DUARTE, Paulo. Anhembi e a Universidade do Paraná. O Estado de São Paulo. São Paulo, 30 ago. 1958.

Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATj61

"ANHEMBI" e a Universidade do Paraná

Em nosso último número demos as linhas gerais de um estranho incidente verificado entre esta revista e a Faculdade de Filosofia da Universidade do Paraná. (1) Em linhas gerais, trata-se do seguinte: Anhembi estava sendo há varios anos enviada gratuitamente à Biblioteca daquela Faculdade, como acontece aliás com inumeros institutos de cultura do Brasil e do exterior. Devido á solidariedade sem restrições manifestada por esta revista ao professor Anísio Teixeira, o diretor da mesma Faculdade, Homero Batista Barros, mandou escrever á nossa redação uma carta pela qual dizia deixassemos de enviar a revista pois a Faculdade de Filosofia de Curitiba não mais queria ser sua assinante. Respondemos, esclarecendo, tratar-se de um equívoco, pois nunca aquela Faculdade fôra assinante da revista, enviada pontualmente a título gratuito, dada a consideração que nos merecia a Universidade do Paraná. Como porém soubessemos da pessima qualidade espiritual da direção da Faculdade de Filosofia, cujo titular, o Sr. Homero de Barros, se destaca por uma torva conformação espiritual, profundamente reacionaria e odientamente clerical, e para que a nossa revista não faltasse a professores e estudantes que a procuram ler todos os meses, declaramos que passariamos a enviar a revista dora avante á Reitoria da Universidade, a fim de que não pudesse ser a sua leitura sonegada na Faculdade de Filosofia. E assim passamos a fazer.

O incidente estaria encerrado, se não foram informações que nos chegaram diretamente de Curitiba, trazidas por alguns professores e um numero apreciavel de alunos, os quais, isoladamente, nos enviaram informes edificantes e profundamente desmoralizadores para um instituto de ensino superior que não é um estabelecimento privado confessional e sim uma Universidade federal, e não pode portanto, de forma alguma, ser dominada pelo sectarismo intorelante de um grupo ou de um individuo que queiram impor a um estabelecimento oficial uma orientação nitidamente e estreitamente religiosa, contrariando todas as leis, inclusive a Constituição Federal.

Consoante os esclarecimentos recebidos, podemos resumir a situação da Faculdade de Filosofia de Curitiba, da maneira seguinte: para bem compreender essa situação é preciso ter em vista uma certa hierarquia da eficacia na sua direção. Em primeiro lugar vem o diretor Homero Batista de Barros; depois o Conselho Técnico; enfim a Congregação. A Congregação, por incrivel que pareça, pouco ou mesmo nada influi na orientação da Faculdade, que é dada exclusivamente pelo diretor. É este quem escolhe os membros do Conselho Tecnico e todos juntos metem a Congregação diante do fato consumado. Acrescente-se que as decisões do Conselho Tecnico não são comunicadas á Congregação e passam-se mais ou menos secretamente. Ora, essas decisões são de maior importancia: escolha de membrs para as bancas de concurso, contrato ou indicação de professores a serem contratados e outras. Assim, por exempo, decidiu o Conselho que nenhum livro pedido por qualquer professor será adquirido pela Faculdade sem que uma comissão de censura, constituida de três professores, escolhidos pelo diretor Homero Batista de Barros, aponha o seu visto. Esta comissão de censura foi encarregada ainda de expurgar a Biblioteca da Faculdade de Filosofia de todos os livros perniciosos. E, dentre os livros perniciosos, acham-se os de Eça de Queirós, os de Jorge Amado, os de Anísio Teixeira, os de Zola, os de Sartre, Anhembi, e outros igualmente imorais. Tudo isso explica que o diretor é o unico responsavel por tudo o que acontece, sendo mais do que certo que, se mudado o diretor, a maioria dos professores que não tem nenhuma personalidade passaria a acompanhar o novo.

Anhembi já publicou uma apreciação completa sobre a personalidade sombria de Homero Batista de Barros. Isto a proposito principalmente do mais escandaloso concurso realizado na Universidade do Paraná, no qual o diretor Homero Batista de Barros exigiu a aprovação do padre Castagnola para a cadeira de italiano, embora tivesse ficado provado no concurso não possuir este um minimo preparo para essa catedra, quando o seu competidor Bruno Enei, brasileiro mas com menos credenciais do clero, demonstrou um conhecimento profundo da materia, o que ressaltou ainda mais o escandalo que até hoje se comenta naquela Universidade. Demonstramos isto em minuciosos comentarios aqui publicados e com base em documentos irrespondíveis com que ilustramos os nossos comentarios (2).

