BOAVENTURA, Edivaldo M. Ensino com entusiasmo. A Tarde. Salvador, 8 jul. 2000. p.9-10.

ENSINO COM ENTUSIASMO

Edivaldo Boaventura

O convite do governador Góes Calmon para Anísio Teixeira dirigir a instrução pública estadual foi significativo e norteador na vida do jovem bacharel em direito. Retornando à Bahia, empreendeu uma reforma do ensino e realizou uma inovadona gestão. Dessa experiência seguiu para a Columbia University, tendo obtido o mestrado em educação. O período nessa universidade foi marcado pela influência de John Dewey.

Desde o início do trabalho em educação, um dos traços mais característicos da personalidade de Teixeira foi a capacidade de servir à causa do ensino, quer dirigindo a educação baiana ou carioca, quer à frente do Inep. Traço igualmente significante foi o entusiasmo em realizar uma obra com o vigor de sua privilegiada inteligência nos cargos que ocupou.

Em tudo percebe-se o reaalizador. A começar pela direção da instrução pública baiana na década de 20. Depois da Revolução de 30, foi secretário da Educação, na Prefeitura do Distrito Federal na gestão Pedro Ernesto. Dentre muitas de suas iniciativas, destacaram-se a criação da Universidade do Distrito Federal (UDF), no Rio de Janeiro, e a contribuição altamente significativa no histórico Manifesto dos Pioneiros da Educação, que tanto influenciou nosso ensino e incidiu diretamente no inovador capítulo sobre a educação na Constituição Federal de 1934. Pela mesma época, o governador Armando Salles de 0liveira criou a Universidade de São Paulo (USP). Ambas, UDF e USP, foran tentativas de educação superior integrada.

Com o golpe de 1937, terminou a experiência universitária fluminense com o afastamento de Anísio. Perseguido, regressou à Bahia e trabalhou fora da área pedagógica. Depois colaborou para a implantação da Unesco e, de novo, a roda da fortuna o favoreceu. Recomeçou sua luta pela educação no organismo da Organização das Nações Unidas. Fiel à vocação, tanto largou o posto intemacional como abandonou a empresa comercial para atender ao chamado do governador eleito da Bahia, o democrático Otávio Mangabeira.

Dirigiu, pela segunda vez, a educação baiana (1947 a 1951), dessa vez como Secretário de Educação e Saúde. No governo Mangabeira, começou influindi na concepção de educação na Assembléia Constituinte da Bahia, de 1947, cujo capítulo sobre a organização do ensino foi de sua inspiração. Sua gestão caracterizou-se pela abertura de concursos para professores, construção de escolas, principalmente, o Centro de Educação Carneiro Ribeiro, uma das suas experiências mais inspiradoras de educação integrada.

Uniu, assim, sua filosofia à ação educativa. Era uma nova concepção de educação básica que implantava com uma escola central e escolas tributárias nos bairros, as conhecidas escolas-classes. Nas novas construções escolares, recepcionou os jovens artistas Mário Cravo Júnior, Caribé, Jenner Augusto, Maria Célia Amado Calmon e Carlos Magano. Pintores que começaram o movimento modernista na pintura, na Bahia do pós-guerra de 1945.

O Centro Educacional inovou e se constituiu na primeira experiência de ensino integrado brasileiro, com horários nos dois turnos, oficinas, teatro, ensino vocacionado. No plano científico, instituiu a Fundação para o Desenvolvimento das Ciências na Bahia, na Secretaria de Educação.

Ao concluir o seu tempo na Secretaria de Educação e Saúde, iniciou outro período marcante na educação brasileira. Retornou à capital da República, então no Rio, para dirigir o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Pedagógicas (Inep), em 1952, sendo ministro Simões Filho.

