A carreira de Anísio Teixeira
Anísio Spínola
Teixeira nasceu em 1900 na cidade de Caetité, na Bahia, fez o curso
secundário no Colégio dos Jesuítas, em Salvador, e
formou-se em Direito no Rio de Janeiro. Em 1924, portanto com 24 anos de
idade assumiu o cargo de Inspetor Geral do Ensino da Bahia, e começou
a reformar a instrução pública em Salvador. Foi o
início da luta pela educação que travaou até
a sua morte.
Desde jovem percebeu
que para ser capaz de melhorar a formação de outros, tinha
de começar por melhorar a sua. E naquela época em que não
havia no país nenhuma estrutura para elevar o nível das pessoas
formadas em ensino superior, em que não havia universidades, nem
Ministério da Educação, foi para os Estados Unidos
estudar no Teachers College da Universidade de Columbia, em Nova York,
onde foi discípulo do famoso John Dewey e lá se formou em
Educação aos 29 anos.
Há fatos na vida
das pessoas que despertam nossa curiosidade. O que levou o jovem Anísio
Teixeira a procurar orientação com John Dewey? Por que caminhos,
no Brasil daquela época, soube da existência de John Dewey?
Este educador, filósofo, filósofo da educação
e psicólogo norte-americano trabalhou para a reforma dos sistemas
educacionais durante toda a sua longa carreira, e desenvolveu doutrinas
pedagógicas que tiveram influência não somente nos
Estados Unidos, mas também em lugares tão diversificados
como a América Latina, a China e a Turquia. Anísio Teixeira
assimilou, divulgou e aplicou as idéias do mestre, com a precaução
de adaptá-las às condições brasileiras, tanto
nos métodos quanto do ponto de vista social. Traduziu trabalhos
de John Dewey para o português.
Anísio Teixeira
ligou-se a um grupo de intelectuais do Rio de Janeiro, na maioria relativamente
jovens, interessados em educação e muito críticos
em relação ao sistema educacional vigente; discutiam a necessidade
e modos de reformulá-lo. Na ausência de estruturas oficiais
para tratar desses problemas, atuavam na interessante e importante Associação
Brasileira de Educação (ABE), criada em 1924 por Heitor Lima
da Silva, professor da Escola Politécnica.
A ABE era uma original
instituição de vanguarda. Dedicava-se a como renovar o sistema
de educação em todos on níveis, primário, secundário,
normal, superior, profissional e artístico. Promovia reuniões,
elaborava trabalhos sobre criação de escolas e de universidades,
e até sobre a necessidade de um Ministério da Educação,
que não existia. A partir de 1927 organizou conferências nacionais
sobre educação, e inquéritos sobre o ensino secundário
e universitário. Uma atividade interessante, que teve sucesso superior
as expectativas, foi prover cursos de extensão universitária
abertos ao público, chegando a realizar mais de cem conferências
por ano assistidas por audiências interessadas que lotavam o anfiteatro
da Escola Politécnica.
Na ABE, Anísio
Teixeira foi um dos líderes do movimento chamado "Escola Nova",
que preconizava educação em escolas públicas gratuitas
accessíveis a todos, mantidas oelo Estado, para que houvesse igualdade
de oportunidade aos jovens independentemente de status social e situação
econômica. Idéia progressista há mais de sessenta anos,
de grande atualidade ainda hoje, quando vemos o ensino secundário
tranformado em ensino de classe social, e a gratuidade do ensino universitário
público parece ameaçada. Faziam parte desse movimento outras
personalidades, como Fernando de Azevedo, que em 1934 foi um dos fundadores
da Universidade de São Paulo; Manuel Lourenço Filho, que
em 1938 organizou i Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP)
no Ministério da Educação; e Francisco Campos, que
já atuara em educação no seu estado natal de Minas
Gerais, foi o primeiro ministro da Educação e Saúde,
quando o Ministério foi criado por Getúlio Vargas em 1930,
e tornou-se tristemente conhecido quando ministro da Justiça, por
ter sido um mentor intelectual do regime ditatorial instaurado com o golpe
de Estado de Vargas, em 1937.
