BRITTO, Jader de Medeiros. Arquiteto da Educação Brasileira. UnB Notícias. Brasília, v.2, n.40, nov. 1999. p.11.

Arquiteto da Educação Brasileira

Jader de Medeiros Britto

Pai republicano, positivista, mãe católica e educado em escolas inacianas, o contraponto já estava na raiz da formação de Anísio. E se não realizou na juventude o sonho de tornar-se jesuíta, acabou cumprindo a profecia de seus mentores da Sociedade de Jesus de que "haveria de desempenhar papel relevante na educação brasileira."

Em seu árduo itinerário, podemos distinguir três momentos marcantes: o primeiro como Secretário de Educação e Cultura do antigo Distrito Federal, no governo do prefeito Pedro Ernesto (1931-1935), quando realiza o mais completo empreendimento educacional na história do município do Rio de Janeiro, compreendendo do pré-escolar à universidade. Funda então a UDF e dá nova dimensão aos cursos supletivos, projetando-se como um educador a serviço dos ideais democráticos. Nessa perspectiva, a pós-graduação na Universidade de Columbia, Estados Unidos, onde recebeu o título de "Master of Arts", com especialização em Filosofia da Educação, iria identificá-lo com o ideário da Escola Nova, habilitando-o a conscientizar-se da antinomia existente na realidade educacional brasileira entre a educação para as elites e a educação para o povo.

Havendo subscrito o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, encarnou em sua experiência de administrador o ideário ali expresso de democratização das oportunidades, mediante a expansão da rede pública de ensino, sua modernização e a capacitação de pessoal docente, em condições de atender às demandas da sociedade e particularmente das classes menos favorecidas.

Sua atuação revolucionária no Distrito Federal de então despertou a ira das elites conservadoras, acalmada com a sua exoneração, antes que se instalasse o Estado Novo, ao longo do qual esteve banido do cenário educacional, pois Anísio não era vocacionado para servir às ditaduras.

Com a redemocratização do país em 1946, retorna às lides do ensino com Secretário de Educação e Saúde do Estado da Bahia, no governo Otávio Mangabeira (1947-1951), quando ocorre o segundo momento-chave de sua atuação. Empreende então a experiência paradigmática da Escola Parque de Salvador, no bairro da Liberdade, destinado à formação de crianças e adolescentes do estrato pobre da cidade. Com o suporte de uma excelente biblioteca situada no centro do campus, o currículo da escola compreendia cultura geral, artes, educação física, habilitação para o trabalho com a aprendizagem de um ofício, além de práticas de vida social, assistência médica e alimentar. Havendo recebido a denominação de Centro Educacional Carneiro Ribeiro, a Escola Parque desenvolvia um programa de educação integral, com oito horas diárias de atividades escolares, uma experiência ideal em termos de Brasil, nem sempre preservada, ao longo do tempo, em seus objetivos pedagógicos.

Em 1951, Anísio retorna ao cenário federal como Secretário Geral da CAPES, para coordenar o aperfeiçoamento do pessoal de ensino superior, dada sua preocupação com o preparo de quadros docentes em nível de pós-graduação. Com essa finalidade, encaminha grande número de bolsistas de todo país para realizarem cursos de especialização, mestrado e doutorado no exterior. Já em 1952, acumula essa função com a direção do INEP, criando então o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e uma rede de 5 Centros Regionais de Pesquisas (São Paulo, Recife, Belo Horizonte, Salvador e Porto Alegre). No CBPE instala a nova biblioteca com mais de 100.000 volumes, à época considerada pela UNESCO a mais importante da América Latina na área e hoje constituindo o acervo da UFRJ. Nesta fase, Anísio Teixeira vive o terceiro culminante momento de seu itinerário como educador. Em fins dos anos 50, lidera a Campanha em Defesa da Escola Pública, enquanto no Congresso Nacional a corrente de ensino privado, liderada por Carlos Lacerda, intensifica seu poder de fogo para que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação privilegiasse a iniciativa particular. Com argumentação lógica, coerente com suas idéias progressistas, Anísio se empenha na construção de um sistema público de ensino, por ele considerado mais democrático e igualitário por eliminar ou reduzir as diferenças de classe social, de poder econômico, de crença ou de raça.

Com a mudança da capital para Brasília, Darcy Ribeiro, então diretor da Divisão de Estudos e Pesquisas Sociais do CBPE, articula neste Centro, com total apoio de Anísio Teixeira e a participação de outros intelectuais de renome, o projeto de criação de uma universidade para a nova capital. Concebida para ser a melhor experiência educacional já empreendida na América Latina, a Universidade de Brasília foi criada em 1961 e Anísio veio a ser seu segundo reitor, de 1962 a 1964. O golpe militar de 1964 afasta Anísio, mais uma vez, de suas funções no cenário educacional brasileiro.

Geralmente considerado um liberal progressista por sua atuação, suas análises e conceituações, o pensamento educacional de Anísio Teixeira é marcado pelas matrizes teóricas do pragmatismo reconstrutivista de John Dewey e William Kilpatrick, um pensamento aberto, em vir-a-ser, em contínua reformulação. Sua agenda para a educação brasileira continua atual porque centrada nos pressupostos de responsabilidade fundamental do Estado, da democratização das oportunidades de acesso aos diferentes graus de ensino, através de uma rede pública de qualidade e do pleno exercício da liberdade, para ele, a morada da educação.

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