LIMA, Alceu Amoroso. Carta a Gustavo Capanema, Rio de Janeiro, 16 jun. 1935.
Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Gustavo Capanema - GC/LIMA, A.P.I.-16

Rio, 16 de junho de 1935

Meu caro Capanema

O espetáculo do Brasil de hoje ofereceu-nos ontem a oportunidade de algumas considerações, que sou levado a repetir-lhe por carta, não só pela nossa velha amizade, mas ainda por ser você a mais alta autoridade de nossa organização educativa. A recente fundação de uma Universidade Municipal, com a nomeação de certos diretores de Faculdades, que não escondem suas idéias e pregações comunistas, foi a gota d’água que fez transbordar a grande inquietação dos católicos.
Para onde iremos, por esse caminho? Consentirá o governo em que à sua revelia mas sob a sua proteção, se prepare uma geração inteiramente impregnada dos sentimentos mais contrários à verdadeira tradição do Brasil e aos verdadeiros ideais de uma sociedade sadia?
Eis porque lhe escrevo estas linhas, resumindo nossa conversa de ontem, para lhe dizer da grande inquietação que nos assalta nesta hora, e do que esperamos do patriotismo dos nossos dirigentes para a defesa do patrimônio moral do Brasil e do seu futuro como nacionalidade cristã.
Os católicos, meu caro Capanema, não querem do governo nem privilégios, nem subvenções, nem postos de responsabilidade política. Não temos a ambição do Poder, nem é por meio da política que esperamos desenvolver nossos trabalhos. Estamos, portanto, perfeitamente à vontade para colaborar com o Estado, em tudo o que interessa ao bem comum da nacionalidade. Esse interesse (que tanto preocupa ao Estado como à Igreja, nós o queremos alcançar por meios diversos, se bem que não antagônicos. De modo que todo o nosso empenho é pôr honestamente em prática a nossa atividade social, sem que isso implique na mínima usurpação dos poderes do Estado.
O que desejamos, portanto, do governo é apenas:
1 - Ordem pública, para permitir a livre e franca expansão de nossa atividade religiosa na sociedade;
2 - Paz social, de modo a estimular nosso trabalho de aproximação das classes, que é, como você sabe, o grande método de ação social recomendado invariavelmente pela Igreja;
3 - Liberdade de ação para o bem , mas não para o mal, para a imoralidade, para a preparação revolucionária, para a injúria pessoal;
4 - Unidade de direção de modo a que a autoridade se manifeste uniforme em sua atuação e firme em seus propósitos.
Dirá você que tudo isso é vago e de ordem geral, ao passo que o governo age à luz dos acontecimentos concretos, tendo de tomar decisões práticas e positivas. Se isso é exato, não resta dúvida também que o governo precisa ter uma diretriz segura e uma finalidade uniforme, para poder agir nobremente e não desordenadamente nas atitudes a assumir perante esses casos concretos.
Não quero enveredar pelos caminhos dos casos e das pessoas.
Quero apenas advertir-lhe que os progressos recentes da Aliança Nacional Libertadora, a feição socialista que vai assumindo o governo municipal do Rio de Janeiro, bem como a impregnação comunista de muitos sindicatos e de alguns elementos do Ministério do Trabalho - vem trazendo à opinião pública do país motivos da mais fundada inquietação.
E os católicos esperam do governo uma atitude mais enérgica de repressão ao Comunismo, que assumiu a figura desse partido acima mencionado (ALN) para agir hipocritamente à sombra de nossas leis. As informações mais fidedignas são unânimes em admitir que se está preparando um golpe de força contra as instituições. E para defendê-la é preciso que o governo se aparelhe de todos os recursos necessários, inclusive da disposição firme de o fazer.
À testa da pasta [da Guerra?] e da Polícia do distrito (que devia constituir um Ministério novo), acham-se felizmente dois homens de bem, de ordem e de coragem, que são de momento dois esteios da ordem pública. Aplaudimos vivamente essas duas escolhas, que mais valem para nós católicos do que quaisquer favores aparentes, de que diretamente nos beneficiássemos. E formulamos nossos votos por que seja cada vez mais prestigiada e auxiliada a atuação dessas duas autoridades.