Nada temos, pois, a acrescentar sobre a personalidade do ditador da Faculdade de Filosofia de Curitiba, mentalidade doentia, de um sectarismo carola que o leva ás mais crueis perseguições, convencido de que é o esteio supremo da religião e convencido principalmente de que a sua função é a de defender a integridade do cristianismo, um cristianismo sui-generis de ódios e perseguições entendido a seu modo, competamente diferente daquele instituido por Cristo. Numerosas vezes tem o sr. Homero Batista de Barros transformado pequenas questões puramente universitarias em questões de "clericalismo" e "anticlericalismo". Por isso tudo foi este diretor reconhecido há muito como um elemento nefasto para a Universidade do Paraná, principalmente para a sua Faculdade de Filosofia, homem pouco inteligente e mau, menos mau talvez do que pouco inteligente, sonhando com o restabelecimento de uma inquisição politica e religiosa para todo o Brasil, principalmente nas Universidades. Assim, para justificar a sua decisão de estabelecer uma comissão de censura na Faculdade de Filosofia não titubeou em emitir a opinião pela qual uma biblioteca universitária não é como qualquer biblioteca publica, deve ser censurada para que a mocidade não se corrompa com as más leituras (Eça de Queirós, Zola, Sartre, Anhembi, dentre outras).

Dissemos que o Conselho Tecnico da Faculdade de Filosofia é inteiramente subserviente ao atrabiliario diretor. Vamos dizer porque. Os seus membros são, além do diretor Homero Batista de Barros, os professores Rosario Mansur Guérios (português), Osvaldo Arns (grego), A. Figueiredo (geografia), padre Luis Castagnola (literatura italiana, o mesmo admitido no escandaloso concurso acima referido) e Homero Braga. Todos, exceto o ultimo, servilmente, cumprem o que o diretor manda. Os srs. Rosario Mansur Guérios e Osvaldo Arns ficaram tristemente comprometidos no concurso realizado com o mandato imperativo de aprovar o padre Catagnola. Osvaldo Arns, para ser agradavel ao diretor, até questões de inscrição levantou na arguição do candidato Bruno Enei, o concorrente do padre Castagnola, homem competentissimo, cujo brilho no concurso confundiu os seus arguidores, mas não os demoveu de classificar o padre Catagnola, que demonstrou não estar absolutamente capacitado para exercer a cadeira, mas era candidato imposto por Homero Batista de Barros. Basta dizer que o padre Castagnola só pôde inscrever-se, pois lhe faltavam titulos e outras formalidades exigidas por lei, porque a Congregação, como vimos, também dominada pelo diretor, deu-lhe um atestado de "notório saber", para resolver a dificuldade. Acontece, porém, que o "notório saber" se refere á especialidade da cadeira e o atestado se deu tendo-se em vista um "notório saber" do padre Castagnola no campo do Direito Canonico, que é a sua real especialidade!

As informações que nos chegaram, de fonte varia, professores, alunos e pessoas fora da Faculdade de Filosofia de Curitiba, são unanimes em destacar a existencia de um unico membro do Conselho Tecnico que, pela sua independencia e honestidade mental, se pode considerar um verdadeiro universitario. Trata-se do professor Homero Braga, que luta sozinho nada pode fazer.

Sabemos perfeitamente que essa parcela do clero totalitario, intolerante e pouquissimo inteligente que desencadeia com furia uma ofensiva confessional que só poderia manifestar-se em países como o nosso sem policiamento cívico, vai imediatamente sair aos berros, como sempre, para nos acusar de comunistas, ateus malvados, inimigos da religião e procurar tranformar em martires esses elementos que estão destruindo o credito moral e intelectual da Faculdade de Filosofia do Paraná. Mas todos aqueles que duvidarem das nossas informações, pedimos peçam as suas informações aos professores honestos e dignos que existem e muitos nos diversos institutos da Universidade do Paraná, dentre eles o proprio Reitor, que sabemos ser um homem digno também, e nós nos inclinaremos ao que eles disserem. Faça-se mais: abra o respectivo Conselho Universitário um rigoroso inquerito naquela Faculdade, para apurar a veracidade das nossas acusações. Estamos prontos a enviar a Curitiba um nosso representante que será o nosso próprio diretor, para reiterar as acusações e fornecer todos os elementos de prova de que se necessitar para prova desses fatos deprimentes e desmoralizantes para uma Universidade oficial, cuja Faculdade de Filosofia bem merece sorte melhor e mais digna.

