DUARTE GUIMARÃES, Paulo. Carta a Anísio Teixeira, Bahia, 7 ago. 1964.
Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATc 53.03.08.

Bahia 7.8.64

Meu caríssimo Anísio

Somente hoje recebemos a carta de Maria Helena e por ela soubemos de coisas que ignorávamos completamente, pezando-nos sobremodo os dissabores por que lhe querem fazer passar. Estamos inteiramente solidários com você, revoltados com o obscurantismo que quer tomar conta deste país, escolhendo pessôa do seu quilate para a satisfação de um sadismo já ultrapassado e ridicularizado.
Sabemos que, de qualquer forma, V. sairá disso engrandecido e enobrecido, mas consideramos e não nos conformamos, com o aspecto cruel e deshumano do destino que, atravez essas bêstas, lhe martiriza o coração já excessivamente espicaçado e tripudiado.
Imagino a nausea - aquela nausea - que o acomete, o desencanto que o deprime e a perplexidade que o estanca nesta altura da vida, grande vida santificada na devoção exclusiva do bem para o qual se mortificou e consumiu. Ser você acuado pela estupidez, a insensatez, a ignorancia, a burrice e a imbecilidade dos que pretendem falar em nome da Nação, quando, por esta, estaria V. na glória e no esplendor, representante maximo da sua inteligencia, dos seus ideais e da sua elevação. É o cumulo! Antigamente eu diria que V. era a materia prima, agora afirmo que V. é o proprio santo. Antigamente eu dizia que V. possuía a chave do tamanho… pela capacidade incrivel e invejavel de entender e compreender os grandes e os pequenos. Mas a pequenez que o atinge, agora, é microbiana, é virulenta, é infima demais para que possa ser entendida e compreendida. Bem dizia Petigrilli compreender até o beijo do leproso, o que ele se recusava a compreender era o aperto de mão do cretino. Querem cretinizar este país - veja só o Brasil, paiz maravilhoso pela sua grandeza e nobreza de coração, se bem que acapadoçado pelo neolatismo de seu caracter, mas de qualquer forma, confrontado a outros paizes, um molecão esmulambado mas de grande vocação humana e generosa. Pois bem, querem nos acanalhar à força, com a imitação sem graça e chata do aleijão dos outros.
Até aqui eu vinha tendo paciencia com esta fanfarronada porque sabia, como sabem muitos e hão de saber todos, que o equívoco haveria de ser esclarecido e dele tirariamos partido melhorando os nossos costumes e encontrando os caminhos do nosso bom destino. Agora, entretanto, estou impaciente, desejo já e já o esclarecimento, o desmascaramento desses incompetentes e hipócritas, desses infelizes primários que nos chateiam a existencia e a história.
Possa eu lhe dizer o que me disse minha mãe, na primeira carta que me escreveu para S. Paulo, naquela minha primeira aventura profissional, sabendo das amarguras por que passava: "batido, mas não abatido!" (Qual, não vale nada. O que eu queria mesmo era lhe libertar…). Nas suas mãos o meu coração,

Paulo

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