Sabemos também que o Ministro do Trabalho se está esforçando por expurgar os sindicatos do elemento comunista. É preciso que faça o mesmo com muitos elementos do próprio Ministério, inclusive inspetores do trabalho, que fazem muitas vezes o jogo dos sindicatos revolucionários. Esse propósito deve ser levado avante com toda a urgência e firmeza, pois os acontecimentos de Petrópolis, demonstraram o que pode um sindicato deturpado de sua missão e manejado pelos "aliancistas". A demora, entretanto, na providência pode assumir, de momento, graves conseqüências. E a leviandade de certas autoridades pode prejudicar a ação do governo federal, como foi o caso do interventor Ari Parreiras, determinando expressamente a realização do comício "aliancista" de provocação, em Petrópolis, quando a polícia o havia proibido, havendo as tristes conseqüências.
Expurgar pois o exército e a marinha (como se compreende a permanência do Comandante Cascardo à testa de um partido político?) de elementos políticos revolucionários, reforçar a polícia, excluir dos sindicatos e dos quadros do Ministério do Trabalho elementos agitadores, organizar a educação e entregar os postos de responsabilidade, nesse setor importantíssimo, a homem de toda confiança moral e capacidade técnica (e não a sectários, como o Diretor do Departamento Municipal de Educação) - tudo são tarefas que o governo deve levar avante imediata e infatigavelmente, pois dela dependem a catolicidade das instituições e a paz social.
O que esperamos, pois, do governo é que saiba reagir firmemente contra a infiltração crescente do comunismo em nosso meio. Na máscara do "aliancismo" ao mesmo tempo que esperam do Estado uma ação firme em sua própria defesa e na defesa da coletividade, pedem que o Estado olhe com simpatia e facilite a expansão daquelas atividades sociais, que visam apenas elevar o nível moral e religioso da sociedade brasileira e portanto o seu progresso moral e espiritual.
É o caso da Ação Católica Brasileira, que acaba de organizar-se em moldes nacionais e que precisa, para sua expansão, de um ambiente de segurança que só o Estado lhe pode dar. Com essa segurança exterior e com a simpatia das autoridaes na aplicação das leis justas, estamos certos de poder colaborar eficientemente na obra de paz e de progresso nacional, visada pelo Estado.
A Ação Católica por sua natureza é estranha à política partidária. Mas não é estranha à política superior, que visa o bem comum. Pois bem, com a nossa organização, espalhada por todo o Brasil, com o nosso empenho em favorecer a educação do povo, em velar e praticar a paz social, em defender a
dignidade da pessoa humana, em todos os seus aspectos - estamos certos de poder retribuir fartamente ao Estado os benefícios que este fizer à Igreja, não por favores ou privilégios, mas pela prática efetiva de suas funções na garantia dos direitos individuais e da justiça social. E o homem público ou partido que assim agir para com a Igreja pode estar certo de contar com o apoio de todos os católicos conscientes, de modo muito mais efetivo do que se tentassem com eles qualquer aliança de ordem política. A ação católica favorece a aliança de todas correntes que defendam no Brasil, suas instituições na vida fundamentais, como a Família e as idéias sadias e construtivas, como a de Pátria e Religião, contra os agitadores e demolidores de todas elas. Os católicos serão os aliados naturais de todos os que defenderem os princípios de justiça, de moralidade, de educação, de liberdade justa, que a Igreja coloca na base de seus ensinamentos sociais. Vejam eles: que o governo combate seriamente o comunismo (sob qualquer aparência ou máscara para disfarçar) - súmula de todo o pensamento anti-espiritual e portanto anti-católico; que combate seriamente o imoralismo dos cinemas e teatros pela censura honesta; organiza a educação com a imediata colaboração da Igreja e da Família - vejam isso os católicos e apoiarão, pela própria força das circunstâncias, os homens e os sentimentos que possam assegurar ao Brasil esses benefícios.
Eis o que esperamos do governo. eis o que esperamos do patriotismo de um homem, como o Presidente da República, que soube evitar ao Brasil, depois da Revolução de 30, tantos males inerentes a qualquer subversão política violenta, e sobre quem repousam muitas de nossas esperanças.
Foi isso mais ou menos o que lhe disse, meu caro Capanema, na conversa que ontem mantivemos. E é o que aqui desejava reproduzir, mais pormenorizadamente; o que não consegui pela pressa em que rabisquei as presentes linhas, devido a outros compromissos urgentes.
Veja entretanto, nestas páginas, meu caro e velho amigo, a expressão de minha, de nossas preocupações nesta hora agitada e a esperança que depositamos no bom senso das autoridades públicas.

Um grande abraço do amigo  

Alceu Amoroso Lima



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