AZEVEDO, Fernando de. Carta a Anísio Teixeira, S. Paulo, 27 jan. 1971. Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATc 31.12.27.

S. Paulo, 27 de janeiro de 1971

Meu querido Anísio,

que não há palavras para exprimir a imensa dor que nos deixou arrasados, com a morte inesperada de um filho, V. sabe tanto quanto eu. V. passou pela mesma e terrivel provação. A perda de um filho que à noite se despedira do pai, com um "até amanhã", para ir estudar com amigos. E pela madrugada, morto, em consequencia de um acidente. Que sofrimento, o seu então!
Foi-se minha filha Livia, tambem de uma hora para outra. Não de um desastre, mas de um acidente de saude. No dia 31 de dezembro, falei-lhe duas vêzes por telefone. Ela, a filha inesquecivel, morava em Santos. Na segunda vez em que pedi uma ligação para sua casa (era uma filha com quem gostava de conversar), trocamos cumprimentos e votos de feliz ano novo. E o ano que o destino nos reservou, foi o mais infeliz de nossa vida de casados.
No dia seguinte, a 1º de janeiro, já não vivia. Não sei se desta vez conseguirei recuperar-me dessa provação. Sinto que ainda não voltei a encontrar-me comigo mesmo. Sombras, trevas, perguntas sem respostas. Revolta contra a nossa pobre condição humana, com seus frageis recursos de reação e defesa em face dos tremendos desafios e misterios da vida. Tudo, nela, é transitório. O que nos apavora na morte e não nos permite aceitá-la é, de fato, seu caracter definitivo. Alguma cousa para sempre, e irreversivel. Oh! Que advertencia implacavel senão quasi uma afronta às nossas aspirações de poder, esse "nunca mais".
O que torna mais angustiantes meus sofrimentos, em um caso como esse da perda imprevista de uma filha tão amada por nós, é o meu problema religioso. Tranquilos são os que creem em Deus e na vida sobrenatural como os que não creem. Os que afirmam ou os que negam. Os crentes e os ateus. Mas, para mim, a religião é um problema, e sem solução. Pois não tenho meios de afirmar nem de negar. Estou entre os que esperam a graça da fé. Não a tive até agora, mas é possivel que ainda venha a te-la.
E agora, depois dessas questões extra-terrenas ou sobrenaturais, que constituem um reino quasi impenetravel, - a questão de sua candidatura à Academia Brasileira. À questão? Não. Mas a sua eleição para a Academia, na vaga de Clementino Fraga, - esse outro ilustre baiano que foi, em Faculdades de Medicina, na Bahia e no Rio, um dos mais eminentes professores, e um notável diretor de Saude Publica, no Rio de Janeiro, quando Presidente Washington Luiz. Candidato que é, e já inscrito, V. já pode considerar-se eleito. Ninguem, creio eu, lhe disputará a cadeira que lhe cabe, por todos os titulos.

Do muito e sempre seu,

Fernando

| Cartas de Anísio Teixeira | Cartas a Anísio Teixeira | Cartas entre terceiros |