ABREU, Jayme. Carta a Robert J. Havighurst, Rio de Janeiro, 24 abr. 1964.
Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATc 64.04.24.

Guanabara, 24 de abril de 1964

Prezado Prof. Robert J. Havighurst:

Sua carta de 17 deste está me chegando às mãos e a enviada ao Anísio Teixeira lhe será entregue tão logo volte ele dos Estados Unidos, onde está em viagem prevista para não mais de uma semana.
Pede-me o prezado amigo que lhe dê notícias do que ocorre por aqui, especialmente em relação à continuidade das atividades educacionais do Mestre Anísio.
No momento em que lhe escrevo nada de consumado posso ainda lhe anunciar.
O novo Ministro da Educação, Reitor Flávio Supplicy Lacerda (Paraná), teria todavia dito de viva voz ao Anísio das imensas dificuldades para resistir às pressões por afastá-lo do INEP. Fala-se já em nomes para o INEP como os dos Prof. Carlos Pascoale (São Paulo), Gildásio Amado e inclusive no do J. R. Moreira com a conseqüente direção geral dos Centros.
Nesses dias, nessas horas, tudo deverá se esclarecer. A Universidade de Brasília foi fechada e depostos seus dirigentes. Se sair também do INEP, terá sido Anísio, com seu extraordinário espírito público e lúcida competência vítima total, mais uma vez, dessas "journée de dupes" em que é tão fértil o Brasil... Ao saber das maquinações fantasiosas, cerebrinas, do pensamento ultramontano, vira ele algo de diabólico, de terrífico que urge expurgar... Então é proclamado perigoso "comunista", um singular comunista discípulo confesso de Dewey e um pouco de Whitehead, um prousteano ou gideano que jamais sequer leu e citou Marx ou Lenine, os quais aliás, como intelectual era o caso de conhecer.
Um "comunista" a quem uma expressão tão autêntica da intelectualidade americana como a Columbia University acaba de destinguir com um dos seus mais altos títulos... Um "comunista" que é o maior introdutor do pensamento pedagógico norte-americano no Brasil... Aliás, talvez aí a John Birah Society também o julgasse. Um "agnóstico" (depois de perdida a fé religiosa) que jamais sectarizou suas convicções pessoais no trato dos negócios públicos, tendo a seu lado, à vontade, em postos-chave católicos militantes. Um "inimigo da escola particular" só porque defende a escola pública como instrumento fundamental do estado democrático e que compreende a existência da escola particular se, de fato, livre e autêntica.
Dele, Anísio, disse outro dia o Presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Particular da Guanabara, Prof. Santa Rosa , em entrevista, que se fosse levado em conta a posição constante do depoimento dele Anísio, quando inquirido sobre o problema das anuidades, em inquérito feito pelo D.N.E., não haveria esse problema de escola particular e pública. No mais é ele o trabalhador cuja capacidade intelectual e de trabalho é notória, tanto quanto seu espírito público. Tão pouco será preciso arrolar seus imensos serviços, em doutrina e em ação, à educação no Brasil. São tantos e tamanhos! Contra ele se levantam os cochichos, os murmúrios, as deturpações, as cavilações, os sectarismos, as intolerâncias, os farisaísmos, as mistificações.
Não será pela primeira e desgraçadamente vê-se que não o será também pela última vez.
Tudo isto justifica, aplicado ao Brasil, aquele conhecido lamento do espanhol: como me dói a Espanha!...
Enfim... vamos ver como as coisas se desenrolam! Espero que o senhor vá bem e possa continuar dando sua útil colaboração à nossa educação. Algo que pareça interessante de lhe comunicar eu o farei.

Um abraço cordial de

Jayme Abreu  

P.S. O Prof. Carlos Pascoale foi nomeado Diretor do INEP

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