TEIXEIRA, Anísio. Carta a Pedro Ernesto Batista, Rio de Janeiro, dez.1935.
Localização do documento: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC - Arquivo Anísio Teixeira - ATC 32.03.15
Carta publicada em TEIXEIRA, Anísio. Educação para a Democracia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997. p.33-35.

Exmo. Sr. Prefeito:

Pela conversa que tive, ontem, com vossa excelência, pude perceber que a minha permanência na Secretaria de Educação e Cultura do Distrito Federal constituía embaraço político para o governo de Vossa Excelência. Reiterei, imediatamente, o meu pedido de demissão, que esteve sempre formulado, porque nunca ocupei incondicionalmente esse cargo, nem nenhum outro, mas o exerci, como os demais, em caráter rigorosamente técnico, subordinando a minha permanência neles à possibilidade de realizar programas que a minha consciência profissional houvesse traçado.
Renovo a declaração, porque não é possível aceitar agora a minha exoneração sem a ressalva de que ela não envolve, de modo algum, a confissão, que se poderia supor implícita, de participação, por qualquer modo, nos últimos movimentos de insurreição ocorridos no país. Não sendo político e sim educador, sou, por doutrina, adverso a movimentos de violência, cuja eficiência contesto e sempre contestei. Toda a minha obra, de pensamento e de ação, aí está para ser examinada e investigada, exame e investigação que solicito, para que se lhe descubram outras tendências e outra significação, senão a de reconhecer que o progresso entre os homens provém de uma ação inteligente e enérgica, mas pacífica.
Sou, por convicção, contrário a essa trágica confiança na violência que vem se espalhando no mundo, em virtude de um conflito de interesses que só pode ser resolvido, a meu ver, pela educação, no sentido largo do termo. Por isso mesmo, constrange-me, nesta hora, ver suspeitada a minha ação de educador e toda obra de esforço e de sacrifício realizada no Distrito Federal, obra que possuía a intenção profunda e permanente de indicar o rumo a seguir para se resolverem as tremendas perplexidades do momento histórico que vivemos.
Lavro contra tal suspeição o meu protesto mais veemente, parecendo-me que tem ela mais largo alcance que a minha pessoa, porque importaria em não se reconhecer que progredir por educação é exatamente o modo adequado de se evitarem as revoluções. Se, porém, os educadores, os que descrêem da violência e acreditam que só as idéias e o seu livre cultivo e debate, é que operam, pacificamente, as transformações necessárias, se até esses são suspeitados e feridos e malsinados nos seus esforços, - que outra alternativa se abre par a pacificação dos espíritos?
Conservo, em meio de toda a confusão momentânea, as minhas convicções democráticas, as mesmas que dirigiram e orientaram todo o meu esforço, em quatro anos de trabalho e lutas incessantes, pelo progresso educativo do Distrito Federal e reivindico, mais uma vez, para essa obra que é do magistério do Distrito Federal, e não somente minha, o seu caráter absolutamente republicano e constitucional e a sua intransigente imparcialidade democrática e doutrinária.
Cumpre-me, nesse momento, exmo. sr. Prefeito, apresentar a vossa excelência a expressão do meu constante reconhecimento pelas atenções de vossa excelência e, sobretudo, pela resistência oferecida por vossa excelência a todos que se opuseram, por ignorância ou má fé, ao desenvolvimento dessa obra, até o momento atual. Possam outros, com mais inteligência e valor, retomá-la e conduzi-la, pelos mesmos rumos liberais e republicanos, para o seu constante progresso.
Apresento a vossa excelência as expressões de meu devido reconhecimento e os meus votos pela sua felicidade pessoal e a felicidade de seu governo.

Anísio Teixeira

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