Anísio Teixeira
lançou-se na reforma do ensino público na capital do país,
de 1931 a 1935. Em 1935, dirigiu o Departamento Municipal de Educação
no Rio de Janeiro, e fundou nesse ano a Universidade do Distrito Federal,
que descreveremos abaixo. Sua carreira foi interrompida de 1937 a 1945,
afastado de cargos públicos durante o regime ditatorial de Getúlio
Vargas. Foi secretário de Educação da Bahia, em 1947.
Em Salvador, criou a original Escola Parque, no bairro pobre da Liberdade,
onde lançou a primeira experiência, pioneira, em educação
integral, tema que sempre esteve entre os seus prediletos, que retomou
mais tarde no plano educacional de Brasília. Na Escola Parque instalou
a "Educação pela Arte" e fez construir pelo seu amigo o arquiteto
Alcides Rocha Miranda um teatro para dança e música, chamado
"Centro Educativo de Arte Teatral". Rocha Miranda, 15 anos depois, projetou,
iniciou e coordenou o Instituto Central de Artes da Universidade de Brasília.
Em 1952 assumiu a direção
do INEP, no Ministério da Educação, onde criou, em
1955, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), com seções
em diferentes lugares do Brasil. Trabalharam no CBPE pessoas em vários
Estados, que assentaram bases para trabalhos futuros, como por exemplo,
Carolina Martuscelli Bori, que fundou e coordenou o Departamento de Psicologia
da Universidade de Brasília e a Psicologia Experimental na USP.
Anísio Teixeira
lecionou Filosofia da Educação na Escola de Educação
da Universidade do Distrito Federal, e foi catedrático de Administração
Escolar na ex-Universidade do Brasil. Atuava em níveis variados:
como ensinar a ensinar, como pesquisar sobre educação, como
organizar escolas, e até em questões relativas a registro
de diplomas.
Em 1964, o regime militar,
depois de exonerá-lo das funções de reitor da Universidade
de Brasília, aposentou-o compulsoriamente. No mesmo ano, depois
de aposentado publicou o livro "A Universidade de Ontem e de Hoje". Com
a implantação da ditadura, em 1964 deixou o país.
Foi inicialmente para o Chile, e depois para os Estados Unidos, onde lecionou
como Professor Visitante na Universidade de Columbia, em 1964, na Universidade
de Nova York, em 1965, e na Universidade da California em 1966.
Anísio Teixeira
expôs seu pensamento em conferências e em muitos artigos publicados
em revistas, e escreveu uma dezena de livros. Para quem se interessa pela
sua obra, é imprescindível a leitura de pelo menos dois dos
livros que sintetizam suas principais idéias. Um é "Educação
não é Privilégio"1, que na última
edição contém artigos escritos sobre ele por Darcy
Ribeiro, Afrânio Coutinho, Marisa Cassim e Clarice Nunes. O outro
é "A Universidade de Ontem e de Hoje"2, que contém
uma apresentação de Ivo Barbieri, um artigo sobre ele escrito
por Clarice Nunes, e como suplemento, um documento precioso, de grande
valor histórico: a conferência que Anísio Teixeira
pronunciou na inauguração dos curos da Universidade do Distrito
Federal, a 31 de julho de 1935, com o título "A Função
da Universidade".
A filosofia da educação
de Anísio Teixeira
Os princípios
básicos da educação que Anísio Teixeira defendia
podem ser divididos em duas categorias: os de cunho social e os de métodos.
Do ponto de vista social,
para Anísio Teixeira a educação é a base da
democracia, e por isso o Estado deve assumir a responsabilidade de difundí-la
em todos on níveis. Era intransigente em considerar que educação
é direito, não privilégio. Quando é privilégio
de alguns, torna-se educação de classe social. Naquele Brasil
de estrutura feudal, pregoava a necessidade da educação para
todos, com metodologia adequada às crianças da cidade e às
crianças do campo, para que estas pudessem permanecer no campo com
uma educação básica.
