TEIXEIRA, Anísio. Autonomia da escola. Diário de Notícias. Salvador, 7 out. 1958.

Educação e Ensino
- Ciência e Prática -
( Opiniões e informações)

AUTONOMIA DA ESCOLA

A educação é um cultivo individual, diferente em cada caso. Quem se educa é o aluno e a êle tem o mestre de atender. Se algum serviço jamais terá aspecto mecânico, êste será o da educação. Ciência, técnica e filosofia da educação sempre hão de construir não receitas, mas esclarecimentos para conduzir a experiência única e exclusiva, que é a educação de cada um.

Diagnósticos de situações, medidas dos resultados obtidos poderão ser feitos, mas tudo isso servirá sòmente para fornecer indicações e sugestões sôbre o que deva cada mestre em cada situação observar e ver, para conduzir melhor o processo educativo, como o medico deve conduzir individualmente o processo de cura. Se em medicina se diz que não há doença, mas doentes, em educação ainda é mais verdade que não há senão educandos.

Se o processo educativo é, assim, individual e peculiar a cada um, está claro que, de todas as instituições, nenhuma precisa de maior autonomia e liberdade de ação do que a escola. Essa autonomia vai do aluno ao professor, até ao diretor do estabelecimento. Cumpre dar a cada estabelecimento o maximo de autonomia possivel e essa regra é a grande regra de ouro da educação. Tudo que puder ser dispensado, como controle central, deverá ser dispensado.

Logo, primeiro, as chamadas funções adjetivas não poderão ser centralizadas. Os americanos chamam a êsse aspecto da administração - "houseke-eping-administration". É o arranjo daquelas condições materiais e pessoais, sem as quais a casa não funciona. Estas funções serão especializadas, mas pertencem á casa. Cada estabelecimento terá a usa mordomia, mas não haverá uma mordomia central, pois é contraditória a própria noção de mordomia central. Depois a direção quanto a programa, seriação e métodos pode atender a conselhos e sugestões do centro mas como elementos para o plano próprio e individual de cada escola e em cada escola, de cada classe.

Pouco importa o número das escolas. Tôdas deverão ter o máximo de autonomia, sendo a sua unidade não imposta, embora resultante e resultado de idéias comuns, conhecimentos comuns e práticas comuns. Nessa unidade, haverá todas as diversificações, segundo as circunstâncias de tempo, lugar e pessoa.

As escolas só voltarão a ser vivas, progressivas, conscientes e humanas, quando se libertarem de todas as centralizações impostas quando seu professorado e pessoal a ela pertencerem, em quadros próprios da escola, constituindo seu corpo de ação e direção, participando de todas as suas decisões e assumindo todas as responsabilidades.

O principio da autonomia, consagrado quanto á universidade, tem de se estender a todas as escolas, como o principio fundamental de organizações de ensino. As limitações dessa autonomia devem ser apenas aquelas limitações impostas pela necessidade de eficiência, o que se verifica nos casos em que ao professorado e corpo dirigente faltem experiência ou tirocinio suficiente para a autonomia.

A educação e a escola, entre nós, são vítimas, assim: 1) da organização monolítica do Estado, que não reconheceu que os serviços de educação precisavam de organização própria e autônoma: 2) da consequente centralização, nos serviços comuns do Estado, do seu pessoal e, em parte pelo menos, do seu material: 3) da concenção errônea de que o próprio processo educativo podia ser objeto de estrito contrôle legal: 4) de sua consequente organização em serviço de contrôle e fiscalização legalisticos, centralizado e mecanizado como qualquer outro serviço fiscal do Estado: 5) de uma concepção de "ciência da administração", como algo de autônomo e geral, que se pode aplicar a todos os campos, constituindo-se, por isso, o administrador em um "especialista em tudo", capaz de organizar seja lá o que lhe der na telha organizar, resultando daí um tipo de organização divorciado do verdadeiro conhecimento do conteúdo da administração, como hipertrofia inevitável de meios e processos puramente formais e, na realidade formalisticos, que desatendem e desprezam os fins.

Parece-me, assim, necessário, se desejarmos restaurar as nossas escolas, retirá-las do mapa da administração geral e formal do Estado e dar-lhes organização geral e formal do Estado e dar-lhes organização autônoma.

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