extraordinária inteligência burilada pela formação jesuíta. Se Rui, que falecera pouco antes dessa chamada reveladora, é a grande figura de publicista, Anísio, perfilado nessa tradição pública e liberal baiana, vai lhe suceder defendendo os princípios: a educação como um direito - o constitucional direito público subjetivo da educação; escola pública é que prepara o cidadão para a democracia; educação não é privilégio; o professor tem que ser permanentemente capacitado; a educação de base deve ser geral e humanista; e educar pelo trabalho. É o postulado de Dewey "aprender fazendo". Assim, compreende-se porque Hesmes Lima denominou a biografia: "Anísio Teixeira, estadista da educação".

Uma trajetória rica de idéias e de realizações permite vê-lo em várias dimensões. Em uma primeira visão é a sua presença constante na educação baiana, sem deixar de ser um líder nacional com reflexos internacionais. Para a Bahia, foi uma liderança marcante, como dirigente da educação nos governos Góes Calmon (1924-1928) e Otávio Mangabeira (1947-1951) e uma permanente atenção quando diretor do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), no seu Centro Regional da Bahia. A Bahia foi também o universo de aplicação de suas idéias, experimentando como educador voltado para a educação primária, tanto no Centro Educacional Carneiro Ribeiro e Escolas-Parques, como na Escola de Aplicação. O Centro Educacional foi uma experiência pioneira de educação primária integral, que depois ele aplicou no sistema educacional de Braília, difundido-se pelo brasil. Na dimensão regional de sua obra no Inep, ele atuou na Bahia, no Rio, em Brasília e no Brasil como um todo, especialmente, com os Centros Regionais de Pesquisa em Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do sul.

Percebendo-o em múltiplas dimensões nacionais, Anisio saiu da Bahia para o plano nacional, mas antes passou pela Universidade de Colúmbia, na cidade de New York, primeiramente, em 1927, para estudos de organização escolar, e, depois, no final de 1928 a 1929, para obtenção do grau de Mestre em Artes, no Teachers College, onde pontificava John Dewey. Dessa maneira, complementava com teoria e estudos em nível pós-graduado a experiência vivida como diretor geral da Instrução da Bahia, no governo Góes Calmon. Concluiu a reforma de ensino com a Lei nº 1846, de 1925, que regeu por bastante tempo a educação baiana. Observe-se, entretanto, que um dos espíritos brasileiros mais bem formados pela democrática Colúmbia será considerado subversivo e comunista. Foram justificativas para persegui-lo nos cargos que iluminou com sua fulgurante inteligência, assim, foi com a Universidade do Distrito Federal, em I935, e de novo, em 1964, quando foi retirado do Inep e da Universidade de Brasília. E quem passou pela Colúmbia, como Anísio, ou pela The Pennsylvania State University, aprendeu que democracia e educação se relacionam no acesso à escola, no processo da qualidade do relacionamento professor e aluno e no sucesso do desempenho escolar.

Depois da experiência baiana e da Colúmbia, voltando, assumiu a diretoria da Instrução Pública carioca do Distrito Federal (1931-1935), então, na cidade do Rio de Janeiro, e colaborou com o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, elaborado por Fernando de Azevedo. Dentre muitas outas iniciativas, destacou-se a Universidade do Distrito Federal (UDF). Quase ao mesmo tempo Armando Sales de Oliveira instituiu a Universidade de São Paulo (USP). A USP subsistiu e a UDF foi destruída e Anísio afastado e recolhido no interior da Bahia. Por 10 anos permaneceu fora da educação, ocupando-se da exportação de minérios. Com a criação da Unesco, a roda da fortuna lhe favoreceu. A notícia chegou ao Brasil como uma bomba, de alguma forma era a desforra, complementa Luiz Viana Filho. Em seguida, Otávio Mangabeira, eleito governador da Bahia, convidou-o para ser secretário da Educação e Saúde. Incapaz de resistir à tentação de servir; voltou pela segunda vez a dirigir a educação baiana por mais quatro anos. A alternância do trabalho na bahia e no Rio de janeiro efetivou-se mais uma vez. Por seu turno, período de grandes realizações sucedeu a momentos de aborrecimento e perseguição, culminando com o seu afastamento.

Em 1951, Ernesto Simões Filho, ministro da Educação e Saúde, eminente líder da política baiana, convidou Anísio, primeiramente, para dirigir o Departamento Nacional de Educação, que não aceitou. Nova oportunidade lhe apareceu quando da criação da Campanha Nacional de Aperfeiçoamento do Pessoal Docente, a Capes, idéia de Rômulo Almeida. O ministro Simões Filho repeliu a exigência de poderoso grupo de pressão para dispensar a colaboração solicitada do educador. Em seguida, em 1952, dirigiu o Inep, que expandiu por vários estados com construções de escolas e cursos. Sob sua inspiração, criou-se um autêntico pensamento brasileiro em educação, expresso na revista Brasileira de Estudos Pedagógicos e em, outras publicações. De 1952 a 1964, realmente, Anisio liderou a educação nacional. Colocando-se no centro da polêmica, de novo começaram as investidas para retirá-lo do cargo com o Memorial dos Bispos Gaúchos. Foi a época do debate em torno do projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e da disputa escola pública versus escola particula. Com Darcy Ribeiro planejou a educação de Brasília, inclusive a criação da sua Universidade, da qual foi reitor. Repete-se a UDF dos anos 30. Com a revoIução de 1964, recomeçaram as perseguições e Anisio foi afastado e processado, ao tempo que recebeu dois convites, um da Colúmbia e outro da Universidade da Califórnia. Retomou seus trabalhos, traduziu e candidatou-se à Academia Brasileira de Letras. Repentinamente desapareceu e é encontrado morto no poço de um elevador.

O centenário de nascimento de Anísio Teixeira é a recordação da vida de um homem de pensamento e ação. A Bahia, sua terra, foi também o universo privilegiado da aplicação de muitas das suas idéias. E o Brasil por etapas caminha na sua trilha da democratização da educação fundamental pública gratuita e universal como ele pregou. Anísio Teixeira é nosso contemporâneo na luta pela educação de todos os brasileiros.

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