Essas idéias despertavam
a cólera de elementos da classe dominante conservadora, especialmente
católicos, que tratavam como "perigoso inimigo revolucionário"
que queria mudar a sociedade. Foi ele atacado na imprensa e até
na Câmara dos Deputados, precisando ser defendido contra esses ataques
pelo Conselho Diretor da Associação Brasileira de Educação3.
Conhecedor da história
da educação no mundo ocidental, citava exemplos que mostravam
claramente como via a educação no quadro amplo da sociedade.
Vejamos o que escreveu a respeito da mudança da educação
na França depois da Revolução Francesa de 1789:
"Quando, na Convenção
Francesa, se formulou o ideal de uma educação escolar para
todos os cidadãos, não se pensava tanto em universalizar
a escola existente, mas em uma nova concepção de sociedade
em que privilégios de classe, de dinheiro e de herança não
existissem, e o indivíduo pudesse buscar, pela escola, a sua posição
na vida social. Desde o começo, pois, a escola universal era algo
de novo e, na realidade, uma instituição que, a despeito
da família, da classe e da religião, viria a dar a cada indivíduo
a oportunidade de ser na sociedade aquilo que seus dotes inatos, devidamente
desenvolvidos, determinassem"4.
Quanto aos métodos,
Anísio Teixeira propalava que a educação deve levar
em conta os princípios da atividade mental e do amadurecimento da
criança, que nos são ensinados pela psicologia. Pensamento
e aprendizado são verdadeiros processos de investigação,
que começam com a dúvida ou com a incerteza diante várias
possibilidades e são estimulados pelo impulso de resolver um conflito.
A educação, portanto, deve ser baseada em experimentação,
em prática, não em simples recapitulação da
experiência vivida por outros. Insistia também em que, na
educação moderna, deveria se dar ao ensinamento científico
uma parte mais importante do que se dá, porque a ciência é
dos fatores importantes do progresso. Anísio Teixeira tinha compreendido
esse papel da ciência há 60 anos, quando no Brasil a ciência
balbuciava. Esta verdade cada vez mais verdadeira ainda não foi
compreendida por todos os responsáveis pelo interesse público.
Insistia em que o ensino
universitário, para ser vivo, não pode ser separado do trabalho
criador, de atividades intelectuais inovadoras.
A função da universidade
O conceito de anísio
Teixeira sobre universidade está resumido de modo impressionante
na conferência que pronunciou na inauguração dos cursos
da Universidade do Distrito Federal, a 31 de julho de 1935. Aí expôs
as idéias que o nortearam na fundação dessa universidade
e, 35 anos depois, na fundação da Universidade de Brasília.
Essa conferência é de atualidade hoje, 65 anos mais tarde.
O melhor modo de transmitir a mensagem que contém e transcrever
alguns trechos. Escolhemos os seguintes:
"A universidade é,
pois, na sociedade moderna, uma das instituições características
e indispensáveis, sem a qual não chega a existir um povo.
Aqueles que não as têm, também não têm
existência autônoma vivendo, tão somente, como um reflexo
dos demais. Com efeito, a história de todos os povos que florescem
e se desenvolveram é também a história da sua cultura,
e a história da sua cultura é, hoje, a história das
suas universidades".
Dizendo que as universidades
salvaram grande parte da experiência que a humanidade adquiriu no
passado, comentou:
"Dir-me-eis que a imprensa
e o livro a salvariam, dispensando as dificuldades e os dispêndios
dessas complexas organizações universitárias que a
muitos, entre nós, chegam a parecer luxuosas e supérfluas"..."Já
reparastes, entretanto, que a nenhum povo da história ocorreu esse
ovo de Colombo? Já notastes que, muito pelo contrário, a
imprensa e o livro condicionaram o surto das universidades?"
Continuou mais adiante:
"Não. A função
da universidade é uma função única e exclusiva.