Nós, como dissemos no princípio, teriamos dado o incidente com Anhembi inteiramente encerrado se não foram informações posteriores que nos chegaram. Dentre elas a de que não se contentou o sr. Homero Batista de Barros em mandar escrever suspendendo a "assinatura" de Anhembi, mas foi além: retirou da Biblioteca da Faculdade de Filosofia toda a coleção de Anhembi, tendo, ao que consta, mandado destrui-la. Essa coleção, repetimos, fôra enviada gratis também pelo diretor da Revista, depois que este, há anos, a convite da propria Universidade, ali foi, a fim de realizar uma serie de conferencias culturais. Verificando a importancia daquela Universidade e principalmente a grandeza da obra que estava sendo iniciada pelo seu reitor Flavio Suplicy de Lacerda e mais um grupo de professores lucidos e altamente conscientes, entendeu que não podia faltar na biblioteca da Faculdade de Filosofia (a Faculdade de Filosofia, é a alma de uma universidade) uma revista como a Anhembi, que não precisa mais de definição. Outra informação que nos chega como complemento é que tanto o diretor Homero Batista de Barros quanto o secretário da Faculdade, Arlindo da Silva Furtado, que serviu de testa de ferro do diretor para assinar a carta suspendendo a "assinatura", diante da energica resposta enviada por Anhembi á Faculdade de Filosofia, e, por copia, á Reitoria da Universidade, propalam que a revista não era enviada gratuitamente e sim a Faculdade pagava a sua assinatura. Pois isso é uma deslavada mentira. Desde aquela visita do diretor de Anhembi enviou-se uma coleção da revista á Faculdade de Filosofia e desde então os numeros posteriores foram também para ali remetidos gratuitamente, sem falta de uma só. Tanto que, mais tarde, um instituto federal, tendo tomado um certo numero de assinaturas, destinadas a estabelecimentos culturais do País e incluindo na lista o nome daquela Faculdade de Filosofia na lista, imediatamente comunicamos a esse instituto que substituisse esta por outro estabelecimento, porque a biblioteca da Faculdade de Filosofia do Paraná já recebia a revista por nossa propria iniciativa. Aí está. Se existe essa alegada assinatura, exiba o sr. Homero Batista de Barros ou o sr. Arlindo da Silva Furtado (nós é que somos furtado…) o recibo que todos os nossos assinantes possuem. Enquanto não o fizerem, mantemos o título que acima outorgamos aos que propalam que a direção da Faculdade de Filosofia de Curitiba assinava Anhembi.

Diante pois destes fatos novos, não podiamos mais dar por encerrado o incidente. Porque a coleção completa de Anhembi, além do que pode significar culturalmente, é uma raridade bibliografica, vale hoje preço vultuoso. Fôra incorporada ao patrimônio da União, pois a Universidade do Paraná é federal e, agora, destruida pela sua direção esta se torna penal e administrativamente responsavel. Não nos conformaremos pois e estamos dispostos a solicitar das autoridades federais e até da Camara Federal dos Deputados um rigoroso inquerito se isso fôr necessario. Mas não queremos assumir tal atitude antes de apelar para as próprias autoridades universitarias do Parana, porque como dissemos, temos na mais alta conta não apenas o reitor da mesma Universidade e sabemos da existência de um numeroso grupo de homens dignos não só no Conselho Universitario senão ainda dentre os professores dos diversos institutos universitarios de Curitiba, inclusive na propria Faculdade de Filosofia. Além da consideração que nos merece-a também o corpo discente da mesma Universidade, que é o que a mocidade do Paraná tem como mais digno e representativo. Por isso mesmo é que não hesitamos em oferecer a nossa colaboração para a propria defesa da dignidade universitaria naquele Estado, cuja cultura não pode mais tolerar perdure essa situaçao intolerante, mesquinha, acanhada e retrograda na direção de sua Faculdade de Filosofia, o mais importante instituto de uma verdadeira Universidade. Esta a causa principal da nossa insistencia em pôr a limpo este pequeno mas altamente significativo escandalo.

