PIRES, Homero.Carta a Anísio Teixeira, Bahia, 26 nov. 1936.
Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATc 27.10.30.

Bahia, 26 de novembro de 1936

Meu caro Anísio

Aqui estou, onde cheguei a 17 deste, para assistir à inauguração do Instituto do Cacau. E logo perguntei por você, onde se encontrava, e foi depois de devida e seguramente informado pelo Mário Bessa que passei a lhe escrever.
Sempre senti com amargura não estar no Rio entre os mais bem aceitos por você, por entre uma turbamulta de amigos... Isto para mim, porém não tem nenhuma importância. E creia que sempre penso em você, e olho para o seu caso, como para o de Hermes, como amostras do momento agudo de hipocrisia e insinceridade em que andamos engolfados. Se o Brasil fosse uma nação, o seu caso seria impossível. Você acoitado, refugiado nos sertões, por ter feito a obra mais humanista de educação do Brasil! Disse-me agora o Adalberto Correa que você é o chefe neste momento, do comunismo do Brasil! E muita gente cala diante desse louco, por medo e covardia. Mas a exploração do comunismo não pode durar muito, sobretudo quando a sucessão presidencial se definir definitivamente. Eu não posso lhe confiar aqui tudo que há, mas estamos no bom caminho político, que nos levará à libertação espiritual do Brasil.
Quanto ao Hermes, o relatório policial o ex-culpa inteiramente, livra-o de toda a responsabilidade. O Race prometeu-me, por mais de uma vez, soltá-lo dentro de dois a três dias. Isso tem mais de três meses. Foi o Adalberto Correa quem se interpôs, impedindo a soltura. O Race teme a língua e a loucura do Adalberto. O próprio Race me disse no momento do meu pedido que obtivesse o silêncio do Adalberto, pois receava da sua língua. E depois o próprio Adalberto me declarou que fora ele quem obstara a liberdade do Hermes no momento. Agora, passando por S. Paulo, o Clemente Mariani obteve alguma coisa de "interessante" para a libertação do nosso amigo, e mo comunicou assim por telegrama de S. Paulo, quando eu ainda estava no Rio. Mas vim para aqui sem ver o Clemente, e não sei do que se trata. Fui eu mesmo quem sugeriu ao Clemente conversar com o Armando, agora, quando somos "namorados" de S. Paulo.
Escreva-me, até porque a minha correspondência não tem censura, e demais nada temos para lhe sofrermos os vexames, pois não conspiramos contra a ordem sob qualquer credo. Temos bastante espírito para não acreditar no Brasil e nas conspirações ou revoluções, quaisquer que elas sejam. Isto há de viver assim mesmo, e há de caminhar e acabar assim mesmo, como o país desgraçadamente sem cura e sem remédio. Tolo será quem o queira consertar assim pelas cimalhas. Quando se faz um trabalho como o seu, de fundamentos e alicerces, para a coroa final dos últimos remates, vêm os cretinos e os hipócritas, e estragam tudo, mesmo sabendo que estão mentindo. Pode-se, pois trabalhar numa terra assim? Os que crêem no Brasil, como você acabam foragidos, perseguidos pelos patriotas . O melhor, portanto, é não crer. Eu não cri nunca. Ah, nunca! Adeus e recomenda-me a todos os seus, a sua senhora, a sua mãe, a todos os seus. Lembranças a Chico Pires e receba um abraço fraternal de

Homero

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