Não se trata somente de difundir conhecimentos. O livro também
os difunde. Não se trata somente de conservar a experiência
humana. O livro também a conserva. Não se trata, somente,
de preparar práticos ou profissionais de ofícios ou artes.
A aprendizagem direta os prepara, ou, em último caso, escolas muito
mais singelas do que universidades".
"Trata-se de manter uma
atmosfera de saber, para se preparar o homem que o serve e o desenvolve.
Trata-se de conservar o saber vivo, e não morto nos livros ou no
empirismo das práticas não intelectualizadas. Trata-se de
formular intelectualmente a experiência humana, sempre renovada,
para que a mesma se torne consciente e progressiva".
"Trata-se de difundir
a cultura humana, mas de fazê-lo com inspiração, enriquecendo
e vitalizando o saber do passado com a sedução, a atração
e o ímpeto do presente."..."O saber não é um objeto
que se recebe das gerações que se foram para a nossa geração,
o saber é uma atitude de espírito que se forma lentamente
ao contato dos que sabem".
"A universidade é,
em essência, a reunião entre os que sabem e os que desejam
aprender. Há toda uma iniciação a se fazer. E essa
iniciação, como todas as iniciações, se faz
em uma atmosfera que cultiva, sobretudo a imaginação... Cultivar
a imaginação é cultivar a capacidade de dar sentido
e significado às coisas. A vida humana não é o transcorrer
monótono de sua rotina cotidiana; a vida humana é, sobretudo,
a sublime inquietação de conhecer e de fazer. É essa
inquietação de compreender e de aplicar que encontrou afinal
a sua casa. A casa onde se acolhe toda a nossa sede de saber e toda a nossa
sede de melhorar, é a universidade".
"São as universidades
que fazem, hoje, com efeito, a vida marchar. Nada as substitui. Nada as
dispensa. Nenhuma outra instituição é tão assombrosamente
útil".5
Esse é pequeno resumo de grandes
idéias.
A fundação da CAPES
Desde jovem Anísio
Teixeira preocupou-se com duas questões ligadas aos próprios
fundamentos de uma universidade: a formação dos docentes
e as atividades criadoras em todas as áreas: Ciências Humanas,
Ciências Naturais e Exatas, Artes e Letras. Combatia a atitude do
corpo docente acomodando-se na situação simples transmissor
de saber adquirido em livros.
Essa preocupação
levou-o, em 1951, á criação da "Campanha Nacional
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior"- CAPES - (atualmente
"Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Ensino Superior") a mais conhecida de suas iniciativas. Esta
instituição pioneira foi uma das primeiras do gênero
em países do Terceiro Mundo, com um sistema estruturado de bolsas
de estudo para trabalho no exterior. Com milhares de bolsistas através
dos anos, tem desempenhado papel da maior relevância na melhoria
da formação de pessoal universitário, em todos os
recantos do país.
Meio século depois
de criada, a CAPES continua sendo uma das mais importantes instituições
do Brasil no campo da educação, com programas extensivos
de formação para profissionais, e importante trabalho de
controle da qualidade do ensino superior no país, em graduação
e pós-graduação.
A universidade do Distrito Federal
Anísio Teixeira,
quando diretor do Departamento Municipal de Educação, no
Rio de Janeiro, nomeado pelo Prefeito Pedro Ernesto, criou a Universidade
do Distrito Federal (UDF), em julho de 1935. Esta criação
originou-se de discussões havidas durante anos na ABE, e provavelmente
também de estímulo provocado pela criação da
Universidade de São Paulo no ano anterior.
Anísio Teixeira
ficou impressionado com a criação da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da USP, que considerava o único nas universidades
brasileiras que tinha, além de objetivos práticos e profissionais,
objetivos de cultura desinteressada e de preparação para
a carreira intelectual. Outro ponto que unia os pontos de vista de Anísio
Teixeira e dos fundadores da USP era a convicção de que,
embora a organização do ensino deva ser baseada em sólidos
ensino primário e secundário, que serão os alicerces
de boas universidades, o modo prático e realista de elevar o nível
da educação no Brasil era o de começar por fazer boas
universidades. Estas poderiam então exercer duas funções
importantes: estimular o trabalho intelectual criador e formar bons professores
para as escolas primárias e secundárias.
