Ciência e Tecnologia: Formação de Recursos Humanos

Glaci T. Zancan

   Ao iniciar gostaria de agradecer o convite que muito me honrou e me desafiou face tarefa difícil de abrir o ano acadêmico em que se comemora dois fatos importantes. Esta Casa está completando 100 anos de atividades na busca permanente de respostas aos problemas de saúde que afetam a população brasileira. Todos nós sabemos que não é fácil manter uma instituição de pesquisa competente livre dos ventos políticos que afetam a vida nacional.
   Gostaria de render minhas homenagens a tantos quantos alimentaram ao longo deste século, com seu amor e seu esforço o espírito instalado por Oswaldo Cruz que via o Instituto como um centro de estudos experimentais sobre doenças infecciosas e tropicais, encarregado da produção de imunobiológicos e do ensino da bacteriologia e da parasitologia e que fizeram dessa casa uma Escola Exemplar na história da ciência brasileira.
   A segunda data marcante é a comemoração dos 100 de Anísio Teixeira, o educador cujo o espírito inovador marcou profundamente todo o sistema educacional brasileiro. É bom ouvir o que ele diz:
   "O Saber não é um objeto que se recebe das gerações que se foram, para a nossa geração, o saber é uma atitude de espírito que se forma lentamente ao contato dos que sabem. A universidade é, na essência, a reunião entre os que sabem e os que desejam apreender. Há toda uma iniciação a se fazer. E essa iniciação, como todas as iniciações, se faz em uma atmosfera que cultive, sobretudo, a imaginação. A vida humana é, sobretudo, a sublime inquietação do conhecer e do fazer". (Anísio Teixeira, Aula inaugural proferida em 1935 publicada Revista de Estudos Pedagógicos 85: 181-88, 1962).
   "Trata-se de tornar a universidade não a transmissora de uma cultura universal já existente, mas a estudiosa de uma cultura nova em elaboração, que lhe cabe descobrir para poder ensiná-la. ...O Brasil está elaborando sua cultura e o que pedimos é que a universidade se volte para ela e a descubra... Para isso a escola superior deve retirar-se do seu isolamento e fazer-se centro de estudos e de pesquisa". (Anísio Teixeira, Uma Perspectiva da Educação Superior no Brasil. Depoimento prestado a CPI da Câmara dos Deputados, em 8/5/68).
   Buscando tornar real o seu pensamento, toda uma geração lutou para implantar uma universidade voltada para a criação do conhecimento.
   Considerando o ano de 1951 como marco, seja pela criação do CNPq, seja pela criação da CAPES, à qual ele dedicou 13 anos de sua vida, vamos ver que avançamos consideravelmente seja no número de Mestres e Doutores formados (Quadro 1), seja no número de pesquisadores (Quadro 2) e no número de trabalhos publicados (Fig. 11 Carlos Brito da Cruz O Sistema de C&T componente do Sistema de Inovação, 1999), seja na qualidade da pesquisa gerada (Quadro 3).

Quadro 1
Crescimento da Pós Graduação
 

1976

1985

1992

1997

Nº de Cursos

       

Mestrado

490

820

1.012

1.261

Doutorado

183

270

497

661

Matrículas

       

Mestrado

19.401

37.861

36.382

47.717

Doutorado

880

7.809

10.122

24.490

Titulações

       

Mestrado

2.171

3.931

6.841

11.988

Doutorado

138

718

1.504

3.633

Fontes: J. Guimarães, M. C. Humman Scientometrics 34: 101-19, 1995. CAPES, Dados da Avaliação-98.

Quadro 2
Evolução da Capacitação Científica
 

1993

1995

1997

Nº pesquisadores

21.541

26.779

34.205

Nº grupos pesquisa

4.402

7.271

8.544

Nº doutores

10.994

14.308

18.771

Doutores/grupo

2,49

1,97

2,2

Artigos intern/ano

5.073

7.361

9.550

Artigos nac./ano

8.432

10.314

11.275

Fonte: Versões 1.0, 2.0 e 3.0 do Diretório de Pesquisa do CNPq.