E foi por tudo isso que acabamos de iniciar a nossa ação com um protesto e um pedido respeitoso pela abertura de uma sindicancia ao Conselho Universitario da Universidade do Paraná. Não tinhamos ainda dado publicidade a esse documento porque não estava ainda certos haver o Conselho Universitario recebido a nossa petição, confiada á precariedade dos nossos correios. Agora porém, diante da certeza de que chegou ao destino, abrimos espaço para a transcrição na integra do nosso requerimento, datado de 7 de julho ultimo. É o seguinte:

"Senhores Membros do Conselho Universitario:

Há muito tempo, a revista Anhembi enviou á Faculdade de Filosofia da Universiade do Paraná uma coleção completa dessa publicação destinada á sua Biblioteca. Isso foi feito na ocasião em que o seu diretor, tendo ido a Curitiba, a convite do Magnifico Reitor desse Instituto, realizar algumas conferencias de interesse universitario, verificou que áquela biblioteca não podia faltar uma publicação da ordem de Anhembi.

Realmente, revista que é quase um fato inédito no Brasil, dedicada inteiramente á cultura ou aos interesses precipuos da vida brasileira; que se tem mantido numa linha energica e rigida dentro da moral e da etica, conhecida hoje nos países mais cultos e civilizados, cujo corpo de colaboradores se selecionou dentre os mais expressivos e notaveis representantes da intelectualidade européia e americana, Anhembi, tem sido sempre honrada nos grandes meios científicos e artísticos de todo o mundo, bastando lembrar que exatamente cinquenta e uma instituições culturais estrangeiras a recebem, a lêem e com ela se correspondem. Sabendo no entanto das dificuldades materiais com que lutam nossas universidades e estabelecimentos congeneres para comprar livros e revistas, fez Anhembi, com a Universidade do Paraná, o que tem feito com muitos outros institutos de cultura deste e de outros paises sul-americanos, isto é, passou a enviar, em carater gratutito, a publicação a fim de que nesses centros de formação mental não faltasse um orgão inteiramente dedicado aos problemas universais, notadamente a cultura politica e intelectual.

Foi exatamente essa atitude que levou Anhembi a dar a sua mais irrestrita solidariedade ao professor Anísio Teixeira, um dos mais ilustres expoentes da intelectualidade brasileira, no momento em que passou a ser combatido por um grupo de sacerdotes pouco esclarecidos que de há muito pretendiam afastar aquele educador, a maior autoridade talvez em ensino publico que possuimos, de altos postos que, em boa hora, lhe foram confiados pelo Governo Federal.

A prova da sem razão dessa atitude infeliz de alguns antistites está no fato de tudo quanto de mais expressivo existe no País no campo mental e intelectual ter-se manifestado contra ela, inclusive eminentes líderes catolicos e até sacerdotes e bispos.

Ora, Anhembi, tomou a unica atitude compativel com uma revista de alta cultura e idonea: pôs-se ao lado de Anísio Teixeira, a mesma atitude dos mais legitimos representantes da Inteligencia do Brasil, professores, cientistas, escritores, jornalistas, organizações culturais como, dentre outras, a Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio de Janeiro, a Faculdade de Filosofia de Porto Alegre, os mais eminentes professores de todas as Faculdades da Universidade de São Paulo, o Primeiro Congresso Brasileiro de Arte reunido na capital do Rio Grande do Sul, e, como se disse, todos os mais expressivos expoentes da Literatura, das Artes e da Ciencia em todo o País, pois até hoje chovem os votos de apoio e solidariedade a Anísio Teixeira.

Pois bem, Senhores membros do Conselho Universitario, por esse motivo, exclusivamente por esse motivo, a direção da Faculdade de Filosofia dessa Universidade, sem consulta prévia á sua Congregação ou a esse colendo Conselho, deliberou enviar uma carta á redação de Anhembi comunicando o desejo da mesma Faculdade não mais receber a nossa revista, "cuja assinatura suspendia". Respondemos que se tratava de um equívoco, pois o envio da nossa revista não se fazia a um assinante, mas era uma remessa gratuita a uma biblioteca que julgavamos merecer possuir uma revista como a nossa, daí a resolução que tomamos de continuar a enviá-la, como sempre, sem nenhum onus para os cofres universitarios. Como porém, dada a causa mesquinha daquela carta, descontassemos que a revista fôsse sonegada á biblioteca a que era destinada, passamos a remetê-la á Reitoria da Universidade, que julgamos esclarecida demais para acompanhar um gesto de mera pirraça.

Disso demos conhecimento ao Magnifico Reitor dessa Universidade, ao qual enviamos ainda copia da carta com que respondemos á direção da Faculdade de Filosofia, documento que, por cópia, também, juntamos a este ofício.

Para nós estaria encerrado o incidente se não nos chegasse agora a noticia de que não se contentou a direção da Faculdade de filosofia com esse gesto de hostilidade para com a nossa revista. Além da carta a que nos referimos, mandou o diretor da mesma Faculdade retirar da sua biblioteca a coleção de Anhembi, sonegando-a assim aos alunos, professores e demais interessados na sua leitura!

Desde há muito tempo sabiamos, senhores membros do Conselho Universitario, que a direção da Faculdade de Filosofia do Paraná estava entregue a um correligionário apaixonado desse clericalismo cego e pouco esclarecido, sectario e intolerante, que apesar da existencia de tantos eminentes prelados, tanto tem comprometido a Igreja Catolica no Brasil, com a sua orientação estreita chegando muitas vezes, contrariando o proprio espirito universitario, a negar verdades cientificas consagradas e a combater principios que a sociedade moderna não pode dispensar.

Acontece porém que a Universidade do Paraná não é uma entidade confessional, mas um instituto de ensino superior federal, leigo, que consoante a prória Constituição, nada tem a ver com as regras e as imposições religiosas e, no caso presente, se alguma atitude tivesse de tomar, esta seria evidentemente a mesma que tomam as grandes universidades do Brasil ao colocar-se ao lado da escola leiga, neutra, completamente alheia a injunções outras que não fossem as da cultura livre, através de catedras livre, refratarias ao preconceito seja ele qual fôr. Assim, o seu diretor não tinha evidentemente o direito de tomar uma medida dessas, de caráter nitidamente politico, á revelia das altas autoridades universitarias que neste caso seriam o Reitor, a Congregação ou o Conselho Universitario.

Acresce ainda que, na satisfação de uma convicção pessoal axiomaticamente reacionaria, o diretor da Faculdade de Filosofia desfalcou o patrimonio material do mesmo instituto, pois uma coleção daquela revista, já muito rara por acharem-se esgotados varios numeros, está sendo vendida hoje no Rio de Janeiro e S. Paulo, pelo preço mínimo de cinquenta mil cruzeiros e isso quando se consegue completar a coleção reiteradamente encomendada. Soma-se pois este prejuizo material ao prejuizo moral e no desprestigio que a noticia de tal fato pode causar a uma Universidade, pois não se pode conceber que num País civilizado e numa cidade culta como é Curitiba, um indivíduo á revelia das autoridades universitarias, exclusivamente por uma pecuinha sectaria, além do mais contra um dos nomes mais ilustres, exponte da cultura brasileira, possa desfalcar o patrimonio material e moral de uma instituição universitaria, exatamente aquela que mais dever tem em zelar pela independencia intelectual e espiritual.

Esta razão do protesto respeitoso mas energico que vimos trazer a esse Conselho, ao qual solicitamos ainda as providencias necessarias a que seja, por quem delas se apossou, restituida á Biblioteca da Faculdade de Filosofia, uma coleção hoje rara e procuradissíma por todos aqueles que se interessam pela nossa vida publica e mental e dali dolorosamente retirada ao gesto totalitario de um administrador atrabiliario, sem autoridade para tal nem para impor regras a um instituto da importancia de uma Faculdade de Filosofia, que é a alma de uma verdadeira Universidade.

Aproveitamos o ensejo para apresentar, respeitosamente, aos senhores membros do Conselho Universitario da Universidade do Paraná os protestos da nossa mais alta consideração, (a) - Paulo Duarte - Diretor"

(Transcrito de Anhembi, nº 93, agosto de 1958.)


    1. Anhembi, vol. XXI, p. 293-296 (n. 92 de julho de 1958).
    2. Ver Anhembi, vol XXI, pag. 98 (n 55, julho 1955); vol. XX, pag. 114 (n 58, setembro 1955); e pag. 329 (n 59, outubro 1955) e vol. XXIV, pag. 117 (n 70, setembro de 1956).

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