FREITAS, Jânio de. O país do futuro ainda não sabe ler. Manchete. Rio de Janeiro, 26 jan. 1957.

O PAÍS DO FUTURO AINDA NÃO SABE LER

Texto de Jânio Freitas

Fotos de Carlos Verr

O amontoado de necessidades de que se constitui o Brasil, a de educar é a mais premente. Estudos realizados pelo prof. Anísio Teixeira, diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, conforme um plano seu para remodelar o sistema de ensino primário, revelam que o Brasil tem, atualmente, um "deficit" de cêrca de 23 milhões de alunos-ano, o que corresponde ao "deficit" financeiro de Cr$ 159 milhões.

Dos 18 milhões de brasileiros tidos por alfabetizados, quase 2/3 apenas sabem assinar o nome. As escolas são poucas. O número de professôres, insuficiente. O estudo, caríssimo e mal orientado. O máximo de progresso, a que se pretende levar o Brasil no mínimo de tempo, não será possível, enquanto 60 milhões repousarem o desejo de progresso no trabalho dos 160 mil homens formados que existem no país.

Em 36 milhões de brasileiros maiores de 10 anos

há 19 milhões que são absolutamente analfabetos

problema educacional é, provàvelmente, o mais antigo de quantos ameaçam o Brasil. Em realidade, fora o trabalho de alguns poucos, que se debatem na procura de soluções, nada tem sido feito para superá-lo. Mas, se êste problema tem sua sede no Brasil, já ocorreu em quase todos os países hoje, chamados desenvolvidos. E, se existiu sempre, ampliou-se com a revolução industrial.

A exigência de técnicos para a indústria fêz com que os homens necessàriamente recorressem à escola, para assumir a condição de técnicos, o que, é lógico, resultou na alfabetização do povo. A diferença do problema no Brasil está em que os outros países buscaram a solução no momento mesmo que ela se fêz necessária, ao passo que o Brasil viu as dificuldades se agigantarem, sem tomar maiores iniciativas para combatê-las. Como os homens chamados à indústria eram aquêles mesmos que faziam a agricultura, e que, portanto, deixaram o conhecimento intuitivo para adquirir o conhecimento estudado, os totais de operários e agricultores demonstram o "quantum" de pessoas que foram obrigadas a alfabetizar-se para enfrentar as exigências da vida moderna.

Nos Estados Unidos, por exemplo, apenas 10% da população dedicam-se ainda à agricultura, quando, antes da revolução industrial, a quase totalidade dos norte-americanos trabalhava no campo. No Brasil, tem sido diferente: a população mantém-se nos trabalhos agrícolas, fluindo com muita lentidão para as novas normas do mundo. Em 1882, 77% dos brasileiros estavam entregues à agricultura; em 1920, a percentagem decrescia para 69%; nos 20 anos seguintes, apresentava sòmente 4% a menos, e o recenseamento de 1950 veio demonstrar que 42% dos brasileiros ocupam-se ainda com agricultura. Isso quer dizer que nem mesmo o progresso industrial, a que o Brasil é levado pelo ritmo de mundo, foi capaz de obrigar os brasileiros a adquirir o mínimo de conhecimento.

Verdadeiro e (triste)

retrato do Brasil

s dados que estabelecem a escala educacional do povo brasileiro são os mais alarmantes e ameaçadores, para um país que se propõe ser a Grande Nação, num futuro próximo. Os números que aqui se apresentam, estão, naturalmente, arredondados: seu objetivo não é compor uma estatística precisa, mas retratar uma situação autênticamente brasileira.

Dos 36 milhões de brasileiros maiores de 10 anos, conforme o último recenseamento, 19 milhões são absolutamente analfabetos. E, dos restantes 17 milhões, tidos por alfabetizados, apenas 6 milhões conseguiram concluir um curso qualquer - a maioria, apenas o primário. A alfabetização dos outros não vai muito além da rude e sofrida assinatura do nome. Formadas, mesmo, em todo o Brasil, existem apenas 160 mil pessoas. Menos de um milhão tem curso médio. Os restantes alfabetizados verdadeiros não passaram do curso primário.