Quadro 3
Índices de impacto da Ciência Brasileira

Área

Brasil*

Mundo**

Medicina

5,5

7,19

Ecologia e Meio ambiente

4,0

5,25

Física

5,2

6,75

Química

5,3

6,47

Matemática

3,4

3,16

Geociências

6,0

6,51

* Leta, J. & De Meis Scientometrics 35: 33-44, 1996
** Milton, S. Science Watch 6: 1-2, 1995.

   Sem dúvida alguma, todos nós podemos nos orgulhar do trabalho realizado ao implantar no país um sistema universitário jovem e punjante. Mas é preciso considerar que os dados mostram que somos poucos, que somos ainda minoria na maioria das instituições que labutamos (Quadro 4).

Quadro 4
Corpo Docente dos IES em 1996

Grau de formação

Total Geral

Pública

Privada

Doutorado

24.006

18.526

5.480

Mestrado

36.006

21.974

14.980

Especialização

53.990

19.261

34.729

Graduação

33.370

14.905

18.465

Total

148.320

74.666

73.654

Fonte: Eunice R. Durham Tempo Social 11: 231-254, 2000.

   A densidade dos grupos de pesquisa é ainda muito pequena e qualidade do ensino deixa a desejar se considerarmos a explosão do avanço do conhecimento no período que estamos falando. E o número de pesquisadores face a força de trabalho é ainda reduzido segundo relatório do Banco Mundial (Fig B.2 Banco Mundial: Educational change in Latin America and the Caribbean, divulgado pelo Banco Mundial em maio de 1999 - http:\\www.worldbank.org).
   Quando se analisa o sistema de formação de recursos humanos considerando a sociedade do conhecimento e tendo como referência o texto da Declaração da resultante Conferência Mundial sobre a Ciência da UNESCO, vemos que os desafios hoje são enormes, eles estão presentes nos diferentes níveis de formaçào de Recursos Humanos: Pós-Graduação, Terceiro Grau, Ensino Médio e Ensino Básico.
   A Agenga para Ciência decorrente da Conferência diz: "É hoje amplamente reconhecido que sem instituições adequadas de educação superior em C&T e de pesquisa, com uma massa crítica de cientistas experientes, nenhum país pode ter assegurado um desenvolvimento real". UNESCO. Science for the Twenty-first Century. Paris, 2000.
   A declaração pressupõe que a formação superior esteja associada à pesquisa e no Brasil ela está intimamente ligada à pós-graduação que é basicamente pelas universidades públicas. Na visão atual a função fundamental que o conjunto dessas instituições terá será o de manter o sistema de formação de recursos de alto nível através da pós-graduação.
   A melhoria do sistema de avaliação da CAPES, permitiu sem dúvida o aprimoramento do sistema mas os números atuais de titulação mostram que o número de egressos (15.621) é insuficiente para atender a demanda da expansão do ensino de graduação. Pelos números (Quadro 4) eram 87.360 docentes a serem titulados em 1997. O desafio é tanto maior quanto o conjunto de bolsas do CNPq, fundamental para a manutenção do sistema está estacionário (Quadro 5). É bom lembrar que o sistema de Bolsas de Produtividade é o estimulador da pesquisa nas universidades e no momento não está incorporando os jovens. Outro fator limitante é o financiamento per capita dos grupos de pesquisa também está abaixo estacionário. Em valores globais incluindo os recursos para as bolsas é de 55.000 dólares/pesquisador (Quadro 6).

Quadro 5
Evolução de Bolsas do CNPq

Ano

Produtividade

Mestrado

Doutorado

1985

4.091

3.957

819

1990

6.139

7.934

2.138

1993

7.274

8.611

3.474

1995

7.194

9.652

4.399

1996

7.263

9.617

4.583

1998

7.397

6.263

5.211

Fonte: Estatísticas de Bolsas do CNPq.

