BOAVENTURA, Edivaldo M. A volta de Anísio Teixeira. A Tarde. Salvador, 19 fev. 1998. p.8.

A volta de Anísio Teixeira

Edivaldo M. Boaventura

O sentimento telúrico do retorno à terra natal é dos mais fortes. E Babi Teixeira, filha de Anísio, lidera com devotamento a volta do pai a Caetité. Para tanto, o sobrado do Dr. Deocleciano Teixeira foi restaurado pelo governo Paulo Souto, através do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia e inaugurado em 14 de fevereiro.

Com a Casa de Anísio Teixeira, em Caetité, crescem as bases culturais para sustentar as motivações pedagógicas, animadores de vivos exemplos para as comunidades. Iniciativas dessa ordem são suportes de atividades educacionais, seja como terra natal de uma personalidade, como no caso, recanto histórico, acidente geográfico ou lugar de culto. Na Bahia, existem poucas casas de homens eminentes restauradas como centros de cultura ou abrigo de atividade educativa. Recordo algumas que ajudei a erguer, a enriquecer o recheio e a fazer funcionar. É bem o exemplo o berço natal de um declarado amigo de Anísio, Afrânio Peixoto, em Lençóis. A casa do autor de Bugrinha deve-se à viúva dona Chiquita Peixoto, à amizade filial de Fernando Sales, ao trabalho persistente pela cultura de Remy de Souza e ao governador Luiz Viana Filho, que a inaugurou, em dezembro de 1970. Depois da Casa Afrânio Peixoto, dediquei-me a reconstruir a de Castro Alves, na fazenda Cabaceiras, transformando-a em parque. Um terceiro exemplo de casa conservada para fins culturais é a de um colaborador de Anísio, José Silveira, que instituiu o Núcleo de Incentivo Cultural de Santo Amaro (Nicsa). A Casa José Silveira instala-se no sobrado da infância deste humanitário médico baiano. Tentei sem sucesso adquirir a casa onde nasceu Pedro Calmon, em Amargosa. Tenho essa dívida com o amigo.

É em face dessas experiências que participo do entusiasmo de Babi, em fazer funcionar um centro de cultura na casa avoenga, contando com recursos estaduais e de outras organizações. Casa bem chantada no coração da pedagógica cidade de Caetité. O planejamento do recheio deve alcançar a trajetória religiosa, política e biográfica do grande educador. A sua caminha está em Anísio Teixeira, a polêmica da educação (Nova Fronteira, 1990), de Luiz Viana Filho. O biógrafo mostra o homem por dentro na intimidade de suas cartas, diferente de Hermes Lima, em Anísio Teixeira, estadista da educação (1978), que revela o homem público. Recorde-se, além do nascimento no sertão, a viagem do padre Luiz Gonzaga Cabral a Caetité, em busca da autorização paterna para o ingresso de Anísio na Companhia de Jesus. De igual modo, a volta à cidade natal com as perseguições e incompreensões da ditadura Vargas nos anos 30.

Com a casa restaurada, que belo sentimento de retorno, de volta, de recomposição do passado em função do futuro, de reconstrução de imagens e fotografias, como diria Fernando Pessoa, "as provisórias representações visíveis de uma vida". Somente em Caetité teremos o Anísio Spínola Teixeira por completo, inteiro, do nascimento ao reconhecimento pleno. Somente em Caetité se cumprirá o périplo perfeito de uma inteligência brilhante e rica que desenhou uma existência útil e benfazeja.

A Casa de Anísio Teixeira possibilitará a volta natural e cósmica de uma vida exemplar a serviço da Bahia, do Brasil e da humanidade. Sim, as provisórias representações visíveis, documentos, livros, depoimentos, ensaios e teses marcarão as balizas da trajetória: o aluno dos jesuítas, a formação em direito, o chamado de Góes Calmon, o mestrado na Universidade de Colúmbia, o secretário da Educação, no governo Pedro Ernesto, a criação da Universidade do Distrito Federal, o colaborador da Unesco, o secretário da Educação e Saúde de Octávio Mangabeira, a criação da Escola Parque, a direção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos - o Inep de Anísio Teixeira -, convidado para dirigi-lo pelo ministro Simões Filho, o coordenador da Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes), a Universidade de Brasília, as edições e traduções da Companhia Editora Nacional e outros serviços por ele liderados.

É preciso reavivar as memórias, de recordações e de relembranças o sobrado do restaurado do doutor Deocleciano Teixeira. E assim retornaremos à pedagógica cidade com os filhos de Babi, Marta e Carlos, com os amigos Hildérico Pinheiro de Oliveira, Luís Henrique Dias Tavares e Alberto Venâncio Filho, para sentir pela imagem o Anísio do pensar e do fazer, que destruía na discussão para edificar um novo discurso.


Edivaldo M. Boaventura é professor da Ufba e diretor-geral de A TARDE

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