TEIXEIRA, Anísio. O estado pode tolerar mas não subvencionar a educação particular. Diário Popular. São Paulo, 10 mar. 1960.

O ESTADO PODE TOLERAR MAS NÃO SUBVENCIONAR A EDUCAÇÃO PARTICULAR

O PROFESSOR Anísio Teixeira, na entrevista que concedeu ao <<Diário de Notícias>> sôbre o projeto de lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, abordou o tema <<discriminação social versus integração>>. Para o diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, há no campo da educação, um choque entre idéias e atos (<< pensamos em têrmos de coletividade e agimos no sentido do interêsse individual>>).

Observador do problema, ressalta o educador: <<Quando alguém tenta fazer uma lei de educação no Brasil, as exclamações enfáticas de solidariedade, fraternidade, pessoa humana, dignidade, liberdade, democracia, etc., surgem como se constituíssem os mananciais da alma brasileira. Depois entretanto, de tão altas e grandes expressões verbais, relativas aos princípios e às aspirações, começam a aparecer os propósitos reais. Não é necessária, então, nenhuma sutileza para percebermos que a sociedade deseje cultivar e defender todas as discriminações, senão abismos, de desigualdade social>>.

INTEGRAÇÃO SOCIAL

– Já estamos todos habituados – prossegue – a certa espécie de sul-americanismo, que consiste em resolver pela ênfase verbal as suas mais fundas, mais radicais, mais abismais deficiências, mais abismais deficiên-vêzo. Por exemplo, em nenhuma outra parte do planêta é mais real, embora disfarçada, a ausência de solidariedade humana. Dir-se-ia que a divisão da humanidade em castas, à maneira oriental, seria pior. Não é verdade; a casta dá ao indivíduo determinado status social, autonomia de direitos. O Brasil não tem castas: o Brasil divide a espécie humana em algo muito pior do que castas, em gente e não-gente. Não me esqueço nunca da surprêsa de um antropólogo, em cidade do interior de Minas, onde chegara para estudar caso sangrento de fanatismo religioso, em que crianças e adultos haviam sido <<sacrificados>>, isto é, realmente assassinados. Não me esqueço, repito, da surprêsa do cientista ante a completa indiferença da cidade à tragédia acontecida com gente do povo, uma dezena de quilômetros fora da área urbana. <<Se tivessem sido alguns porcos os mortos, a indiferença não teria sido maior>>, diziam êles.

Adianta o sr. Anísio Teixeira:

– A educação privada; representa tôda uma outra sorte de interêsses, que o estado tolera ou permite, mas não pode nem subvencionar nem promover. A tolerância, a permissão, a liberdade, enfim, do ensino privado é mais um princípio da ideologia do Estado moderno, que recusa impor a todos a sua própria ideologia, mas jamais pode chegar a promover as ideologias a êle opostas.

VERDADES E <<VERDADES>>

Em seguida, o professor Anísio Teixeira focaliza artigo que diz ser contraditório, publicado em boletim do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Primário, Secundário e Comercial de Minas Gerais, assinado pelo padre jesuíta José Cândido de Castro. Observa: <<Êsse padre jesuíta defende como algo de axiomático, como verdades absolutas, as seguintes doutrinas: 1 – Todo e qualquer pai de família, pobre ou rico, tem o direito de escolher para seus filhos a educação que mais lhes convier. 2 – Todo cidadão tem direito de receber de volta, em forma de benefício, o impôsto que paga. Ora, nada mais questionável, nada mais irreal do que tais supostos direitos. Durante o período de dominação da Igreja Católica, tais direitos não existiam. Será que existem no Estado Moderno, onde os teria ido descobrir o padre jesuíta? Salvo como generalidade absolutamente inexpressivas, tais direitos não existem. Pelo contrário a liberdade do pai começa a ser limitada pelo fato da educação ser um direito do filho e uma obrigação dêle pai de dá-la ao filho. Que educação? A de sua cultura, de sua sociedade, do seu Estado. Aquela educação que seja a educação comum, que tem de ser dada a todos. Liberdade só tem êle quanto à educação especial, sôbre a qual caberá opção, escolha, entre as que houver e nas bases de seus recursos. Dizer que o pai de família tem o direito de dar ao filho a educação que lhe convier, no sentido da que quiser, é um disparate ou senão princípio de estado anarquista. O segundo princípio é algo de novo, como princípio fiscal. Ninguém recebe de volta, em forma de benefícios, os impostos que paga. O jurista eclesiástico ignora a diferença entre impôsto e taxa. Do mesmo modo que o primeiro, êste novo axioma ou é uma generalidade sem conseqüências ou uma tolice. Os impostos destinam-se a custear as despêsas do Estado, de resultados indiretos e coletivos para a sociedade. Presentemente, a doutrina mais recente sôbre impostos é exatamente contrária ao princípio do nosso jurista eclesiástico: o impôsto é uma forma de corrigir a má distribuição de renda, retirando dos que muito têm para dá-la aos que pouco têm. O impôsto é um tributo devolvido em bem coletivo ou individual, mas, neste caso de bem individual, vai recebê-lo exatamente quem não pagou o impôsto ou pagou menos. Tomemos, por exemplo, a saúde pública, ou a escola pública. É com o impôsto pago pelos ricos que a todos podemos estender êsses bens.

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