VIEIRA, Amélia. Escola Parque renasce. Correio da Bahia. Salvador, 13 jul. 2000. Caderno Aqui Salvador, p.2-4.

Escola Parque renasce

Amélia Vieira

O modelo pedagógico idealizado pelo educador Anísio Teixeira, cujo centenário foi comemorado ontem, será resgatado na Bahia. Sua implementação será inicialmente na Escola Parque, ca Caixa D'Água, primeiro espaço a corporificar as propostas educacionais de Anísio Teixeira. Fundada em 1950, a Escola-Parque entrou em decadência e está sendo recuperada pelo governo do estado. A iniciativa receberá o reforço do governo federal, de acordo com anúncio feito ontem pelo ministro da Educação, Paulo Renato Souza, que visitou, pela manhã, o espaço na companhia do secretário estadual de Educação, Eraldo Tinoco.

As obras iniciadas há dois meses e meio contemplam a recuperação das instalações elétrica, hidráulica e sanitária, recuperação e instalação de coberturas, impermeabilização de lajes, pintura, reurbanização, iluminação e construção de uma área de convivência.

A reforma geral passa pela biblioteca, ginásio, setor de trabalho - onde funcionavam até o início deste ano as oficinas de dança, madeira, informática, judô, caratê e padaria-, refeitório, setores socializante e administrativo, teatro e área externa. A previsão é que as obras consumam cerca de R$ 1,7 milhão. De acordo com o arquiteto e coordenador de obras da Superintendência de Construção Administrativa da Bahia (Sucab), os trabalhos devem ser finalizados no mês de setembro ou outubro.

Auxílio - A forma como o governo federal participará do resgate do primeiro núcleo instalado do modelo de escola-parque idealizado por Anísio Teixeira ainda não está definido. "O governo federal está pronto para colocar recursos aqui para desenvolver projetos de congraçamento da juventude, de criação de atividades pré-profissionalizantes ou atividades de lazer que possam oferecer ao jovem que está na escola regular complementação essencial para a sua formação. Mas, já está havendo a recuperação física e nós esperaremos o projeto pedagógico para ver de que forma podemos colaborar", comentou o ministro.

Ele, contudo, salientou a importância do envolvimento da sociedade civil. "Nós temos, na Bahia, entidades não-governamentais muito importantes que desenvolvem trabalhos essenciais na área social e educacional, e poderíamos desenvolver aqui projetos estratégicos", mencionou o ministro. Em sua visita, ele percorreu as instalações da Escola Parque, conhecendo a biblioteca, o auditório e a área de trabalho, que ostenta na parede painéis assinados por Caybé e Mário Cravo. No final da visita, o ministro e o secretário fizeram uma parada em frente ao busto de Anísio Teixeira, onde estava colocado um ramalhete de flores.

"Eu fiz questão de convidar o ministro Paulo Renato para que, na sua sensibilidade, ele veja o que o estado está fazendo e faça exatamente o que ele anunciou: nos ajude neste projeto", acrescentou o secretário Eraldo Tinoco. Ele adiantou que a proposta da secretaria é de devolver à sociedade a Escola Parque para que seja um centro de formação integral do aluno. "Esperamos contar com a colaboração do governo federal para impulsionar ainda mais esse processo que o governo do estado já está executando", aguarda Tinoco.

Escola será adaptada

O ministro da Educação Paulo Renato Souza, disse ontem que serão necessárias algumas modificações no projeto inicial do educador Anísio Teixiera para que a Escola Parque se adapte à realidade social atual. "Os projetos profissionalizantes devem acontecer em áreas onde o emprego é gerado hoje. O emprego não está mais em formar sapateiros ou marceneiros, e sim em formar músicos, gente para hotelaria, para o turismo, para atividades culturais", justificou Paulo Renato. Ele salientou que já recebeu do cantor Carlinhos Brown um projeto de escola técnica na área de música popular brasileira. Outra iniciativa é do Projeto Axé, que apresentou ontem ao ministro um projeto de balé. "Nós temos que desenvolver os nossos talentos, a nossa cultura e podermos, então, ter uma participação competente no desenvolvimento das aptidões, das habilidades da nossa juventude", argumentou o ministro, após elogiar o trabalho de Anísio Teixeira, que, na sua opinião, é o maior educador brasileiro. "Ele teve uma grande importância na formulação da filosofia da educação, das idéias da educação, na sua visão da importância estratégica da educação para o desenvolvimento da democracia no Brasil, além de ter colaborado, com sua ação prática no Ministério da Educação e obra intelectual que deixou", afirmou Paulo Renato.

