TEIXEIRA, Anísio. Há que virar pelo avesso a filosofia da educação. Diário da Tarde. Belo Horizonte, set. 1958.

ANÍSIO TEIXEIRA, AO DT

Há que virar pelo avesso a filosofia da educação

Em importante entrevista exclusiva ao DIÁRIO DA TARDE, o diretor do INEP aborda os pontos principais de sua <<filosofia educacional>>, que se baseia em impedir que o Brasil continue dividido <<entre uma massa de ignorantes e uma elite inflacionada de letrados>>

"Em nenhum outro aspecto da vida nacional se revela tão fortemente quanto na escola a cristalização de certo arcaismo congenito de nossas instituições, devendo o proprio sentido da renovação nacional marcar a nossa reconstrução educacional" – declarou, hoje, à Sucursal do DIÁRIO DA TARDE, no Rio, o professor Anísio Teixeira, diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos.

Anísio Teixeira, a maior autoridade brasileira em assuntos pedagogicos, que há meses originou uma verdadeira "onda" expressando o seu ponto de vista sobre a reforma do ensino no Brasil, falou ao DIARIO DA TARDE para abordar, mais uma vez, o problema em que é mestre inconfundível e incontestavel. Depois de acentuar que a cada dia é maior, no pais, a consciencia dos seus problemas, contradições e desigualdades, afirmou o professor Anísio Teixeira que está para eclodir, no Brasil, uma nova integração, num grande esforço de reconstrução e desenvolvimento.

ESCOLA: ESSENCIAL

Repisando a teoria de que, no Brasil, é preciso mudar, disse o professor Anísio:

– <<O grande processo de reconstrução que o Brasil atravessará brevemente vai marcar, de forma inconfundível, o seu <<debut>> no quadro das grandes potencias mundiais. E nesse processo de reconstrução, nenhum problema é mais essencial que o da escola, pois por ela é que se efetivará o novo senso de consciencia nacional e se afirmará a possibilidade de se fazer permanente e progressiva a grande mobilização do esforço brasileiro>>.

BRASIL ARCAICO

Abordando depois o que entende serem os principais defeitos do atual sistema, que considera arcaico, disse o mestre:

– <<Antes de tudo, caracteriza o arcaismo do nosso sistema educacional a sua obstinação em se fazer embora hoje muito mais amplo do que ontem, um simples sistema de preparo de uma elite de trabalho e de governo, mantendo a nação dividida entre uma massa de ignorantes e uma elite inflacionada de letrados>>.

E logo depois, acentuando o conceito moderno dos sistemas educacionais, marca o professor as diferenças a serem <<aparadas>> do sistema vigente no Brasil:

– <<O que caracteriza os sistemas modernos de educação é justamente o de que realizam eles, primeiro, uma grande educação comum para todos, elevando o nível geral de educação de todo o povo, para sobre esta base, erguer o corpo de especialistas e sabios que não dirigem, mas servem à massa de trabalhadores educados que governam – pelo voto – e constroem a nação>>.

SISTEMAS DE ELITES

"Os sistemas escolares antigos – continuou – sempre foram sistemas de educação de uma elite. Toda importancia e toda razão de ser sistema estava em preparar aquele pequeno grupo de excepcionais, destinado a dirigir e servir à nação. Mesmo quando se alarga a base da escolha aumentando as escolas de nível primário e medio, ainda não se mudou a filosofia da educação do sistema: as escolas primarias e medias são mais numerosas, mas, o seu fim é o mesmo fim propedeutico de permitir um maior número de candidatos à educação superior.

MELHORA PARA O GERAL

O professor Anísio Teixeira defende, ainda, a melhoria do sistema, ampliando o raio de ação dos efeitos beneficos do ensino, de modo a permitir o seu aproveitamento por todo o povo, de uma maneira geral, ampla. "O novo principio diretor – diz – é o de que importe elevar o nível geral de educação de todos, de todo o povo, para se criarem novas condições de trabalho e de compreensão do esforço comum. Não se aumentar as escolas primarias e as medias para se fazer uma colheita mais fina de homens para o nível superior – embora esse resultado indireto também se venha a colher – mas, para dar, como um fim em si mesmo, educação melhor, mais eficiente a todo o povo. Quando as nações civilizadas devam a obrigatoriedade escolar para 16, 18 e até aos vinte anos de idade, não é pelo desejo de escolher, mais amplamente, os seus candidatos ao ensino superior, mas, sobretudo, pela necessidade em que se vêm de dar a toda a nação um nível mais alto de educação comum.

EDUCAÇÃO COMUM

Explicando depois a sua tese de educação comum para o povo brasileiro, acentuou o professor Anísio : – "Não pareça a necessidade do nível mais alto de educação comum a mesma coisa que o alargamento da base de seleção, pelo maior numero de educados.

Este resultado tambem se dá, mas é um resultado indireto. Se este fosse o resultado principal a colher da ampliação da educação a todo o povo, logo veriamos que a importancia da escola primaria e da media passavam a segundo plano. Podiam ser improvisadas e más, pois de qualquer modo realizariam a sua função de rede para escolha dos melhores. Esta é, exatamente, a fase que estamos a viver na educação nacional. Expandimos o sistema, ampliamos o numero das escolas, mas não cuidamos da sua seriedade nem de sua eficiência, pois o seu fim não é educar o povo, mas selecionar um numero maior de candidatos à unica educação que conta em um pais ainda dividido, bifurcado em elite diplomada e massa ignorante. A ampliação do sistema e uma simples ampliação quantitativa, sem a reconstrução, que se impoe, da escola e dos seus objetivos".

