SALMERON, Roberto. Mente ágil analisando o presente e sondando o futuro. O Globo. Rio de Janeiro, 29 jul. 2000. Caderno Prosa e Verso, p.2.

MENTE ÁGIL ANALISANDO O PRESENTE E SONDANDO O FUTURO

Roberto Salmeron

Neste ano comemoramos o centenário do nascimento de Anísio Teixeira, uma das maiores figuras da educação no Brasil. Como não temos o hábito de cultivar nossa memória intelectual, pessoas até com diplomas universitários, muitos docentes e a maioria dos estudantes não sabem quem foi. No entanto, todos os que se interessam pela evolução do ensino em nosso país não deveriam deixar de conhecer as suas idéias e as suas ações. Foi um lúcido batalhador pela educação.

Anísio Espínola Teixeira nasceu em 12 de julho de 1900 na cidade de Caetité, na Bahia, fez o curso secundário no Colégio dos Jesuítas, em Salvador, e formou-se em direito no Rio de Janeiro. Sua luta pela educação começou aos 24 anos de idade, quando assumiu o cargo de Inspetor Geral do Ensino da Bahia. Bem jovem, ligou-se a um grupo de intelectuais do Rio de Janeiro interessados em educação e muito críticos em relação ao sistema então vigente. Atuavam na Associação Brasileira de Educação, onde ele foi um dos organizadores do movimento chamado Escola Nova. Dedicou sua vida a renovar o ensino em todos os níveis, primário, secundário, normal, profissional, artístico e superior.

É difícil encontrar, em qualquer país, pessoas que tiveram tanta influência em assuntos de educação quanto Anísio Teixeira teve entre nós, aliando duas qualidades fundamentais: a de filósofo da educação e a de homem de ação. Como filósofo da educação, procurava estabelecer princípios gerais que devessem reger a ação dos educadores, visando sempre a educação como fator indispensável para melhorar.o homem e a sociedade. Como homem de ação, lutou por idéias e pela solução de problemas de grande alcance social e moral: educação como base da democracia, educação para todos independentemente do status social ou econômico, educação pública de qualidade, defesa intransigente da escola pública, ações essas simbolizadas na sua famosa frase "educação não é privilégio, é direito". Essas questões fundamentais para o desenvolvimento da nossa sociedade continuam sendo de grande atualidade, e é por isso que as idéias de Anísio Teixeira são ainda de imenso interesse 30 anos depois da sua morte. Todos, especialmente os jovens, deveriam ler ou reler os textos deste grande educador.

Anísio Teixeira agiu em questões as mais variadas: como ensinar a ensinar, como fazer pesquisa em educação, organização de escolas, administração escolar, prédios adequados para escolas, financiamento de escolas, formação dos professores.

Aos 31 anos, como diretor do Departamento Municipal de Educação do Distrito Federal, iniciou uma reforma do ensino no Rio de Janeiro.

Anísio Teixeira foi um dos pioneiros no Brasil do conceito de universidade não somente como lugar de ensino, mas de criação intelectual em todas as áreas. Movido por esse ideal, criou no Rio em 1935, aos 35 anos, a Universidade do Distrito Federal, singular experiência em educação universitária. Nela ensinavam expoentes da nossa cultura, pesquisadores e artistas conceituados, como VílIa-Lobos, Portinari e Mário de Andrade.

Com suas idéias e ações pela democracia na escola, e pela escola como base da democracia, Anísio Teixeira foi combatido por intelectuais conservadores, entre estes Alceu Amoroso Lima e Gustavo Capanema, ministro da Educação de Getúlio Vargas, que tudo fizeram para que a Universidade do Distrito Federal desaparecesse; foi extinta por decreto em janeiro de 1939. Anísio Teixeira, perseguido pela ditadura que se instaurou, foi destituído de todos os seus cargos. Essa universidade, que poderia ter sido da maior importãncia para o Brasil, durou somente três anos e meio. Mas a idéia permaneceu, foi o germe da Universidade de Brasília 20 anos depois.

Profundamente interessado em elevar o nível do corpo docente, Anísio Teixeira criou, em 1951, a Capes, instituição da maior relevância, que desempenhou papel importante na formação de milhares de universitários de todo o país.

Era conselheiro para assurntos de educação de Juscelino Kubitschek, que o convidou para fazer o Plano Educacional de Brasília. Quando tomou as providências para a fundação de uma universidade na nova capital da República, o Presidente convidou Anisio Teixeira para organizar a Universidade de Brasília. Esta universidade foi criada com estrutura que Anisio Teixeira defendia, desde 30 anos antes dela existir. Com o golpe militar de 1964, foi novamente perseguido pela ditadura e destituído de seus cargos públicos.

Quando fui iniciar o Instituto de Física da Universidade de Brasília, Anísio Teixeira era o reitor. Tive o privilégio de manter com ele conversas quase diárias, ouvindo suas opiniões sobre educação no Brasil e no exterior. Mente ágil analisando o presente e sondando o futuro, as conversas com Anísio Teixeira eram inesquecíveis. Além dos assuntos muito diversos que podia desenvolver, ele impressionava por sua grande modéstia.

A memória deste grande homem deve ser cultivada, pelas novas gerações, é parte da nossa História.

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