Quadro 6
Investimentos
Orçamento Nacional para o 2000

200,75 bilhões de reais - 18,69% do PIB

1- Outras despesas de custeio e capital - 37,7 bilhões - 3,51& do PIB

2- Educação superior - 2,3 bilhões - 6% do orçamento

3- Informação e conhecimento - 1,4 bilhões - 3,7% do orçamento

PIB nacional - 613 bilhões de dólares

Orçamento do MCT para 2000 - 629,71 milhões de dólares

   Considerando que o orçamento do MCT corresponde 1/3 do total investido em C&T, o valor do investimento federal seria 1,89 bilhões correspondendo a 0,3% do PIB.
   Considerando a existência de 33.980 pesquisadores, os valores aplicados seriam de 55.591 dólares/pesquisador.
   Na realidade, apesar dos baixos valores de Outros Custeios e Capital, desta década, mostram que devemos racionalizar o sistema não apenas na formação dos recursos humanos como nas respostas às expectativas da sociedade seja no número de contribuições científicas originais, seja na solução de problemas próprios da população brasileira.
   Algumas sugestões podem ser feitas para isso:
1- Estimular a criatividade,
2- Organizar o sistema com a formação de redes (Ex: rede ONSA da Fapesp),
3- Integrar os grupos de pesquisa das universidades com um objetivo comum.
   Para Anísio, a pesquisa seria o centro e a cúpula da universidade e seria instalada na nova escola Pós-graduada, os demais seriam colégios universitários. Portanto, ele acena e discute a possibilidade de alternativas, admitindo que a Lei não faz reformas.
   "O ensino superior brasileiro tem sido um ensino fundamentalmente superficial, destinado apenas a transmitir conhecimento, só por exceção e em casos individuais atingindo algum nível de pesquisa. Não há nenhum poder de lei que possa subitamente transformar todos esses professores em pesquisadores e dizer-se que toda universidade vai fazer pesquisa". (Anísio Teixeira. Educação no Brasil. Cia Ed. Nacional, 1969).
   Neste particular a LDB de 1996 retoma suas opiniões ao prever que teremos um sistema de ensino superior complexo: com Universidades e Centros Universitários.
   A utopia de Anísio Teixeira para as universidades continua viva e a LDB, ao dar autonomia às universidades, permite que cada instituição defina a sua forma de organização. Na realidade o espírito da lei é permitir as mais variadas experiências na estrutura organizacional desde que sejam respeitados os valores básicos das células acadêmicas.
   Considerando o avanço do conhecimento, independente da estrutura das universidade o que é preciso mudar é a formação dos alunos, buscando envolvê-los na geração do conhecimento e estimulando a criatividade e o potencial de cada um. Assim é preciso ouvir o que diz Gerhard Gasper.
   "Apenas tornando-se insubstituível a universidade sobreviverá. No entanto, como torná-la insubstituível? Provavelmente através da unidade entre pequis e ensino nos laboratórios e nas salas de aula. Em outras palavras, mediante a preservação de condições de trabalho que estimulem a interação entre professores e alunos. Para tanto, o contato pessoal é imprescindível" (Gerhard Gasper. Um mundo sem universidades? UERJ, Rio, 1997).
   As sugestões vão na direção de mudanças na formação do alunado. Sugestões poderiam ser feitas:
1- estimular programas de estudos individualizados - tutoria,
2- envolver os alunos nas atividades de pesquisa e de extensão,
3- estimular as iniciativas dos jovens empreendedores através da criação de empresas jovens.
   Nesta visão o professor, passará a ser o facilitador do conhecimento. Por sua vez o aluno deixará de ser passivo e dependente. O envolvimento dos alunos nos projetos de pesquisa e extensão passariam a contar créditos. A flexibilidade curricular seria estabelecida permitindo uma formação mais adequada a um mundo em rápida transformação. O grande problema de um modelo deste tipo é que serão necessários docentes com grande experiência para exercer a tutoria. O fundamental para a formação dos jovens é o convívio no ambiente estimulante, criativo e crítico que deve reinar as células acadêmicas, sejam elas quais forem.