NOVA FILOSOFIA

E já que tocou no assunto, mestre Anísio, um pouco arrependido porque não tem muito tempo para falar, segue pregando uma nova filosofia para o ensino do Brasil. Uma filosofia que permita realmente a reconstrução não só da escola, mas sobretudo dos seus objetivos. Uma filosofia que mude a maneira de ver de educadores e educandos:

– << Há que virar pelo avesso a nossa filosofia da educação. A escola primária tem de ser a mais importante escola do Brasil, depois a escola media, depois a escola superior. Bem sabemos a finalidade da escola superior. Bem sabemos que a precisamos não somente boa, mas otima. Bem sabemos que dela depende a aceleração do nosso progresso. Mas, no momento presente, escola primaria é muito mais importante, do ponto de vista de prioridade, pois dela depende não a aceleração, mas a estabilidade, a consolidação do progresso que até hoje realizamos>>.

CULTURA POR DECRETO

Outro ponto considerado importantissimo pelo mestre é o da reconstrução, no sentido amplo, de que está necessitando o organismo escolar brasileiro. Suas idéias, sobre este ponto – como sobre a maioria dos que aborda – são fruto não só da observação direta, através de anos na gestão dos mais importantes postos do ensino no pais como também de comparações realizadas nos mais diferentes países do mundo, cujas legislações o professor conhece a fundo:

– << Analisando o panorama escolar brasileiro, chegamos á conclusão de que necessitamos fazer um exame de consciencia. Que estamos fazendo com as nossas escolas? Que espetaculo é este de escolas primarias de dois, três e quatro turnos reduzindo o seu dia escolar a 4, 3 e 1 hora e meia, visando tão somente ao preparo para um sumario exame de admissão á escola media? E a escola media – que é ela senão uma passagem, em que a maioria, aliás, naufraga, para o paraiso da escola superior? E a escola superior, com alunos já cobertos de obrigações, e professores, em sua maioria de tempo parcial, que está sendo ela senão um ritual – penoso e esterilizante, é certo – mas ritual para a consagração pomposa do diploma e da graduação?

<<Bem sei que algumas delas – muitas destas no Rio e em São Paulo – são escolas que honrariam qualquer nação do mundo, mas não me refiro ás exceções, e sim ao grande numero, ás centenas e centenas de escolas superiores espalhadas por todas as capitais do pais e que começam a surgir também nas demais cidades. Essa febre de escolas superiores seria, talvez, apenas mais uma manifestação da nossa fabulosa energia improvisadora, se fossem escolas livres, sem sanção legal, tentando elevar, de qualquer modo, o nível cultural do pais. O caso, porém, é muito mais grave. Não sendo livres, mas resultado de <<concessão publica>>, todas elas são escolas do Estado, <<diplomando>> doutores com os mesmos direitos dos doutores das nossas melhores escolas. São, pois, em rigor, uma inflação pela qual o Estado brasileiro vem emitindo, por decreto, cultura...>>

RUMOS

Acentuando que todos esses fatos nos levam a concluir que no Brasil se está insistindo no velho conceito de que educação é simples processo de preparação para que alguns possam consumir a vida melhor que outros, pouco importando que os preparemos bem ou mal contanto que lhes demos os <<direitos>> a esse consumo mais requintado dos bens da vida brasileira, mestre Anísio indica, a seguir, os rumos da nova filosofia:

–<<Devemos reunir, com todas as nossas forças, todos os recursos pessoais e financeiros e lançarmo-nos a um grande plano de conjunto, pedindo a cada um a sua quota de esforço e tambem, de sacrificios para a reconstrução, primeiro, das escolas basicas da nação – a primaria e a medida para 25 ou, talvez 50 por cento da população da respectiva idade. Nenhuma dessas escolas dará direitos outros que não sejam os que o aluno adquire pela sua maior capacidade para o trabalho. Tais escolas não serão luxos de ilustração: serão escolas para o preparo do cidadão comum do Brasil. A lingua materna e a literatura nacional, a matemática elementar e aplicada, a geografia e a história brasileira e a introdução á ciencia e estudos da ciencia aplicada, desenho e artes industriais constituirão o seu curriculo fundamental. Linguas estrangeiras e antigas, estudos cientificos propedeuticos serão enriquecimentos de curriculo que as melhores escolas com alunos excepcionais tentarão, por certo, mas que tambem não darão nenhum direito especial nem privilegio algum.

A cultura é um bem em si mesmo a ser adquirida pelas vantagens diretas que oferece e não em virtude de <<direitos>> que a lei venha acrescentar aos titulos que a pressuponham. Todos os titulos e diplomas perderão sua liquidez, ficando sem valor, a depender de contraprovas perante orgãos profissionais que ficarem encarregados de conceder as <<licenças>> profissionais, no nível medio ou mesmo superior>>.

A ESCOLA MEDIA: COMO SERÁ

<<Altamente diversificada – prosseguiu – a escola media poderá dentro daquele curriculo fundamental, dar ênfase a estudos cientificos, literarios, comerciais ou industriais, todos considerados equivalentes. Terminados os onze ou doze anos de estudos das escolas primarias e medias>>.

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