EBOLI, Terezinha. Carta a Anísio Teixeira, Salvador, 26 abr. 1964.
Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATc 64.04.26.

Salvador, 26-4-1964

Caro prof. Anísio:

A tristeza, hoje, invadiu o nosso Centro; desde as primeiras horas do dia, não se ouviu voz de funcionário. Cada um de nós se fez de forte e tentou exibir a tal maturidade dos que não choram.
Dizer-lhe o quanto lamento, será repetir, com certeza, numa cadeia de ecos, a opinião, não só de brasileiros que acreditam na verdadeira educação, como a de estrangeiros que o conhecem e admiram. Como um país pode regredir quarenta anos, de repente, Dr. Anísio! Que faremos nós, agora, pelas gerações mais novas, para livrá-las dos males de um presumível estado-novo?!
Tinha em pensamento uma carta alegre dando conta do recado de que me havia incumbido: conseguir que a Carmita se deixasse filmar pelos americanos. Realmente, apesar do cansaço da filmagem, ela foi de uma amabilidade ímpar: deixou-se filmar em diversas cenas, entrevistas e em contato com os meninos de azul. A Escola Parque estava brilhando e os americanos confessaram que jamais haviam visto, em suas andanças pelo mundo, obra semelhante. Tomaram como tema para o filme "o que pode fazer por um menino a educação integral, comparando-o com outro menino de uma escola comum". Escolheram um aluno da Parque, vivo e interessante, e o acompanharam em todos os setores.
Achei que eles deveriam filmar apenas o primeiro tema - que é óbvio - e não levar do Brasil a documentação de que uma escola comum do estado é uma casa caindo aos pedaços, onde os meninos têm como pedagogia…as paredes brancas, sujas de dedos pretos e…a barriga vazia. Enfim, como levaram uma variedade muito grande de cenas, esperemos que a composição do filme seja favorável à Escola Parque. Carmita bem o merece; seu trabalho criador é admirável. Embora estejamos todos na espectativa, resta-nos uma doce esperança de que ela possa continuar sua obra. Não consigo conformar-me com a idéia de trocar o fardamento azul pelo verde…
Hoje completam três meses que o senhor assinou a minha prorrogação de requisição e eu, pessoalmente, levei à Secretaria de Educação. O silêncio é o mesmo. Creio que não terei mais chance de permanecer em Salvador, infelizmente. Irei sentir muito tendo que regressar ao Rio, onde meus filhos vivem em estado precário de saúde.
Volto a agradecer o ano feliz que o senhor me proporcionou e o privilégio de trabalhar com Carmita. Se eu tivesse meios, iria dedicar-me ao comércio e esquecer a pretensão de ser educadora num país em que a palavra "democracia" assume aspectos de um camaleão…
E, agora, Dr. Anísio será o momento para um merecido descanso? Por que não vem até cá, rever a velha Bahia e os sinceros amigos, velhos e novos?
Carmita, uma autêntica representante da fibra sertaneja, está serena e aguardando com dignidade os acontecimentos. Saiu no jornal de hoje a comissão encarregada das revistas em Salvador. Envio-lhe o recorte. Nós os receberemos, galhardamente, pois, nada temos a esconder.
Dr. Nelson está na terra. Felizmente já dá suas boas gargalhadas, no bom estilo da ironia inglesa. Salvador, com a chegada dele, se agita; a casa de Carmita toma outro aspecto - ele tem o dom de sacudir a rotina da província.
Aqui ou no Rio, breve irei apertar-lhe a mão, pessoalmente; recomendações a D. Emilinha, a Baby, Marta e para Leonardo as saudades de Claudinha.

Com amizade

Terezinha Eboli

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