DIDONET NETO, João. Ajuda oficial às escolas particulares. Jornal do Dia. Porto Alegre, 18 mar.1960.

AJUDA OFICIAL ÀS ESCOLAS PARTICULARES

João Didonet Neto

Sôbre a questão das relações entre a escola pública e a escola privada, um dos pontos essenciais do projeto de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, declarou o professor Anísio Teixeira, diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, que pode chegar a parecer popular a defesa da escola particular, e que nisto se apoiam as fôrças reacionárias e as fôrças clericais católicas, para se insinuarem até mesmo como fôrças democráticas, em busca de recursos públicos para a obra de reação ou de proselitismo religioso. E acrescentou: A manobra social de conservar suas escolas privadas, com a ajuda do Estado, sob a forma de subvenção, suplementação de salários, bolsas de estudos, financiamento público e até custeio integral, pelos cofres públicos, pode ser ensaiada, mas deve ser denunciada, pois importa em retardar o processo de democratização da sociedade brasileira e da integração da classe média do povo brasileiro, todo êle um só povo, dividido em camadas sociais, é certo, mas percorridas tôdas elas pelo mesmo espírito e por vigorosa mobilidade, de que se constitui instrumento supremo exatamente a famosa <<escada educacional>>, isto é um sistema educacional contínuo da escola primária à universidade e a todos aberto, ou seja, <<público>> (Correio do Povo de 21 de fevereiro último).

E a campanha que se está movendo no Brasil, ferrenha e apaixonada, contra o projeto sôbre as diretrizes e bases da educação nacional votado pela Câmara dos Deputados, visa principalmente impedir que as escolas particulares venham a receber quaisquer recursos dos cofres públicos.

Na distribuição dos recursos do ensino, o projeto estabelece prioridade para a escola pública. Às escolas particulares, portanto, auxílio querem dar os que orientam esta campanha contra o ensino livre no Brasil. E os mentores deste movimento o defendem em nome da democracia.

Mas, na verdade, em nada prejudica o processo de democratização da sociedade brasileira conceder-se parte dos recursos do ensino às escolas particulares. De acôrdo com a concepção que triunfa em tôdas as nações verdadeiramente democráticas da atualidade, se admite que o Estado subvencione com a renda resultante dos impostos as escolas que os pais desejam para os seus filhos, de acôrdo com o princípio consagrado da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Não se trata, pois, de princípio anacrônico ou obsoleto, como diz Anísio Teixeira, mas de orientação da atualidade das grandes democracias, inclusive a Inglaterra e a França. Naquele país, as doações do Govêrno foram aumentadas de 22 milhões de libras. Não aplicam êsse princípio os países em que impera o totalitarismo de Estado, nas chamadas <<democracias populares>> do bloco soviético. Numa autêntica democracia, a escola particular deve existir para assegurar a liberdade de consciência e de crença, e, existindo o Estado para tutelar os direitos individuais, promover a prosperidade geral e criar e desenvolver um ambiente de cultura, onde os indivíduos encontrem o que necessitam para atingir a plenitude de seu destino, as escolas particulares devem ser ajudadas pelos poderes públicos, para que possam continuar a existir e ministrar o ensino com a mesma eficiência das escolas públicas.

A liberdade de ensino sem recursos é utópica, teórica ou fictícia, como era a liberdade do homem pelas doutrinas liberais. Em uma autêntica democracia, deve haver as condições necessárias para o exercício das liberdades, a fim de que elas não sejam embuste e mentira.

Na educação do povo, deve o Estado proporcionar iguais oportunidades a ricos e pobres. Mas êstes últimos podem freqüentar as escolas públicas, para as quais os poderes públicos canalizam os maiores recursos, e podem também freqüentar gratuitamente as escolas particulares por fôrça dos auxílios financeiros que o Govêrno dá a estas.

No Rio Grande do Sul, a Pontifícia Universidade Católica recebeu nos anos de 1958 e 1959, respectivamente, Cr$ 11.700.000,00 e 14.700.000,00, de auxílio federal, quando, nos mesmos anos, a Universidade do Rio Grande do Sul recebeu Cr$ 485.000.000,00 e Cr$ 669.000.000,00. E, no corrente ano, a verba para a PUC foi reduzida para Cr$ 11.700.000,00 e foi aumentada a da Universidade do Rio grande do Sul para Cr$ 952.000.000,00.

E essa situação vai perdurar, infelizmente, em face dos têrmos da nova lei. Esta não devia estabelecer preferência para o ensino público, como regra geral, na distribuição das rendas do ensino, mas devia fazer depender essa distribuição da obra educacional realizada pelas escolas públicas e particulares.

Diz-se que até agora o Estado brasileiro vem mantendo com grandes deficiências o ensino primário obrigatório, não devendo, por isso, desviar recursos públicos para a escola particular. Mas a subvenção custa menos que a transformação das escolas de particulares em públicas. E, portanto, não é negando-se auxílio às escolas particulares que se pode ampliar a obra educacional brasileira.

Esta luta contra o ensino livre no Brasil é motivo de alarma para as instituições vigentes. Quer-se alijar a escola particular, o maior baluarte da fé e também da democracia. A educação da sociedade será completa, se ensinarmos ciência e religião, as duas fôrças mais poderosas no futuro curso da história. E na religião encontrará a sociedade o ideal superior para a sua conduta, a fôrça para vencer. E a escola pública, se não é agnóstica, é neutra, para respeitar o credo religioso de cada um.

Afirmou o Papa Pio XI, em sua encíclica <<Divini illius Magistri>>, considerada verdadeiro código de educação, que a escola neutra ou laica, donde é excluida a religião, é contrária aos princípios fundamentais da educação, e se torna irreligiosa.

E, abandonadas as crenças de nossos maiores, ou se adotará totalitarismo de Estado, ou teremos a confusão e a insegurança, sem unidade espiritual ou de princípios fundamentais que orientem a conduta dos homens. O clima em que vivemos, é de desintegração e de conflito. E o Brasil já está contagiado pela anarquia mental que devasta o mundo, produto, em grande parte, da escola agnóstica ou neutra. Vivemos, disse Lippmann, desamparados numa floresta de máquinas e de fôrças indomadas que nos assediam a imaginação. E nossa cultura é confusa, nosso pensamento espasmódico, e nossa emoção descontrolada (<<Drift and Mastery>>, págs. 196-197).

E apoiam êste movimento também muitos que se dizem católicos, em manifesta discordância com a doutrina da Igreja que Pio-XI declara em têrmos peremptórios: Deve o Estado deixar livre e favorecer até com subsídios a iniciativa da igreja e das famílias na educação da juventude.

Ser ou não ser. Urge tomar, com desassombro, uma posição definida, como fazem os inimigos da religião e da democracia.

Rui Barbosa, termina a sua <<Prece do Natal>> com estas palavras, fazendo a Cristo esta súplica: <<Cura a nossa pátria da aridez da alma, que mata, semeando a tua semente nesta geração que desponta>>.

| Articles from newspapers and magazines | Interviews |