O Distrito Federal é, das unidades que compõem o Brasil, a que apresenta melhores índices: sôbre 2 milhões de cariocas maiores de 10 anos, apenas 300 mil são analfabetos de todo. Nos Estados, com exceção de São Paulo, os índices são menos favoráveis, reduzindo-se, às vêzes, a cifras que vão pouco além de zero.

Pouca gente chega

até o fim do curso

não ser nas cidades de maior densidade populacional, ao contrário do que se supõe, o número de escolas seria suficiente para, em condições normais, abrigar as crianças em idade escolar. Ocorre, porém, um fenônemo estranho: enquanto, do 2º ao 5º ano, o número de alunos não chega, em geral, a lotar as classes, as matrículas na primeira série primária são em números elevadíssimos, o que torna uma desagradável aventura o fato, aparentemente normal, de matricular um filho. Êste fenômeno, porém, tem explicação simples: apesar do grande número dos que deixam a escola após cursá-la por apenas um ano, o número de repetentes neste ano é tão grande, que daria, por si só, para compor as novas turmas da primeira série.

Explica-se, assim, então, que a segunda série tenha a metade dos alunos que normalmente teria e que a primeira seja obrigada a conter números tão grandes de crianças, visto que aos repetentes somam-se os novos alunos. Isto, aliás, é bem demonstrado na última estatística realizada (1953), pela qual se constata, também, que o fenômeno vai além da primeira e da segunda séries, pois que o número de alunos decresce à proporção que as classes vão sendo promovidas às séries seguintes, chegando ao 5º ano menos de 1% das crianças que iniciaram o curso. A estatística, que registra o andamento dos alunos que ao mesmo tempo iniciaram os estudos, é a seguinte: no primeiro ano eram 1 milhão 950 mil alunos; já no segundo, estavam reduzidos a 765 mil, no terceiro desceram a 530 mil; no quarto, a 315 mil; e ao quinto ano chegaram apenas 16 mil alunos.

Levar para a escola como

se leva para o quartel

os estudos realizados pelo prof. Anísio Teixeira, resultou um plano para alcance mais amplo do curso primário e de mais rápido efeito sôbre a população. Êste sistema seria como que a versão nas escolas do recrutamento militar, isto é, os alunos em idade escolar seriam convocados à frequência obrigatória às séries primárias. Estas, aliás, seriam modificadas em sua estrutura atual, conforme a seguinte estimativa: seis anos de curso para a população urbana (cêrca de 20 milhões), educando-se 4 milhões de alunos por ano; quatro anos de curso para a população rural (cêrca de 35 milhões), educando-se por ano outros 4 milhões de crianças. Além disso, seriam aumentados o período diário escolar e o número de dias de aulas por ano.

Em seu estudo sôbre esta reforma, diz o prof. Anísio Teixeira que, atingida a meta de seis anos de escolaridade fundamental nas cidades, abrir-se-ia a possibilidade de estudo aos alunos mais capazes, seja qual fôr sua situação econômica, e aos alunos que estejam em condições financeiras de continuá-la, qualquer tenha sido seu aproveitamento no primário. Diz a nossa Constituição que a educação primária é gratuita e a pós-primária o será a todos quantos provarem insuficiência de recursos. Em face disso, a educação média, como também a superior, seria sempre paga. Aos alunos capazes e que provassem falta de recursos, o Estado ofereceria bôlsas de estudo.

Desapareceria, assim, a diferença mais profunda entre a escola pública e a escola particular: ambas seriam pagas e ambas seriam autônomas. As públicas, instituídas em fundações, com autonomia financeira, administrativa e técnica. Os professôres pertenceriam às escolas e não ao Estado; portanto, teriam os salários correspondentes aos recursos da escola, adotados pelos Conselhos Administrativos, com a plena responsabilidade da manutenção dos colégios em sua totalidade.

Com a escolaridade obrigatória nas cidades até os 14 anos, não seria difícil orientar os melhores alunos para os múltiplos caminhos equivalentes do ensino médio.

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