A UDF começou
a ser combatida desde o momento em que a intenção de criá-la
foi anunciada, antes dela existir. A história desta universidade
é episódio extremamente significativo não somente
da nossa história universitária, mas da História do
Brasil, mostrando a falta de visão e a arrogância de elementos
influentes da classe dominante da época.
A UDF tinha cinco setores:
uma Escola de Educação, uma Escola de Ciência, uma
escola de Economia e Direito, uma Escola de Filosofia e Letras, um Instituto
de Artes. Essa estrutura foi o germe da estrutura adotada 27 anos mais
tarde para a Universidade de Brasília. A idéia fundamental
era ter uma universidade que cultivasse o espírito criador, as atividades
não devendo ser limitadas ao ensino. A fim de criar essa atitude
de espírito, manteve desde o início cursos de graduação
e de pós-graduação. Estes últimos eram novidade
naquela época, não somente no Brasil, mas também em
países culturalmente mais avançados da Europa e nos Estados
Unidos.
O primeiro reitor foi
Afrânio Peixoto, professor de Medicina e escritor, e o corpo docente
contava com personalidades de prestígio, como entre outros: os biólogos
Lauro Travassos e Herman Lent, os geólogos Djalma Guimarães
e Viktor Leinz, os físicos Bernard Gross e Luis Freire, os matemáticos
Lélio Gama e Francisco de Oliveira Castro; em Ciências Humanas
e Letras, Jorge de Lima, Gilberto Freyre, Artur Ramos, Hermes Lima, Sérgio
Buarque de Holanda, Prudente de Moraes Neto: Vila Lobos em Música,
Cândido Portinari em Pintura, Mário de Andrade em História
e Filosofia da Arte. Foram contratados especialistas francêses em
Ciências Humanas.
A UDF funcionava em regime
de economia. Não chegou a ter prédios próprios, era
dispersa em várias instituições, as aulas sendo ministradas
nos lugares de trabalho dos docentes, o que dava aos estudantes a possibilidade
de freqüentar os laboratórios dos professores: na Escola Politécnica,
no Instituto Oswaldo Cruz, no Instituto Nacional de Tecnologia, no Laboratório
da Produção Mineral. Os professores percebiam somente um
pequeno complemento aos salários provindos das instituições
em que trabalhavam originalmente.
Essa Univesidade sofreu
do clima político da época. A intentona comunista de 1935
deu pretexto ao governo para fazer intervenção em muitas
instituições durante muito tempo, atingindo pessoas alheias
àquele movimento, mas visadas por não seguirem idéias
oficiais ou por desenvolverem atividades fora dos quadros considerados
oficiais. Naquela vaga de perseguições, Pedro Ernesto foi
destituido da Prefeitura, Anísio Teixeira da direção
do Departamento de Educação e Afrânio Peixoto da reitoria
da Universidade.
O ministro da Educação,
Gustavo Capanema, iniciava estudos para uma reforma do ensino superior.
Fundou no Rio de Janeiro, a "Universidade do Brasil", que assim denominou
porque seu objetivo era torná-la o padrão para as demais.
Homem autoritário e obsessivo, demorou mais de dois anos para organizá-la
no papel, a partir de 1935. Dirigiu uma comissão que, em vez de
se ocupar da estrutura global e deixar que futuros responsáveis
elaborassem os detalhes em suas especializações respectivas
enquanto a Universidade crescesse, foi ao extremo de fazer descrição
minuciosa de cada uma das Faculdades, Institutos e outros organismos que
a comporiam. Chegou ao absurdo de detalhar os programas das disciplinas
a serem lecionadas em todos os anos dos cursos, em todas as Faculdades.
