CALMON, Jorge. O século de Anísio Teixeira. A Tarde. Salvador, 13 jul. 1999.

O século de Anísio Teixeira
Jorge Calmon

Passou ontem o 99º aniversário de nascimento de Anísio Teixeira, de modo que no ano próximo se comemorará, naturalmente que de forma a mais expressiva, o centenário do grande educador, cujas lições e uma atuação inovadora e sofrida marcaram o século que se está a findar.

Anísio Teixeira foi um genial produtor de idéias. E, quando lhe permitiam, um bem-sucedido realizador.

Com inteira propriedade, dele disse Hermes Lima, na fiel biografia: "Na história da República, nenhuma sonda de educador desceu tão fundo e tão certeira no âmago de nosso sistema educacional como a sua. Examinou, pesquisou, detalhou, virou pelo avesso nosso sistema educacional em todos on níveis, debatendo, sugerindo, propondo. Toda sua obra doutrinária e prática, que é encontro permanente com o significado e o alcance da educação brasileira, possui o tom vivo e quente oriundo da intrepidez e da seriedade na procura de soluções, tom não raro provocativo, iluminado pela heterodoxia na busca do saber e da compreensão".

Feliz o país ao qual o destino benfazejo ofereceu uma criatura como Anísio Teixeira, mas ingrato e indigno o país que não sabe aproveitar essa dádiva sem igual.

Lamentavelmente, o Brasil está sendo indigno da fortuna representada pela existência de Anísio, e ingrato porque rapidamente vai se esquecendo de sua mensagem.

Basta observar que nada praticamente mudou, para melhor, desde seu desaparecimento, há 20 anos. Basta ver as centenas de crianças e adolescentes, em todas as grandes cidades brasileiras, esmolando nos cruzamentos do trânsito, ou transformados em pivetes, que assaltam, que roubam, que matam.

Basta pensar nas inúmeras crianças e jovens a que não chegam, nestes vastos Brasis, as luzes da instrução ou do preparo profissional.

Basta tomar conhecimento dos baixíssimos níveis de remuneração do professorado, das diversas categorias, num atestado suficiente do desapreço pelo seu trabalho, e do desencorajamento para ingresso na classe, ou para a devida dedicação ao ensino.

Basta ver a pouca significação dos recursos destinados à educação nos orçamentos públicos, em comparação com as gordas verbas para tantos outros fins.

Basta ver a despreocupação dos administradores, assim como das próprias elites locais, em estados e municípios, pelos assuntos relacionados com o ensino, numa lamentável decepção para com uma das idéias centrais de Anísio, que era a descentralização dos serviços educacionais.

Em suma, o Brasil não está preocupado com o futuro: o "país do futuro", assim chamado por Stefan Zweig, não quer ter futuro. Desvanece-se, portanto, a visão de Anísio, o supremo objetivo de sua existência.

O que há, realmente, de importante e mais digno de perpetuação no legado de Anísio não é, propriamente, o acervo de suas realizações, ou o que sobre ele escreveram, porém - creio eu - a sua lição, a sua doutrina, o rico aconselhamento que fluiu do seu espírito privilegiado, sobre a primazia da educação entre as questões nacionais e sobre como tornar isso a realidade redentora a que ele consagrou o melhor de sua vida.

Essas idéias deviam ser absorvidas pelos professores até, se possívle, o ponto de saturação.

Não sei bem como conduzir o professorado a ler e reler os conceitos e conselhos formulados por Anísio, e sobre eles meditar com fervor semelhante ao que se dedica à palavra sagrada. Porque, em verdade, foi o Evangelho da Educação o conjunto de preceitos nascido naquele pensamento clarividente, a que se apresentou, com absoluta clareza, como a ninguém, a urgente necessidade de socorrer o atraso brasileiro por meio do resgate das novas gerações.

Seria talvez o caso de preparar uma cartilha com a seleção das observações e recomendações de Anísio, e distribuir entre o professorado. Ou promover concursos que tivessem por tema suas reflexões. Ou, ainda, organizar seminários periódicos para discussão e possível desdobramento de sua filosofia. Ou aferir, pelo conhecimento e explicação das teorias elaboradas por ele, o grau de maturidade ou capacidade de raciocínio do professor, até como critério para a promoção funcional, ou melhoria da faixa de vencimentos.

Vejo nessa perspectiva um campo de trabalho particularmente atrativo para as secretarias de Educação, o Instituto Anísio Teixeira, a Academia Baiana de Educação, as escolas de Educação de nossas universidades e quantos mais atuem na área do ensino ou por este se interessem.

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