Coube-lhe também implantar a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), na gestão de Simões Filho. Teixeira tornou-se inquestionavelmente o líder da educação nacional, naquele momento. Antes, o Inep era pleno psicologismo na educação brasileira. Anísio deu nova dimensão científica à entidade, com a abordagem das ciências sociais e ampliação do instituto (centros regionais), contando com homens de altíssimo quilate, a exemplo de Gilberto Freyre no Centro de Recife; Carlos Frederico, Maciel e Maria Graziela Peregrino; o educador Fernando de Azevedo principal autor do Manifesto dos Pioneiros; dirigindo o centro de São Paulo, contando com pesquisadores como Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso; Abgard Renault, no centro de Belo Horizonte; Péricles Madureira de Pinho, no Centro Brasileiro de Pesquisas Pedagógicas, Rio de Janeiro, juntamente com Jaime Abreu e Darcy Ribiro; Álvaro Magalhães, em Porto Alegre, e muitos outros intelectuais.

Na Bahia, o Centro Regional do Inep contou com a direção de Hildérico Pinheiro de Oliveira. Carmen Spínola Teixeira, irmã de Anísio, dirigiu com energia a Escola Parque - Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Luís Henrique Dias Tavares, pioneiro da pesquisa histórica em educação, estudou e publicou as fontes para o estudo da educação brasileira.

Nas comemorações dos 50 anos do Inep, em 1988, assinalou-se que, na Bahia, predominou a contribuição pedagógica, enquanto no Recife a ênfase maior foi para a pesquisa. Mais do que em qualquer outro estado-membro, na Bahia, as ações do Inep se ligam ao pensamento e à ação de Anísio. O conheciniento direto que possuía dos problemas educacionais baianos fez com que desse a eles atenção e democrática solução, como foi o caso da Escola Parque.

No conjunto do Brasil, o Inep funcionou como uma grande faculdade nacional de educação, não somente com ramificações regionais, mas também pesquisando e engendrando o próprio pensamento educacional tão bem representado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos que muito ajudou para criar uma literatura sobre educação brasileira.

O instituto formou e treinou, nos diversos cursos, orientadores, administradores, supervisores e planejadores educacionais. Foi o órgão de estado-maior do Ministério da Educação. Na anos 70, vieram as Faculdades de Educação e os programas de pós-graduação e pesquisa, que reduziram a atuação do Inep, no particular da formação de especialistas em educação.

Entrementes, uma nova onda recomeçou contra Anísio, que foi duramente atingido pelo Manifesto dos Bispos para retirá-lo do Inep. Foi o momento de acerada disputa pendular entre educação pública e educação privada. Mas Anísio continuou o seu trabalho.

Com Darcy Ribeiro, fundou a Universidade de Brasília, revivendo de certa maneira a experiência gloriosa da extinta UDF. A Universidade de Brasília foi criada como uma organização moderna, concebida em institutos básicos, departamentos, e integrada academicamente, conforme a melhor inspiração norte-americana. Anísio chegou a ser seu reitor. Com o debate sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), no final dos anos 50, tomou posição pela escola pública.

Promulgada a primeira LDB e criado o Conselho Federal de Educação, a participação de Anísio foi fundamental, lutando pelo plano nacional de educação em atenção ao desenvolvimento pleno dos sistemas estaduais de educação, caminho certo da descentralização do ensino tão necessária pela concentração das decisões no Ministério da Educação.

Novamente é perseguido e afastado do conselho e do Inep, depois de 1964. Passou a colaborar na criação do Instituto de Estudos Avançados em Educação (lesae), da Fundação Getúlio Vargas, e trabalhou na Companhia Editora Nacional, na tradução de autores internacionais. Candidatando-se à Academia Brasileira de Letras, realizava visitas protocolares de solicitação de votos quando foi encontrado morto em um poço de edifício onde morava um dos acadêmicos, em março de 1971.

Passado algum tempo, no final do período militar, voltou Anísio a ser altamente considerado, estudado e biografado. Muitas foram as dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre sua vida, pensamento democrático ligado à educação e obra concretamente realizada. Assinalem-se dois estudos de autores companheiros de geração: Luiz Viana Filho, que escreveu Anísio Teixeira, a polêmica da educação, e Hermes Lima, autor de Anísio Teixeira, estadista da educação.

Foi no centro da polêmica educacional que Anísio Teixeira manifestou o brilho de sua fecunda inteligência, mas com extrema humildade.

Edivaldo Boaventura é escritor e educador, pertence à Academia de Letras da Bahia.

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