Assim, a Universidade do Brasil, antes de iniciar as suas atividades, foi
apresentada como completa e estruturada de modo definitivo6.
Para comparação, quando ela começou a funcionar, em
1939, a Universidade de São Paulo, fundada somente um ano antes
do início da sua organização, já tinha cinco
anos de experiência com eminentes professores estrangeiros.
O espírito aberto
da UDF era incompatível com o fechamento intelectual imposto ao
Brasil de então. Gustavo Capanema, em conluio com outros intelectuais
católicos, liderados por Alceu Amoroso Lima, combateu-a intensamente.
Como é bem sabido, é incomparavelmente mais fácil
destruir uma instituição do que construí-la; de todos
os modos de destruição, o mais eficiente é o corte
nas finanças. O governo promulgou um decreto, em 1937, proibindo
a acumulação de cargos públicos. As atividades dos
professores na Universidade do Distrito Federal foram consideradas um segundo
emprego, embora eles percebessem somente um complemento de salário.
Não tiveram os docentes outra alternativa, senão deixá-las
e voltar a trabalhar exclusivamente em suas instituições
de origem. A Universidade foi, assim, se esvaziando aos poucos. Alguns
professores, nem compreendendo bem o que estava acontecendo, ficavam a
par da situação quando, indo receber os complementos de vencimentos,
eram informados de que tinham sido suprimidos.
Gustavo Capanema organizava
a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da futura Universidade
do Brasil, com estrutura idêntica à que tinha sido adotada
pela Universidade de São Paulo em 1934. Procurou professores na
França e, admirador do regime de Mussolini, também na Itália.
Mas, contrariamente ao que tinha ocorrido na USP, onde os professores estrangeiros
foram convidados por uma comissão presidida pelo insigne matemático
Teodoro Ramos, que conhecia o ambiente científico europeu, para
a Faculdade do Rio os professores italianos foram designados pelo próprio
governo da Itália, e os francêses foram escolhidos com a recomendação
de que se selecionassem pessoas ligadas à Igreja. Com efeito, em
carta ao professor Georges Dumas, que conhecia o Brasil e auxiliava na
procura de professores francêses, escreveu Gustavo Capanema7:
"Para Psicologia e Sociologia,
desejo professores habituados a pesquisa e de estudos bem orientados, mas
ligados à Igreja. A Faculdade vai ficar sob a direção
do Sr. Alceu Amoroso Lima, católico, amigo de Jacques Maritain8.
Daí não encontrar eu boa acolhida para nomes que sejam conhecidos
por suas tendências opostas à Igreja ou dela divergentes".
Esse era o quadro imposto
pelo ministro. Era nesse contexto retrógrado que Anísio Teixeira
e seus amigos lutavam para fazer uma universidade de vanguarda para a época.
E foi nessa atmosfera que Alceu Amoroso Lima tornou-se reitor da Universidade
do Distrito Federal durante oito meses, em 1937-1938. Por que aceitou a
direção de uma universidade que combatia? Embora não
tenha sido o último reitor, sabemos que em 1938 começaram
a ser tomadas providências para a sua extinção. Além
disso, Alceu Amoroso Lima recusou posteriormente a direção
da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Brasil,
porque não queria admitir a transferência, para ela, dos professores,
estudantes e funcionários da extinta Universidade do Distrito Federal.9
O golpe final para acabar
com a UDF foi dado por Gustavo Capanema, que decidiu que somente o ministro
da Educação tinha autoridade para criar universidades. A
do Distrito Federal, criada pelo prefeito, era, por conseguinte, ilegal,
e a sua existência representava um ato de "indisciplina e de desordem
no seio da administração pública". Para a manutenção
da disciplina e da ordem, ela tinha de ser extinta. Com aprovação
desses argumentos, Getúlio Vargas satisfez aos desejos do ministro
e extinguiu-a com um decreto-lei em 20 de janeiro de 1939.
A Universidade do Distrito
Federal teve a vida êfemera de apenas três anos e meio. O Brasil
foi privado de uma iniciativa brilhante que poderia ter tido consequências
da maior importância.