   Por outro lado, nós temos de admitir que o sistema de ensino de terceiro grau é insuficiente mesmo quando se compara os nossos dados com os países da América Latina (Mapa, pg. 92 do citado documento do Banco Mundial) e os pobres estão à margem do sistema (Fig 3.4 - Banco Mundial). Aqui se coloca o problema do ingresso nas universidades públicas que precisa buscar os mais criativos e não os melhores informados. Este é um desafio que precisa ser enfrentado com soluções novas e criativas.
   Portanto, com as idéias de Anísio de fundo e a LDB é possível ter um sistema de ensino superior constituído de universidades e centros universitários. Só que a realidade é outra e os dados do Banco Mundial (Fig 2.6 do Documento citado) mostram isso. A expansão de vagas no terceiro grau se deu particularmente na rede privada. O problema criado com a expansão desordenada de universidades precisa ser enfrentado e novamente as palavras de Anísio Teixeira são ainda hoje atuais.
   "Este país é o país dos diplomas universitários honoríficos, o país que deu às escolas uma organização tão fechada e tão limitada, que substituiu a cultura por duas ou três profissões práticas, é o país em que a educação, por si mesmo, se transformou em título para ganhar um emprego." (Anísio Teixeira, aula inaugural proferida em 1935 publicada Revista de Estudos Pedagógicos 85, 181-88, 1962).
   "Considero hoje a expansão do ensino brasileiro o caso mais espantoso e grave de charlatanismo e demagogia, porque não estamos reformando o ensino que devíamos à sociedade brasileira e estamos multiplicando indefinidamente instituições que antes deviam passar por profundas reformas".
(Anísio Teixeira, Uma perspectiva da educação superior bo Brasil. Depoimento prestado à CPI da Câmara dos Deputados, em 8/5/68).
   A expansão desordenada do ensino do 3º grau necessita de um sistema público de avaliação rigoroso e da decisão política de exigir que o sistema privado, reaplique os lucros obtidos na melhoria da qualidade da formação de seu alunado.
   Nossos desafios não acabam no terceiro grau mas continuam no ensino médio e no ensino fundamental já que o nosso desenvolvimento educacional é mediano segundo o Banco Mundial (Mapa, pg. 93 Anexo C do citado documento). No mundo de hoje a ciência e a tecnologia passaram a fazer parte da cultura. Novamente aqui cada vez mais se aplica a opinião que aparece no texto do Choque do Futuro de Alvin Tofler. "A nova educação deve ensinar o indivíduo como classificar, recassificar a informação, como avaliar a veracidade, como mudar as categorias quando necessário, comomover do concreto para o abstrato e vice-versa, como olhar um problema de maneira nova, como se ensinar. Amanhã o iletrado não será o homem que não pode ler mas será o homem que não apreendeu como apreender" (Alvin Tofler, Future shock. Bantam Book, NY, 1970).
   Logo o analfabeto não é só que não sabe ler e escrever mas aquele que não domina os princípios básicos da Ciência. Temos uma gigantesca tarefa à nossa frente e para que possamos exercê-la precisamos mudar a nossa forma de agir. Até aqui fizemos um esforço colossal para manter os grupos de pesquisa e formar Mestres e Doutores. Agora precisamos além de fazer isso nos voltarmos para o ensino básico de ciências, precisamos nos envolver para traduzir para a sociedade os conhecimentos que dominamos, através de um processo ativo de divulgação científica. A comunidade científica tem estado nos últimos anos muito fechada em si mesma. A participação tem se restringido ao seu desempenho profissional. O momento está a exigir que nos organizemos se quisermos contribuir para diminuir a imensa desigualdade do sistema educacional brasileiro. Precisamos retomar o espírito que animou Anísio Teixeira e os pesquisadores da época. Pois como bem alerta a Declaração aobre a Ciência: "O que distingue o pobre (povo ou país) do rico não é somente que ele tem poucas posses mas também que ele está fortemente excluído da criação e dos benefícios do conhecimento científico".
   Como bem frisava Anísio Teixeira somos um país jovem, e não podemos abrir mão de construir uma cultura própria e uma tecnologia apropriada às necessidades de sua população em uma nação que deve ser soberana.