"Hoje nós temos situações que serão inteiramente novas. Na época de Anísio, a informática praticamente não existia. Nós vamos ter aqui, por exemplo, laboratórios de informática para que o aluno tenha acesso a este conhecimento tão indispensável para a vida do indivíduo, para a sua inserção no mercado de trabalho e até para o seu relacionamento cultural, porque a internet é um excelente veículo de inserção na cultura de um modo geral", acrescentou o ministro. "Usando todos esses equipamentos da escola-parque, sua biblioteca, o seu teatro, seu ginásio de esportes, sua oficina, nós vamos trazer para aqui no turno oposto ao ods alunos, preferencialmente os das escolas-classe, se houver espaço, também alunos de outras escolas dessa região, para que eles tenham aqui a complementação da sua formação. Estaremos assim resgatando este modelo idealizado por Anísio Teixeira", garantiu.

Missa emociona familiares

Familiares e amigos participaram ontem da missa realizada às 9h, na Igreja da Vitória, pela passagem do centenário de nascimento de Anísio Teixeira. A celebração, presidida pelo monsenhor Gaspar Sadoc, contou com a presença dos filhos do educador, Carlos Antônio Teixeira, Marta Maria Gama Lima e Ana Cristina Monteiro de Barros (Babi Teixeira) e de grande parte dos seus dez netos e dez bisnetos. Durante a primeira de uma série de homenagens realizadas ontem, a família de Anísio Teixeira mostrou-se bastante emocionada com o reconhecimento ao trabalho do patriarca. "Ele é motivo de orgulho para toda a família. Apesar de ter morrido há 30 anos, continua presente. Suas contribuições e propostas permanecem vivas", comentou Carlos Antônio Teixeira, psiquiatra. "Ele não era um visionário nem dono de idéias utópicas. Educação de qualidade e integral não é idealismo. Ele implementou suas propostas, mas, infelizmente, os regimes de governo autoritários de 35 e 64 destruíram o seu trabalho", lamentou.

Das suas lembranças do pai, intelectual nascido em Caetité, cidade do interior da Bahia, Carlos Teixeira destaca um pensamento que costumava repetir comumente no seio da família como argumento em relação aos comentários de que era um visionário. "Ele era um homem sensível às coisas em torno de si, e costumava dizer que percebia as coisas que nasciam e iam crescer e as que padeciam e iam morrer", lembra Carlos, revelando a esperança de que as homenagens sejam um marco para a implementação do ideal de educação democrática idealizado por Anísio Teixeira. "Ele defendia a educação não como domesticação, mas como a busca da formação de um homem livre", diz.

De acordo com Babi Teixeira, filha e membro do conselho da Fundação Anísio Teixeira, o pensamento defendido por seu pai mantém a contemporaneidade. "É importante, neste ano do centenário, não só o resgate da sua memória, como também a apresentação aos jovens e crianças do seu trabalho, desenvolvido basicamente nos anos 20 e 30. Essa retomada é importante para que seus estudos e propostaspossam ajudar o país, pois ele batalhou por uma escola pública de qualidade, valorização do professor e investimento na sua qualificação", lembrou.

Entre as presenças emocionadas na Igreja da Vitória, estava uma simpática sehora de cabelos brancos. Dona Isaura Ballaler, 70 anos, guarda com carinho um antigo livro de recordações da sua juventude. Entre as folhas amareladas, ela aponta com orgulho uma dedicatória especial escrita pelo mestre Anísio Teixeira. Redigida em latim, a recordação de poucas linhas, datada de 27/07/51, traz, num dos trechos, o pensamento de um intelectual sírio compartilhado por Teixeira, em que ele repete: "Nada mais doce que a vida, se nos falta saber, porque a falta do saber é um mal sem dor".

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