A Universidade de Brasília
Juscelino Kubitschek,
admirador de Anísio Teixeira, que era o seu conselheiro para assuntos
de educação, convidou-o para fazer o Plano Educacional de
Brasília relativo aos ensinos primário, secundário
e profissional. Anísio Teixeira teve a colaboração
de Lúcio Costa, que em seu Plano Piloto para a nova capital já
tinha previsto, em linhas gerais, a rede de escolas primárias e
médias, e tinha reservado a área para a Universidade.
Nesse trabalho admirável,
Anísio Teixeira novamente lançou idéias de vanguarda
para a época: permanência das crianças nas escolas
públicas o dia todo, não somente algumas horas por dia, com
refeições, assistência social e atividades variadas.
As escolas públicas com dia letivo integral, funcionamento normal
no sistema de educação nos países avançados,
desde os jardins de infância, infelizmente não vingaram no
Brasil, são muito raras entre nós, mesmo entre os colégios
particulares ricos.
Quando Juscelino Kubitschek
decidiu tomar as primeiras providências para a fundação
de uma universidade em Brasília, foi Anísio Teixeira quem
convidou para elaborar os planos, indubitavelmente uma das pessoas mais
indicadas para aquela tarefa. Em seu livro "Por que construí Brasília"
o presidente assim se refere10.
"Troquei impressões
com o ministro da Educação e Cultura, Clóvis Salgado,
e a conclusão a que chegamos foi a de que os técnicos recrutados
para essa tarefa deveriam ter a maior liberdade de ação possível,
de forma a evitar-se que, sob a pressão da tradição
e da burocracia, a obra a ser construida não se enquadrasse no espírito
revolucionário, que era a característica de tudo quanto sendo
realizado em Brasília".
"Do meu entendimento
com o ministro Clóvis Salgado resultara a escolha do técnico
que se incumbiria da tarefa: o Professor Anísio Teixeira. Tratava-se
de um idealista, profundo conhecedor das melhores técnicas educacionais,
e de um intelectual dotado da visão universalista do papel que competia
à juventude desmpenhar em face dos desafios do mundo moderno. Só
essas qualidades assegurariam de antemão a realização
dos dois objetivos prioritários da universidade a ser criada: renovação
de métodos e concepção de um ensino voltado para o
futuro".
As sementes da Universidade
de Brasília estão na Universidade do Distrito Federal de
1935 e na Universidade de São Paulo, fundada em 1934.
A Universidade de Brasília
começou a funcionar em abril de 1962. Devido al alto nível
de pessoas que nela foram trabalhar nos vários setores, desenvolvia-se
rapidamente. Depois do golpe de estado de 1964, foi a mais perseguida das
universidades brasileiras. O impulso inicial foi interrompido em fins de
1965, com o pedido de demissão coletivo de 223 docentes, por que
não tinham mais condições de trabalhar com dignidade.
Houve impressionante
analogia nas situações em que se encontraram a Universidade
de Brasília, a Universidade do Distrito Federal e a Universidade
do Brasil. Com efeito, depois de extinguir a do Distrito Federal em 1939,
Gustavo Capanema deixou claro a Getúlio Vargas, em 1944, que os
professores da Universidade do Brasil eram nomeados por autorização
do presidente da República, "depois de ouvida a Seção
de Segurança Nacional"11 que também era ouvida
em Brasília. E como havia acontecido com a Universidade do Distrito
Federal, os mesmos argumentos, "manter a disciplina e a ordem", foram usados
contra a Universidade de Brasília vinte e sete anos depois, por
um regime político que também instaurava a ditadura no país.
Procuramos, neste curto
artigo, dar uma idéia de quem foi Anísio Teixeira. Com espírito
crítico, idéias e atividades sobre o direito à educação
e sobre a necessidade moral de democratização das escolas,
ele era homem que, no Brasil, estava adiante do seu tempo.
Referências: