AZEVEDO, Fernando de. Carta a Anísio Teixeira, S. Paulo, 19 mar. 1933. Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATc 31.12.27.

S. Paulo, 19/3/33

Meu querido Anísio

Tenho-o acompanhado muito de perto nesses ultimos vinte dias de grandes trabalhos aggravados de contrariedades e aborrecimentos em consequencia da campanha que vem soffrendo. Confesso que me surprehendeu dolorosamente ter ellas partido de quem e donde partiu. Muito teriamos que conversar sobre o assumpto: espero uma opportunidade para as palestras que minha ultima viagem ao Rio não permittiu devido aos cuidados que me inspirava o seu estado de saude.
Já sabe que, a esse respeito, voltei tranquilo. Verifiquei tambem, com prazer, que V., naquelle dia da entrevista com o Malaguetta, que quasi lhe impus, voltava para Petropolis, com o espirito desanuviado. Mas se tornei a S. Paulo despreoccupado em relação à sua saude, trouxe o espirito ainda mais carregado das apprehensões, com que sentia avisinhar-se e definir-se a campanha que já se vinha esboçando contra a sua administração.
Mas, tudo há de passar e lhe será feita a justiça que a mim, parece-me, já começaram a fazer. Não cuide, porém, que são menores aqui as difficuldades com que venho luctando. O mar que navego é tambem tempestuoso e cheio de perigos: às vezes é um escolho de que é preciso de repente desviar o governo, numa rapida manobra que os mais atilados chegam a sentir e a comprehender; outros, é preciso derramar, no mar grosso, alguns barris de oleo para se fazer em torno do Departamento uma zona de calma, que permitta mais tranquillidade à administração. Já mais de uma vez tive de passar, com ventos rijos, no meu barco fragil, momentos de inquietação para todos e que me foi necessário supportar com indifferença apparente, como se eu fosse estranho a todos os rumores de perigo…
Não é menor aqui a difficuldade de pessôas. Soffremos junctos por ideais communs. Não sei se darei minha entrevista "A Nação". Não só me parece já ter perdido a opportunidade, mas tambem a disposição em momento em que se acirra a lucta contra V. e outros companheiros. O inquerito não tem sido dirigido com isenção de animo.
Quanto à critica que V. fez à reforma do ensino normal, em S. Paulo, o Venancio já lhe deve ter falado. Dei-lhe a ler a sua carta e, depois, conversamos sobre os principais topicos de sua critica, que me pareceu justa em um ponto, e pouco segura, em dois outros.
Voltaremos ao assumpto quando nos encontrarmos. É certo que já começamos a fazer obra commum e de unificação dos diversos systemas escolares brasileiros. Não é esta uma obra nacional, de espirito nacional, no mais alto sentido da palavra?
Adeus. Recomendações à sua senhora e abraços aos amigos communs. Pretendo ir ao Rio em abril. E a sua visita, para quando ficou? Addiada mais uma vez?

Com toda a amizade, o seu de sempre

Fernando

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