LOBATO, Monteiro. Carta a Anísio Teixeira, São Paulo, 20 maio 1945.
Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATc28.06.22
Carta publicada no livro Conversa entre amigos: correspondência escolhida entre Anísio Teixeira e Monteiro Lobato. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas / CPDOC, 1986. p.96.

São Paulo, 20.5.45

Anísio

Sempre que me sento à máquina para "liquidar" a correspondência, penso em escrever a você - e não escrevo. Não escrevo porque há tanto a dizer que o veículo carta é raso demais - é gôndola, e o assunto é tanto que pede todo um navio-tanque de carregar petróleo. Além disso há sempre a vaga esperança de que, de repente, o Otales me diga (como das outras vezes): "Sabe que o Anísio chega no dia tanto?" Mas os meses se vão passando e nem carta, nem Anísio. E que bom se você viesse agora que acabou a guerra, que a nossa ditadura teve de levar a breca e há um milhão de assuntos novos na berlinda… Agora é que você devia passar toda uma semana aqui, para nos carregar as baterias. Junto a esta uma carta a dona Emília, a ver se lhe amoleço o coração.

O buraco que você deixou em São Paulo parece buraco de estrada de rodagem da China - aqueles que ficam abertos a vida inteira. Todos dizem isso. Você é um fazedor de buracos impreenchíveis. Ninguém te substitui, Anísio. Não há no mundo uma personalidade e uma mentalidade mais viva,, penetrante e iluminadora que a sua. A vida sem o Anísio é uma porcaria - saiba disso.

Adeus. Volto à esperança de sempre: uma telefonada do Otales: "Sabe, Lobato, que o Anísio está a chegar?"

Um grandíssimo e tremendíssimo abraço de todos nós daqui.

Lobato

 

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